Nascido no campo de refugiados palestinianos de Yarmouk, na Síria, para onde os avós fugiram em 1948, após terem sido forçados a deixar a sua casa na Palestina, Basel Zaraa é um artista palestiniano, hoje radicado no Reino Unido, que utiliza a exploração dos sentidos para aproximar o público das experiências de exílio e de guerra.
O seu trabalho já foi apresentado em mais de 50 salas e festivais de todo o Mundo, e distinguido com diversos prémios, como o Outstanding Production, nos Bessie Awards de 2019, atribuído a As Far As My Fingertips Take Me, uma colaboração com Tania El Khoury que aborda temas como o exílio, a viagem empreendida pelos migrantes e a saúde mental e física dos refugiados no Reino Unido.
Em ocasião da passagem por Lisboa do seu projeto mais recente, Querida Laila, apresentado pela primeira vez em 2022, no Museum of the Home, em Londres, e distinguido com o ZKB Audience Award 2023, o JL conversou com o artista.
Querida Laila, instalação apresentada em Lisboa durante o Alkantra Festival, conta a história da família do artista, deslocada, desde 1948, num campo de refugiados FOTO: Rui Palma
Como nasceu a ideia de criar a instalação Querida Laila?
Quando a minha filha tinha cinco ou seis anos começou a perguntar não só onde é que eu tinha nascido, mas também por que razão não podíamos ir ter com os familiares que ela via nas vídeo-chamadas. Foi então que me lembrei de construir uma maqueta da minha casa de infância para lhe mostrar como era esse lugar, trazê-lo para junto dela e contar-lhe a história da nossa família.
Então, originalmente, era só a maqueta?
Sim, a Laila vinha ter comigo, via-me a construí-la e sentava-se ao meu lado a desenhar ou a brincar. Mas depois percebi que queria partilhar a história também com o público e comecei a pensar nos outros elementos a inserir, como por exemplo o áudio.
Sentiu que muitos dos visitantes percebiam pela primeira há quanto tempo havia realmente um conflito na Palestina?
Definitivamente. E é fundamental mostrar ao público que os palestinianos são refugiados há mais de 70 anos, que estão constantemente a ser deslocados, a construir casas e a perdê-las. Em Gaza ainda é pior, porque as guerras acontecem a cada dois ou três anos e cada geração chega a ser deslocada, às vezes mais do que duas vezes durante a vida.
Os seus pais ainda estão em Damasco?
Sim.
E já conseguiram visitá-lo no Reino Unido?
Não é fácil para eles obter um visto. Da mesma forma que também não é fácil para nós, enquanto palestinianos, movimentar-nos naquela região. A primeira vez que vi a minha família, após uma separação de 14 anos, foi há dois anos, nos Emirados Árabes Unidos. Na altura era o único lugar onde eles podiam ir, mas agora nem isso, por causa da guerra em Gaza.
Esta situação é explicada às outras crianças em ambientes como a escola ou a comunidade?
Há várias iniciativas. A nossa família está envolvida nas atividades de primeira linha para apoiar a causa palestiniana. Dinamizamos um grupo em Londres e Birmingham chamado Youth Front For Palestine, que proporciona às crianças e às suas famílias momentos de convívio, atividades e formas de ajudarem as crianças de Gaza. Fazem desenhos, escrevem-lhes cartas, aprendem música tradicional palestiniana.
É fundamental mostrar ao público que os palestinianos são refugiados há mais de 70 anos, que estão constantemente a ser deslocados, a construir casas e a perdê-las
Após Querida Laila, de que forma falará da questão palestiniana?
Tenho um projeto comissionado pela Counterpoints Arts [organização britânica de destaque na área da arte, migração e mudança social, que apoia arte feita por, ou sobre, refugiados e migrantes]. Neste trabalho refletirei, não só sobre o que poderia ter sido a Palestina, caso nunca tivéssemos sido ocupados e não tivéssemos de estar concentrados em sobreviver dia após dia, mas também sobre o que nos está a acontecer agora e de que forma poderemos avançar para o Futuro.
Nesse futuro, se pudesse voltar facilmente à Palestina, era algo que faria?
Na verdade, eu nunca consegui ir à Palestina. E metade dos palestinianos, tal como eu, já nasceu e cresceu em campos de refugiados. Tenho família na Palestina, tanto em Gaza como em West Bank, que nem nunca cheguei a conhecer por causa da ocupação. Mas sim, claro que se pudesse iria lá.
Tendo refletido tanto sobre este tema, e sendo um “deslocado” de nascença, o que é que considera a sua casa?
É uma boa pergunta. Como cresci num campo de refugiados, cresci com esta identidade de refugiado, de alguém que está à espera de poder voltar para casa. Portanto, sinto que, de certa forma, nunca me senti em casa em lado nenhum. Casa, para mim, são as pessoas e a comunidade.