Das cinco primeiras edições do JL, todas com o respetivo número nas capas de João Abel Manta, a 3ª é aquela em que o algarismo aparece menos ‘canónico’, com a sugestão de outras formas, como o leitor pode ver na reprodução abaixo. Saído a 31 de março de 1981, destaque, a abrir, para um perfil de, entrevista com, Carlos Botelho, no estilo inconfundível de Fernando Assis Pacheco – à semelhança do que fizera com José Cardoso Pires no nº 1. Título: “Carlos Botelho: histórias de uma vida pedibus calcantibus”. Sublinhe-se que Botelho, além de ser o mais reconhecido artista da cidade, por isso lhe chamavam o “pintor de Lisboa”, era então, aos 81 anos, “o mais colecionado dos pintores portugueses” e uma figura invulgar, também músico, violinista, e etc.
Como matéria maior, de quase três páginas como a anterior, vem depois um excelente texto de David Mourão-Ferreira sobre Marguerite Yourcenar: excelente e de certa forma contundente, contra o facto da nessa altura ela ser ainda autora de uma (título do artigo) “obra desconhecida”. E vem, a seguir, sobre o famoso realizador francês que acabara de falecer, “René Claire, morte de um imortal”, por Alves Costa, o histórico cinéfilo, presidente do Cine-Clube do Porto e principal ‘fundador’ do cine-clubismo em Portugal, entusiástico defensor dos, ainda poucos, filmes do seu amigo Manoel de Oliveira.
Três páginas à frente, a primeira presença no JL de alguém que nele viria mais tarde a colaborar – por via do exclusivo entre nós das suas crónicas pelo grupo de O Jornal -, e viria sobretudo a ter grande destaque como enorme escritor que era: Gabriel Garcia Marquez. No caso tratava-se apenas de uma entrevista não longa. E no âmbito de outro exclusivo – de Le Nouvel Observateur -, um artigo se Alain Robbe-Grillet, que o nouveau roman tornara famoso, sobre Roland Barthes.
Ainda antes, porém, porque o jornal tinha uma certa (des)arrumação, uma página em que se noticia a próxima reedição do há muito esgotado Voz que escuta, de Políbio Gomes dos Santos (1911-1939), 10º volume do Novo Cancioneiro – com um pequeno texto de Carlos de Oliveira, de que em breve aqui falarei, três cartas inéditas de Políbio e um poema de Vitorino Nemésio.
Bom, espalhadas pela edição, as colunas de cronistas fixos: logo na p. 2 Alexandre Pinheiro Torres (“Os peixes vermelhos de água benta”), na última Agustina (“Desgraça feliz”); em outras pp. Nuno Bragança, Augusto Abelaira e José Sesinando, esta de p. inteira e em cujo “quantinho do leitor” estão “Grandes Momentos da História de Portugal”. Que começam assim: “‘El-rei Afonso Henriques?/ Como passa ele? Bem’/ ‘Anda um bocado cansado/ tem estado a bater na mãe'”. Entre as notícias maiores a próxima edição da obra completa de Ruy Belo, e entre as entrevistas curtas a de Fernando Dacosta a alguém que viria a ser, longos anos, nosso destacado colaborador: Jorge Listopad.
Pelo meio artigos de, entre outros, Maria João Madeira Rodrigues, a jovem futura catedrática de Arquitetura, Alberto Ferreira, ensaísta à época muito seguido, e Salvato Teles de Menezes, que escreve sobre Raymond Chandler e ainda há menos de dois meses aqui lembrou o seu encontro, em Portugal, com Kirk Douglas. Rogério Rodrigues (pai, permita-se-me o àparte, do Tiago Rodrigues, agora nosso cronista) evoca Guerra Junqueiro, a propósito de um novo livro sobre o poeta, e Irineu Garcia dedica o corpo principal da sua brasileira “Zona Tórrida” a Fernando Gabeira.
Enfim, o exemplar “Guarda-Livros” e muitos dos mesmos magníficos críticos das duas edições iniciais a escreverem sobre cinema, teatro, música, televisão, literatura. Neste domínio, referência a uma análise de p. inteira de Álvaro Manuel Machado a O Mosteiro, de Agustina, acabado de sair, e a um texto de Stephen Reckert sobre Camões e a Viagem Iniciática, de Helder Macedo. Digamos que o nosso nº 3 continuou, bem, na senda do 1º e do 2º.
JL 3: de Botelho a Yourcenar
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