O meu nome é Anna e venho por este meio protestar contra o autor deste texto. Porque se o meu nome é Anna não faz sentido que o texto seja assinado por um homem. Deveria ser assinado por mim, a Anna. Claro que o autor poderá sempre dizer que não poderia publicar o texto em russo num jornal português, teria sempre de o traduzir. Sim, eu sou russa, mas já estava em Portugal muito antes da guerra. E o que o ator diz é apenas uma desculpa. Posso não dominar ainda o português, mas falo inglês fluentemente e ele saberia traduzir.
E mesmo que insistisse que o texto deveria ser escrito originalmente em português fluente, deveria no mínimo pedir a uma mulher que o fizesse. Uma mulher saberá sempre mais sobre a condição feminina do que o autor deste texto, que está convencido que só por ser autor sabe tudo e mais alguma coisa. Só que ele não passou o teclado a ninguém Avançou e pronto. Pensou que sabia imenso de mulheres e pôs-se a escrever em meu nome. Até começou o texto dizendo “o meu nome é Anna”. Isto é um abuso, um escândalo, uma usurpação de personalidade.
O autor conheceu-me nalgum sítio. Não sei precisar onde. Possivelmente conheceu-me numa festa de amigos em comum. Bebemos um copo e ficámos a conversar. Trocámos telefones, WhatsApps, Instagrams, Messengers. Por escrito ainda falámos melhor. Fui-lhe contando coisas, falando-lhe dos meus gostos, das minhas opções de vida… E agora ele acha que pode falar por mim. Imagine-se.
É provável que, em sua defesa, alegue que me criou de raiz na sua imaginação. Mas todos sabemos que as coisas nunca são bem assim. Até é possível que tenha acrescentado um ou outro elemento, cruzado histórias, misturado traços de um livro ou de um filme. Talvez a Anna nem sequer exista. Talvez eu nem sequer exista. Mas a questão do fundo não é essa.
A verdadeiro questão é: quem é que este tipo pensa que é? Durante séculos as mulheres foram silenciadas. A sociedade machista perpetua-se até aos dias de hoje. É preciso gritar alto para que as vozes femininas se ouçam, caso contrário fica tudo à mercê dos homens, como sempre, como dantes. Eles continuam a mandar no mundo, são ainda pequenas as nossas conquistas. E agora este autor, assim do nada, vem apropriar-se do meu nome, da minha feminilidade, assumindo um papel, uma escrita que poderia e deveria ser entregue a uma mulher. Será que ele realmente pensa saber o suficiente sobre mim? Sobre o meu salário que é mais baixo do que o do meu colega, homem, que exerce exatamente as mesmas funções? Sobre o assédio constante que eu sofro, quando alta e loura ando pelas ruas de Lisboa? Ele realmente tem a arrogância de pensar que pode escrever em meu nome, que pode apropriar-se de mim, mesmo que eu seja uma personagem de ficção, mesmo que eu, a rigor, não exista?
Que embarguem este texto! Que saia uma providência cautelar! O autor que se retrate! O autor que se retire! E já agora, para que conste, Ahha em russo escreve-se com dois agás.