Nascido em Jenin, Palestina Ocupada, em 1976, Khaled Jarrar é um artista visual e cineasta palestiniano que, através da fotografia, cinema, escultura e performance, explora temas como soberania, legitimidade, narrativa histórica, autoridade política e, sobretudo, liberdade.
Apesar da sua obra ter granjeado rapidamente um grande reconhecimento mundial, até 2005 Jarrar nunca tinha trabalhado como artista. Em 1998, dois anos após terminar o curso de Design de Interiores, na Universidade Politécnica da Palestina, acabaria por ingressar no exército.
Deu assim início a uma carreira de 25 anos na Guarda Presidencial da Autoridade Palestiniana, onde atuou como guarda-costas de Yasser Arafat até à morte deste, em 2004. No ano seguinte, procurando um equilíbrio entre a prática militar e artística, começou a explorar a fotografia.
Concluiu a sua formação na Academia Internacional de Arte da Palestina, em Ramallah, em 2011, e obteve o mestrado em Artes Visuais na Universidade do Arizona, em 2019. Atualmente, vive entre Ramallah e Nova Iorque.
Entre as suas obras mais famosas, além dos aclamados documentários Os Infiltrados e Notes on Displacement, encontra-se a série de esculturas Upcycle the Wall, na qual usou cimento, retirado por si mesmo do muro do apartheid, para construir objetos típicos do dia-a-dia dos palestinianos.
Em Portugal, em residência artística com mestres oleiros de Barcelos, criou Unknown Olive Oil e Philistine Perfume, 60 garrafas de azeite e 100 pequenos frascos, todos feitos de barro, apresentados na exposição Land After Art.
Apesar de ter crescido num contexto de ocupação territorial, onde talvez não houvesse muito tempo para falar de arte, sempre soube que queria ser artista?
Em criança costumava fazer pequenas esculturas em madeira de oliveira, com desenhos, nomes ou corações entalhados. Sempre adorei trabalhar em madeira, argila e pedra, e a relação entre o trabalho manual e a Natureza. Nunca imaginei que pudesse ser arte ou que acabaria a fazer isso no futuro, mas sabia que era algo que tinha significado para mim, algo capaz de fazer sentir-me ligado à Terra.
Ainda chegou a estudar design de interiores, mas, pouco depois, acabou por seguir a carreira militar. Porquê?
Porque não encontrei nenhuma oportunidade de trabalho na área do design ou da arte. Além de provocar uma crise económica, Israel, ao ocupar a Palestina, assegurou que seria difícil para os palestinianos encontrarem trabalho, transformando-nos em mão de obra barata para trabalhar na construção das suas casas. É uma forma de colonialismo. Claro que não se quer que o povo colonizado seja esperto, criativo ou artístico, só se querem trabalhadores fáceis de controlar.
Durante os anos de serviço militar, manteve algum tipo de atividade artística?
Não. Em 1998, quando me juntei ao exército e me tornei guarda presidencial, parei qualquer tipo de atividade relacionada com arte. Só em 2004 [após a morte de Arafat] é que comprei uma máquina fotográfica e comecei com a fotografia, e com algumas coisas de design gráfico. Foi essa a minha transformação e entrada no mundo da Arte. Através de uma câmara, de uma lente.
Entretanto, através dessa lente, sente que já foi capaz de provocar mudanças de atitude ou “abriu os olhos” de outros países em relação à Palestina?
Algumas pessoas, quando viram o documentário Os Infiltrados, convidaram-me a mostrá-lo em escolas. Percebi que muita gente não sabia grande coisa sobre a Palestina, alguns não sabiam sequer o que era a Palestina, mas, através do filme, criaram uma relação de empatia com a experiência humana dos palestinianos que tentam atravessar o muro do apartheid. A minha abordagem no documentário é a de deixar as pessoas contarem a sua experiência pessoal através da própria voz. A língua e a cultura até podem ser diferentes, mas as imagens geram uma conexão entre todas as pessoas, porque tornam visíveis seres humanos. Quero que os palestinianos sejam vistos pelo Ocidente como seres humanos e acredito na força e no papel da arte enquanto meio de transmissão de conhecimento e de histórias.
As histórias, não só desse documentário, mas também de Notes on Displacement, são muito dramáticas. Quando filma procura um resultado cru ou, por outro lado, uma leitura poética da realidade?
Tem de ser poético, porque a Natureza é poética e acredito que as pessoas aprendam muito mais com ela do que com qualquer outra coisa. Eu gosto de cores e de um tipo de realização muito visual, e, além disso, as notícias já têm uma abordagem muito crua do que se está a passar.
Poder-se-ia afirmar que todo o seu trabalho se debruça sobre o tema da liberdade?
Sim. Quero libertar as almas palestinianas da linguagem tóxica e redutora usada muitas vezes contra elas e quero que sejamos livres para podermos narrar a nossa história através das nossas vozes. A liberdade é algo muito importante para nós. Liberdade para sonhar, para viajar, para ver o dia em que não existam povos ocupados.
As obras Philistine Perfume e Unknown Olive Oil, expostas em Land After Art, também estão relacionadas com estas questões?
Para mim, todo esse projeto é sobre contrariar os estereótipos e a linguagem racista e diminuidora usados em relação aos palestinianos, recorrendo a obras de arte que estão ligadas à natureza. Isto porque nós palestinianos temos uma ligação à natureza que é única e identitária.
Essa relação tem sido ameaçada?
Os colonos chegaram, cortaram as nossas árvores e destruíram a natureza a fim de construírem bases militares e expandirem as suas estruturas colonialistas feitas de cimento, como o Muro do Apartheid. Esse muro foi feito para controlar a natureza, nomeadamente os nossos recursos de água, e separar-nos dela.
E, agora, com Unknown Olive Oil, acabou por conseguir levar parte dessa natureza muito para lá do Muro…
Queria muito usar azeite que tivesse vindo da minha terra na Palestina. Era essencial. Porque essa terra irá transmitir a sua mensagem através dele, do seu cheiro, do seu sabor, da sua cor. É algo que representa o espírito hospitaleiro e acolhedor dos palestinianos. É também uma forma de “exportar” as nossas memórias, fazendo-as chegar às pessoas daqui.
Desde abril de 2023 vive não apenas em Ramallah mas também em Nova Iorque. Alguma vez, ao longo deste ano e meio, considerou mudar-se definitivamente para os EUA?
Não, nunca. Penso que a minha passagem por Nova Iorque será temporária, enquanto tiver alguns projetos em curso por lá.
E não tem medo que, em alguma das viagens à Palestina, possa ser impedido de regressar a Nova Iorque?
Ultimamente, é algo que está a acontecer a cada vez mais pessoas. Por essa razão vou ficar em Nova Iorque durante algum tempo. Sei que se for à Palestina posso não conseguir voltar a sair. Já me aconteceu uma vez. Em 2014, fui proibido de deixar o país. Eles não querem que andemos pelo Mundo a tocar a nossa música, a expor a nossa arte, a falar do que se está a passar.
Trailer de Notes on Displacement
O aclamado documentário de Khaled Jarrar faz uma análise profunda do medo e da desorientação vividos por uma família síria durante a árdua jornada em busca de uma vida melhor