A neurologista Ana Raquel Barbosa, vencedora do Prémio João Lobo Antunes 2019, quer perceber porque é que alguns dos doentes de Parkinson sofrem alteração da marcha pós a cirurgia de estimulação cerebral profunda, em que se implantam elétrodos no cérebro. Por isso, a médica está a avaliar o efeito desta intervenção em doentes do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. A neurologista está a , “tentar encontrar um novo paradigma de estimulação que consiga otimizar a marcha”. O objetivo é claro: contribuir para uma melhor qualidade de vida destes doentes, evitando, por exemplo, um possível risco acrescido de quedas devido à cirurgia. A cientista venceu o ano passado um dos Prémios Santa Casa Neurociências dos quais a VISÃO é parceira de média.
Como surgiu a ideia de avaliar o efeito da estimulação cerebral profunda na marcha dos doentes com Doença de Parkinson?
A doença de Parkinson é a segunda neurodegenerativa mais comum. Nas fases avançadas da doença a resposta à medicação oral é, muitas vezes, insuficiente. Por isso, os doentes podem ser submetidos à estimulação cerebral profunda para obterem um melhor controle dos seus sintomas e das complicações motoras. A maioria dos sintomas, como rigidez, lentidão e tremor, respondem muito bem à cirurgia. Mas, sabe-se que os sintomas axiais (marcha, equilíbrio) podem não apresentar uma melhoria tão significativa num subgrupo de doentes. E, em casos mais raros, pode até piorar.
Existe um maior risco de quedas nessas pessoas que sofrem alterações da marcha?
Sim, e, por consequência, uma diminuição importante da qualidade de vida destes doentes. Por isso, queremos compreender a fisiopatologia, além de identificar formas mais eficazes de avaliar e monitorizar as alterações da marcha. Também queremos otimizar a terapêutica nestes doentes.
“A doença de Parkinson é a segunda neurodegenerativa mais comum. Nas fases avançadas a resposta à medicação oral é, muitas vezes, insuficiente”
Como é que este projeto pode ajudar esses doentes?
Vamos perceber porque é que ocorrem essas alterações e encontrar um novo paradigma de estimulação que consiga otimizar a marcha. Vamos utilizar, para isso, os sensores inerciais que são pequenos sensores de movimento colocados no corpo do doente. Estes sensores permitem caraterizar a marcha de forma objectiva, com parâmetros biomecânicos e de cinemática. Assim, podemos desenvolver melhores estratégias de caracterização da marcha para depois ser mais fácil identificar as alterações. Por outro lado, a compreensão da biomecânica do movimento também pode ajudar a adotar estratégias mais eficazes na reabilitação nestes doentes.
Qual é o objetivo desta investigação?
O nosso projeto de investigação tem três grandes objetivos: o primeiro é perceber se existem preditores de alterações da marcha, após a cirurgia de estimulação cerebral profunda, que nos permitam selecionar melhor os doentes para a cirurgia. Depois, há um segundo objetivo: ensaiar novas estratégias de estimulação nos doentes submetidos a cirurgia e que desenvolvam problemas da marcha, de modo a tratar essa mesma alteração. Por último e utilizando novas técnicas de neuroimagem, vamos tentar perceber a fisiopatologia das alterações da marcha e de que forma a estimulação cerebral pode estar a modular circuitos e redes neuronais envolvidas neste movimento.
Quais são os doentes que participam no estudo?
Atualmente, estamos a incluir doentes que são seguidos em consulta de Doenças do Movimento do Hospital de Santa Maria e candidatos ou já sujeitos a cirurgia de estimulação cerebral profunda.
Como é que vai decorrer a avaliação do efeito nessa cirurgia ao cérebro?
“Vários estudos têm vindo a mostrar que está a aumentar a prevalência da doença”
Iremos seguir um grupo de doentes desde a fase pré-operatória até dois anos após a cirurgia, com o intuito de identificar possíveis alterações da marcha. Vamos tentar identificar factores pré-operatórios que possam estar associados ou predizer um risco acrescido do desenvolvimento desta perturbação da marcha. Para além da avaliação clínica, avaliaremos a marcha usando sensores inerciais. Assim, podemos caracterizar melhor o movimento e o comportamento motor humano. Vamos ainda comparar as avaliações pré-operatórias com as pós-operatórias para percebermos de que forma a cirurgia altera ou interfere com o esquema motor.
Quando é que os doentes vão poder beneficiar desta terapia?
Ainda não temos resultados finais do trabalho, porque ainda estamos na fase de recolha de dados e de avaliação de doentes. Mas esperamos obter resultados que nos ajudem a otimizar o tratamento de doentes com Doença de Parkinson que apresentem alterações da marcha após cirurgia de estimulação cerebral profunda.
Porquê estudar a doença de Parkinson?
A doença de Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais comum e afecta 1% da população com mais de 60 anos. Esta doença tem uma elevada prevalência e impacto social, condicionando a qualidade de vida destes doentes. Vários estudos têm vindo a mostrar que está a aumentar a prevalência da doença. Por isso, é importante tentar compreender melhor a fisiopatologia da doença e otimizar estratégias terapêuticas.
PRÉMIOS SANTA CASA NA ÁREA DAS NEUROCIÊNCIAS
Prémios Mantero Belard e Prémio Melo e Castro, ambos criados em 2013, com um prémio de 200 mil euros, e Prémio João Lobo Antunes, criado em 2017. Nas próximas semanas serão conhecidos os vencedores de 2020. Saiba mais aqui.