Só quando talhada no mármore da morte a sua virgindade essencial, cessará o crescendo do seu gesto histriónico em que ela encarne o pathos da sua vontade de tragédia”, escreve Natália Correia ao apresentar o Diário Inédito de Florbela Espanca, que o JL revela em primeira mão neste seu nº 16, de 29 de setembro de 1981. Revela, com o texto da autora de Mátria e com páginas do dito Diário, acompanhadas de fotos também inéditas. A começar pela da capa, magnífica, de uma ainda muito jovem e sorridente Florbela.
A edição abre, no entanto, com outra matéria invulgar, para não dizer excecional. Trata-se do trabalho do muito bom repórter, além de já ficcionista e dramaturgo, Fernando Dacosta, da redação de O Jornal, que eu também dirigia, e nosso colaborador. Título da peça: “Sobreviventes de Guernica ao JL: ‘O quadro somos nós'”. A famosa pintura de Picasso, em vésperas do centenário do artista, ‘regressara’ a Espanha – ao Museu do Prado, onde continua – e Dacosta foi nosso enviado especial (nesse tempos isso ainda era possível…) à martirizada localidade do País Basco bombardeada e destruída pela aviação nazi. E, como decorre do título, para a sua reportagem de três pp. inteiras ainda conseguiu ouvir vários sobreviventes desse hediondo crime que graças à tela do genial pintor se transformou num símbolo universal.
Quase três pp. também ocupa um texto de Eduarda Dionísio, misto de ensaio, opinião, polémica e testemunho: “O teatro (não) pode ser de toda a gente?” Testemunho, com propostas implícitas, porque Eduarda, escritora e professora, já tinha uma múltipla intervenção teatral. Entre o seu texto e o anterior, sobre Florbela, “N proposições sobre o Teatro de S. Carlos”, por João de Freitas Branco. N, muitas, dezenas – e atendendo à enorme competência e autoridade do grande musicólogo e nosso colunista, um texto seu assim tinha muita repercussão nos meios artísticos.
Neste nº 16 começamos um inquérito à edição em Portugal – com respostas de Maria da Piedade Ferreira, Nelson de Matos e J. Carvalho Branco -, e tínhamos, claro, a colaboração de vários dos nossos cronistas e críticos. Por exemplo, entre os primeiros, David Mourão-Ferreira, no seu “O amador de poemas”, comenta e traduz versos da poesia “diarística” de Eugénio Montale, e Agustina escreve “Marguerite”; e quanto aos segundos, Fernando Pernes (futuro diretor de Serralves) comenta uma exposição de pintura no Centro Beaubourg, em Paris, e Amadeu Lopes Sabino assina uma longa recensão a um volume sobre “a nova cultura da direita”. Não menos longa, a pré-publicação de um texto de Roland Barthes, de La Chambre Claire.
Enfim, no domínio da atualidade destaque para o Festival de Cinema da Figueira da Foz, que era ‘único’ no país, com textos de Gulherme Ismael e, vejam lá, Maria Emília Brederode Santos e José Medeiros Ferreira. Já no “Debate-Papo”, além do José Sesinando, e outros, referência especial ao artigo “Os vales à caixa de Fernando Pessoa”. Da autoria de L. P. Moitinho de Almeida: um bom e sabedor advogado, sempre discreto, amigo e ‘vizinho’ de escritório de Fernando de Abranches-Ferrão, e de mim, que lho pedi. Porquê? Porque seu pai era o próspero comerciante da baixa lisboetas a quem o poeta fazia a correspondência em inglês e francês. Artigo curto mas bem interessante sobre as dificuldades económicas e a forma de ser de Pessoa: “Vivia só, de costas viradas para o mundo que o rodeava e apenas preocupado com o seu grande universo interior”, – escreve Moitinho de Almeida.