Na parte de trás do edifício há uma horta de onde saíram as ervilhas que vão ser hoje servidas ao almoço. Mas o que chama a atenção do repórter ocasional são estes cartazes, afixados sem complexo na fachada principal do Centro Social de Nossa Senhora da Graça, em Baleizão. O cartaz com a inscrição “Mês de luta pela construção dos quartos para internamento” está há dois anos ali afixado, o que significa que os últimos 24 meses foram todos de reivindicação.
Nem dá tempo de ir ver a estátua de Catarina Eufémia, aqui caída para sempre, em 1954, quando sucumbiu às balas do cabo Carrajola durante uma greve de assalariados rurais. Mariana Martins, 53 anos, a licenciada de Serviço Social que ocupa a direção técnica do centro tem a história na ponta da língua. “O centro foi feito para ter uma secção de internamento mas cortaram-nos todos os apoios financeiros”, diz.
Estava na mente de quem o concebeu há 10 anos, mas os 20 quartos para internamento de idosos nunca saíram da fase de projeto, que custou à associação 10 mil euros, ainda por pagar. Para o pôr de pé é necessário mais meio milhão de euros mas Câmara Muncipal de Beja e a Segurança Social não têm sido recetivas aos apelos. “Talvez porque o presidente da associação foi candidato pelo PSD”, sibila Mariana. “Eu também sou do PSD mas tenho de andar esconderijada”, diz Luísa Coxilha, 54 anos, a artesã funcionária do centro, que faz talegos, pregadeiras e bonecas de barro que são vendidos nas feiras.
No terreno nas traseiras do edifício, prometido para edificar os quartos, vicejam agora sob este inclemente sol de Abril as ditas ervilhas, parte das quais suam já na panela, batatas, cebolas, ervas aromáticas e favas. E três medronheiros, que Mariana e Luísa mostram como se fossem uma canção de intervenção a favor da causa delas. Na sala de estar, ampla e despida, uma dezena de idosos deambula sem fito ou queda-se sem propósito. Há um perfume a corpos mal lavados e um trânsito de pessoas amparadas pelos funcionários em direção à casa de banho e ao obrigatório banho diário.
Há hoje 38 utentes do centro, que de manhã são recolhidos por uma carrinha, alimentados e lavados durante o dia e à tarde devolvidos às modestas casas de um piso, caiadas e com faixas azuis em torno das janelas e soleiras. São sobretudo mulheres, a mais nova com 60 anos, a mais velha com 92 anos, quase todas analfabetas e antigas assalariadas rurais. Há duas cuja visão sucumbiu à diabetes, uma amputada. “Por vezes, quando os vamos buscar de manhã, encontramo-los no chão, frios, porque caíram da cama durante a noite”, conta Mariana. São mulheres vencidas amparadas pelas mulheres da luta.