Num texto anterior sobre o Amadora BD do ano passado escrevi o seguinte:
“Fora significados pessoais para autores e editores os Prémios dados a livros na Amadora nada significam. Ponto final. Em termos de vendas o reflexo será pouco mais do que nulo. Mas o problema é a escolha ser reduzida e o Festival não fazer qualquer prospeção, espera que as editoras se candidatem. Num mercado forte e diversificado isso é compreensível, no português é uma solução preguiçosa. O AmadoraBD tem obrigação de ir à procura da melhor BD possível, não há assim tanta editada em Portugal. Este ano (NOTA: 2010) sublinhe-se o caso caricato de haver um único livro nomeado numa categoria. Surpreendentemente ganhou… Qual é a relevância disso, que credibilidade dá? Mais valia ter dado um prémio especial a esse livro e não o sujeitar a uma “votação”.”
Mantenho tudo o que escrevi na altura. Mas é bom esclarecer alguns pontos.
Sobretudo há que sublinhar isto: nada me move contra o Festival, pelo contrário. É um evento incrivelmente meritório, para mais nos tempos que correm. Muito menos tenho alguma coisa contra os elementos do júri que pré-selecionou as obras sujeitas a votação. Fizeram um bom trabalho, dadas as regras. O problema são as regras.
As regras dizem (em resumo) que o júri pode selecionar para votação em diversas categorias obras que se tenham candidatado aos prémios, propostas pelos respetivos editores. Os quais têm de enviar vários exemplares de cada obra (4-5), a distribuir pelos membros do júri. Este ano houve 3 a 6 alternativas passíveis de votação em diferentes categorias.
Dir-se-á que esta metodologia é idêntica ao que sucede noutras áreas (cinema, literatura). Pode ser, mas não se adequa à BD (portuguesa) por um motivo-base simples:
O mercado é fraco e feito de muitos pequenos editores (para quem “perder” 5 exemplares para oferecer a um júri, para lá dos que já manda à imprensa, não é trivial); e, ao contrário dos prémios noutras áreas, estes não significam nada em termos de vendas. Caso significassem editores generalistas dar-lhes-iam mais publicidade, com tarjas a anunciar que o livro tinha sido premiado, por exemplo. Sucede nos prémios literários em Portugal, sucede nos prémios de BD dos Festivais em mercados fortes, como Angoulême ou San Diego; ou seja: quando é relevante. Portanto, porque irão editores dar atenção aos prémios? A obrigação de os tornar relevantes está do lado do Festival, não dos editores.
O resultado é simples para quem observar as listas de nomeados: há editoras excessivamente representadas (este ano os álbuns de música/BD da Tugaland; mas não os trabalhos da ASA, que faz um trabalho claramente superior ao de qualquer outra editora), e outras que não aparecem (muitas: Mmmnnnrrrg, Vitamina BD, Ao Norte, Planeta Tangerina, Libri Impressi, Devir, Quarto de Jade). Por outro lado, dá-se a possibilidade de votar num livro que, ao prazo-limite para a votação, mal tinha saído (não sei se era possível adquiri-lo ou não, eu ainda não o vi), que é “A Ermida” de Rui Lacas (Polvo). Por acaso eu acho Rui Lacas um notável autor português, e o que melhor sabe variar o seu registo em diferentes obras, mantendo sempre uma qualidade elevada. E, apesar do secretismo com que se rodeia, o trabalho do editor Rui Brito é também digno de registo. Ou seja: este é um livro que tenho muita curiosidade em ler, mas como votar no que não se conhece?
E há alternativas? Claro. O Júri dos Prémios do Amadora BD tem incluído pessoas competentes e responsáveis, que estão muito a par de toda a atividade editorial em torno da BD (não é assim tanta, repete-se). Com mais ou menos elementos esse júri devia ter a liberdade de elaborar uma lista de nomeados independentemente de editores/autores que concorrem, em vez de apenas pactuarem com as instruções dadas e com as “borlas” recebidas. Ou, pelo menos, o júri devia ter a possibilidade de sugerir obras não nomeadas pelos respetivos editores, sobretudo em casos em que os editores não mandaram obra nenhuma. Isto por vezes sucede, mas é sempre “ad hoc”; ou seja, mal.
Dá mais trabalho? Sem dúvida. Mas, apesar de tudo, são modificações que me parecem banais, e talvez com elas os Prémios da Amadora fossem mesmo credíveis enquanto Prémios Nacionais, e valesse a pena participar, publicitar e discutir os resultados. De momento não é o caso.
Outra sugestão é óbvia: que tal o Festival de Beja promover os “Galardões Portugueses de BD” (ou o que lhes quiserem chamar), concedidos noutros moldes? Nisto, como noutras coisas, não há nada como uma alternativa séria.
PS- Como é lógico estes comentários NÃO são extensíveis aos concursos de banda desenhada, que têm corrido muito bem e revelado muitos talentos promissores.