«‘Ti Moreira’, sabe onde estão os encaixes das prateleiras?», pergunta Cristina, uma olifradense de 31 anos que a semana passada se juntou à equipa de voluntários da Missão Esperança, dos Médicos do Mundo. A familiaridade explica-se pelo passado: «Fui criada ao redor dele.» Já Francisca Onofre, a lisboeta de 32 anos que coordena a equipa de voluntários da primeira missão humanitária organizada em Portugal (esta, a dos Médicos do Mundo) põe sr. antes do nome próprio quando se dirige a Joaquim Moreira, 72 anos. «Sr. Joaquim, na casa de banho está tudo a funcionar bem?»
Estamos em Remolha, Oliveira de Frades, em frente à casa de onde o sr. Joaquim teve de sair há cinco anos a pedido dos médicos, para ver se a saúde da sua «patroa» melhorava. Viveu aqui 30 anos, criou aqui os seus quatro filhos, agora espalhados por França, Alemanha e Aveiro – resta uma por perto, em Cercosa, que trabalha por turnos na fábrica de madeiras da Madifer.
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O sr. Joaquim com Francisca Onofre e outro voluntário dos Médicos do Mundo: já só falta pintar dois quartos da casa velha que agora se fez nova
Lucilia Monteiro
Quando a «patroa» morreu, há oito meses («gastei 30 mil euros, não havia hipótese»), Joaquim vivia na casa nova que apressou em ano e meio tentando salvar a saúde da mulher. Foi a essa que o diabo do lume (aqui ninguém fiz «fogo») chegou pela calada da noite. «Perdi tudo. A casa. Dois camiões que usava quando negociava com os aviários. Dois carros. O trator. As máquinas todas.»
A vida então andou para trás – como o caranguejo, dois passos atrás e um para a frente. A sua nova casa é a velha casa, graças à ajuda dos Médicos do Mundo. É aí que Francisca lhe pergunta se está tudo bem com a casa de banho.
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Na cozinha renovada do sr. Joaquim, Francisca esembrulha bens alimentares e chávenas de café enquanto dois outros voluntários os colocam no armário
Lucilia Monteiro
Dentro da velha casa do sr. Joaquim, que está a ser seguido por um médico e por um psiquiatra, uma equipa de seis voluntários dos Médicos do Mundo e dois técnicos da Câmara desembrulham o que lhe trouxeram hoje: um kit alimentar, outro de limpeza e um terceiro de higiene pessoal. A moradia já não parece a mesma desde que os voluntários apareceram ao sr. Joaquim, sinalizado pela «assistência social», explica ele, como uma das pessoas que precisava de ajuda. Já lhe pintaram parte da casa, já lhe puseram janelas novas (doadas por uma empresa da região), já lhe trouxeram um frigorífico (oferecido por uma empresa de Santa Maria da Feira), armário novo para a cozinha, pratos, talheres, utensílios, tachos, roupa, sapatos. Trouxeram-lhe mais do que isso, na verdade: trouxeram-lhe uma vida nova.
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O sr. Joaquim na loja da casa que lhe ardeu: só a camonieta, que quando trabalhva vendendo fita para os aviários (o pavimento do chão onde estão os pintos), custou-lhe 40 mil euros
Lucilia Monteiro
Esta noite, o sr. Joaquim já lá dormiu. Ele não se farta de agradecer, agradecer, agradecer. Parece nem notar a humidade e o frio que está dentro da moradia, apesar dos inacreditáveis 22 graus que estão cá fora, a 21 de novembro.
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