As coisas estavam a ir demasiado depressa. Ou talvez não demasiado, apenas depressa. Só se haviam conhecido no primeiro grande desconfinamento. Trocaram umas mensagens on-line e depois decidiram encontrar-se. Uma série de gostos em comum: os mesmos livros, os mesmos filmes, as mesmas canções. E depois completaram-se com descobertas de coisas novas, como se se fossem descobrindo um ou outro. Quando as pastelarias abriram foram beber um café. E quando as discotecas abriram foram dançar. Depois de ambos tomarem a segunda dose da vacina deram um beijo. E, por assim dizer, o beijo ficou lá.
Só que agora as coisas estavam a ir muito depressa. Ou apenas depressa. Afinal só se tinham passado uns meses, talvez um ano. Já estavam a fazer planos para o Natal, como se fossem família. “Na consoada vou à casa dos teus pais. E ao almoço vens à casa dos meus”. Toca a comprar a presentes, livros, perfumes, chocolates. Depois, claro, é preciso ter cuidado com a avó que já está velhota e com o primo que não se vacinou, Todos têm que fazer teste, mesmo aqueles que tomaram a vacina. E, de seguida, ainda há a viagem à Turquia, uma espécie de lua de mel antes de tempo. Estava tudo a ir demasiado depressa ou apenas depressa.
Havia muitas coisas em jogo. A avó, o primo, o resort na Turquia onde não fazia propriamente calor, mas era um bocadinho menos de inverno. Comprou o teste na farmácia e levou-o para casa. Não podia, não podia comprometer o imediato, o que se seguisse. Contudo não dependia apenas de si. Ele até era cuidadoso, mas havia sempre a possibilidade de apanhar o vírus nos transportes, na rua, porque simplesmente ele anda por aí.
Entrou no quarto. Ela estava fechada na casa de banho. Ele sentou-se na cama a ler atentamente o manual de instruções. Não podia falhar. Também não tinha sintomas. Ou, agora que pensava nisso, até lhe doía um pouco a garganta, mas era da renite alérgica, que persistia embora já estivéssemos distantes da Primavera. Tirou a zaragatoa do plástico e enfiou-a metodicamente no nariz. Primeiro numa narina, depois na outra. Seguindo escrupulosamente o procedimento, molhou a zaragatoa no líquido, agitou, entornou-o sobre o dispositivo e ficou à espera do resultado: uma linha tudo bem, duas linhas tudo mal. Aos poucos, o fundo branco começou a tingir-se e depois nasceu a primeira linha, que validava o teste. A segunda linha, que punha tudo em causa, nem sequer ameaçava traçar-se.
Foi então que ela saiu finalmente da casa-de-banho. Em lágrimas, soluçava. Ele aproximou-se, porventura para a abraçar, mas conteve-se ao perceber que trazia um teste nas mãos. Olhou e viu os dois traços preenchidos. Incrédulo, perguntou: “Apanhaste Covid?”Sem parar de soluçar, ela respondeu: “Não, estou grávida”.J