O homem de cara ensanguentada, amparado por duas pessoas, ferido na manifestação de populares, junto à sede da Pide, na Rua António Maria Cardoso, no dia 25 de Abril de 1974, uma das imagens mais violentas da Revolução dos Cravos, conta pela primeira vez, quatro décadas depois, os acontecimentos em que esteve envolvido. Esse é um dos testemunhos e factos inéditos revelados em Os últimos dias da Pide, a série documental, de Jacinto Godinho, que vai passar em estreia, dias 25 e 26, às 23 e 30, na RTP2.
É uma forma de celebrar os 41 anos do 25 de Abril, mas também de “dar rostos, nomes, casos” e tornar real o “fantasma abstrato” da temida polícia política do fascismo, desocultando a história da sua queda. Um “massacre”, como diz o investigador, jornalista e professor da Universidade Nova de Lisboa, com cerco, tiroteio, cinco mortos e 45 feridos, num “palco secundário”, onde segundo ele se jogou o fim do regime.
JL: O que o interessou especialmente investigar em relação aos acontecimentos junto à sede da Pide-DGS, no dia 25 de Abril?
Jacinto Godinho: Impôs-se uma narrativa sobre o 25 de Abril, em torno do Salgueiro Maia, do percurso da Escola Prática de Cavalaria de Santarém ao Terreiro do Paço e ao Largo do Carmo. Mas houve outros palcos da revolução mais violentos. Um deles a poucas centenas de metros, na Rua António Maria Cardoso.
Onde se deu o “assalto”, como chama ao primeiro episódio.
Houve uma primeira tentativa de ocupação por parte dos fuzileiros, logo de manhã, que falhou. Depois, duas de assalto popular. E essa história estava um pouco mal contada, pensava-se que era tudo uma mesma manifestação, não se tinha percebido bem a história dos tiros.
O que descobriu de novo?
Uma particularidade interessante é que os feridos na manifestação da tarde foram para o hospital e lá acabaram por ser detidos e levados para o Governo Civil. Foram os últimos presos da Pide. Foi publicada uma única fotografia dos feridos nos jornais do dia seguinte. Descobri esse homem, José Morgado Rodrigues, na altura com 20 anos, que vive no Porto, e contou pela primeira vez como foi agredido pela Pide, com uma coronhada na cabeça e depois preso.
Esse é um testemunho inédito do seu documentário?
Sim. Outro é de uma pessoa que conta como foi morto o agente da Pide, na manifestação da noite. O que é estranho é que se tenha passado toda esta violência, no primeiro dia de liberdade, quando se podia fotografar à-vontade, e não existam praticamente imagens. Assim a história é mais difícil de contar.
Que o pode justificar?
Era tão forte a ideia de uma revolução dos cravos, como efetivamente foi, que de alguma maneira se mitigou o sangue que correu na rua. A minha ideia foi compreender melhor esses acontecimentos.
Tem investigado muito sobre a história da Pide. Porquê?
Sempre me fez uma certa confusão que a Pide fosse uma lenda negra, um fantasma abstrato, de que pouco se fala e conhece.
O que o pode explicar?
O próprio trabalho da Pide sobre a imagem, que era um instrumento que utilizava para investigar e perseguir oposição. Deixar que o terror seja abstrato é uma forma de o amplificar. O meu objetivo foi trazer à nossa presença a realidade ‘fantasmática’ da sua invisibilidade. E assim compreender melhor essa parte da História do país