Concebida por Apostolos Doxiadis (cujos livros mesclam matemática e ficção), e Christos H. Papadimitriou (especialista em lógica computacional da Universidade de Berkeley, e também romancista) começa por ser sobre Filosofia, Lógica e Matemática, focando a figura de Bertrand Russell. Porque motivo dois autores gregos escolheram este tópico? E por que diabo preferiram a banda desenhada? Não vale a pena perder tempo com conjecturas: os autores explicam no início do livro, aparecem de quando em vez para reavaliar estratégias, e fazem um balanço no final. Logicomix é pois, desde logo, uma Meta-BD, que reflete permanentemente sobre si mesma.
O livro inicia-se com uma palestra de Bertrand Russell no dealbar da 2ª Guerra Mundial, que serve como pretexto para o revisitar da sua carreira. Uma carreira balizada pela racionalidade, mas prisioneira de dois tipos de dilemas. Um, científico, relaciona-se com a fundamentação lógica da Matemática, e, por extensão, de todo o conhecimento. Nesta análise os autores introduzem a história da matemática, centrada nos conceitos de prova e conjuntos, perpassando nomes como Hilbert, Cantor, Frege, Peano ou Poincaré. Preparando caminho, primeiro para o torpedear que Russell faz da teoria dos conjuntos com o seu Paradoxo. Depois para a tentativa (com Whitehead) de dar uma solução ao problema. E, finalmente, para o questionar do seu trabalho por Wittgenstein ou Gödel.
Doxiadis e Papadimitriou usam várias estratégias (a palestra auto reflexiva de Russell, congressos reunindo diversos intervenientes da história, a sua própria discussão enquanto autores “dentro” da obra, um extenso glossário, o uso do desenho para uma visualização mais fácil de conceitos, citações da mitologia e tragédia gregas com destaque para a Oresteia de Ésquilo) de modo a disfarçar o ónus que é expor toda a informação relevante. A verdade é que não são nada mal sucedidos. Não só o tema fascina, como rapidamente ganha predominância o segundo dilema glosado em Logicomix.
Se este é um livro sobre matemáticos de génio, é também um livro sobre seres humanos disfuncionais. Desde a frieza nas relações familiares e traições pessoais, a misoginia, racismo e antissemitismo, passando por vários graus de demência e paranoia, não há uma única personagem que escape. Paladinos da Lógica sucumbem pois perante a falta dela, alienados do mundo cujas fundações últimas tentam estabelecer. Este tipo de contradições leva Russell a questionar a sua demanda, e a conversão a ativista e educador pode ser entendida nesse contexto. Uma mudança simbolizada na sua abordagem às duas Guerras Mundiais, de pacifista “racional” na Primeira, a uma posição posterior mais aberta, que admite uma validade também dependente de percursos pessoais, da contextualização histórica, e de movimentos não-racionais (como o nazismo).
A arte de Alecos Papadatos segue o classicismo da “linha clara” franco-belga revisitado na contemporaneidade (autores como Christopher, Peyraud ou Dupuy e Berberian vêm à memória), vincada pelas cores planas de Annie Di Donna. É um estilo “neutro” que funciona bem num livro que necessita de clareza gráfica para expor complexidade. Mas um problema em Logicomix é que os autores não parecem confiar totalmente em si mesmos, no leitor, ou no próprio meio. E não conseguem deixar de racionalizar tudo o que fazem (este é, afinal, um livro sobre lógica…), procurando deixar um Epílogo claro. Talvez porque começaram por dramatizar uma Busca Absoluta de Conhecimento, e acabaram por se concentrar nas características concretas daqueles que a empreenderam; chegando mesmo a discutir se a instabilidade mental será uma “qualidade” essencial para certos tipos de pesquisa científica, ou, pior ainda, surja como resultado “lógico” dessa atividade (ou ambas as coisas). É certo que não era bem isto que queriam fazer, mas o aparente complexo de culpa que se sente no final é também inútil. O livro repete uma mensagem, e esta é muito simples. Primeiro, que a Ciência não é fácil, e quanto mais perto de um ideal absoluto se aproxima, maior é a probabilidade de insatisfação. Segundo, que tudo quanto diga respeito a pessoas é complicado, e a Ciência não foge à regra. Nem abstracta e “pura”, nem construção aleatória de uma elite conspirativa. Mas uma atividade nobre, crucial e difícil, com regras, que esgota e rejuvenesce constantemente os seus praticantes, e que produz, como pragmaticamente lembra Papadimitriou, coisas interessantes e úteis, sem as quais não seríamos o que somos. Logicomix é pois um excelente, fascinante e inesperado uso da BD, que interessará (também) a um público que não o habitual.
Logicomix, Uma Busca Épica da Verdade. Argumento de Apostolos Doxiadis e Christos H. Papadimitriou, desenhos de Alecos Papadatos com cor de Annie Di Donna. Gradiva. 352 pp., 16 Euros.