O pacote “Mais Habitação” veio criar uma espécie de tsunami no setor do imobiliário, um impacto que se comprova no mais recente barómetro da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). Na sua 7ª edição, a mais concorrida de todas até agora com um recorde de 770 respostas, os proprietários mostraram “um gigante cartão vermelho ao Governo” com 85% a afirmar que a sua “confiança foi afetada pela apresentação e aprovação do pacote “Mais Habitação’”, aponta a ALP, em comunicado.
Uma quebra de confiança demonstrada também por atos – “20 em cada 100 proprietários que responderam ao Barómetro da ALP venderam os imóveis que tinham destinados para arrendamento e outros 20% dos proprietários inquiridos fizeram aumentos extraordinários de renda, com receio de ficarem posteriormente prejudicados pelas medidas de controlo de rendas anunciadas”, afirma a ALP.
Mais: os proprietários mobilizarem-se “na defesa dos seus interesses”, sublinha a associação, “consultando advogados e outros especialistas (31% dos respondentes), assinando petições (37,3% dos inquiridos), aderindo a grupos de discussão de redes sociais (29,5% das respostas), participando em manifestações (20% dos inquiridos) e aderindo a associações de defesa dos direitos dos proprietários (16% das respostas)”.
“Na ALP estamos muito preocupados. Lutamos há 135 anos por um mercado de arrendamento em Portugal e quando dois em cada dez proprietários inquiridos nesta edição do Barómetro ALP expressam que, apenas três meses desde o anúncio deste pacote de medidas “Mais Habitação”, venderam os imóveis que tinham colocados em arrendamento, este é um sinal de que o Governo agiu de forma absolutamente irresponsável com este pacote de medidas”, afirma Luís Menezes Leitão, presidente da ALP, que é também bastonário da Ordem dos Advogados.
Medidas como o “Arrendar para Subarrendar” são liminarmente rejeitadas com 96% dos proprietários a afirmar que não estão disponíveis para arrendar qualquer um dos seus imóveis ao Estado.
Mas não só. “A forma incendiária como o dossiê “Mais Habitação” foi gerido, de costas voltadas para todo o sector do Imobiliário, tem um prejuízo tão grande que são reduzidas a “cinzas” as medidas positivas que o pacote legislativo inclui, como os generosos benefícios fiscais concedidos”, sublinha a ALP, em comunicado.
Tal é percetível nas respostas dadas no âmbito dos incentivos previstos no pacote governamental. À questão se os senhorios ponderam vir a celebrar contratos de arrendamento de média ou longa duração (no mínimo cinco anos), para usufruir de um enquadramento fiscal de IRS mais favorável, 60,6% rejeitam essa possibilidade, alegando que “o Governo pode mudar as regras a qualquer momento”. Apenas uma fatia de 7,4% de respondentes responde afirmativamente.
Arrendamento coercivo: a maioria vai lutar em tribunal
Quanto ao Programa de Arrendamento Acessível (PAA), a ALP admite que se tornou “mais atrativo” mas mesmo assim é rejeitado por 80,6% dos proprietários inquiridos. Mais de um terço dos respondentes (34,6%) afirma que não colocará os seus imóveis no PAA porque “o PS muda as regras a qualquer instante, como se viu nas rendas congeladas”. Um quarto dos respondentes (26%) rejeita o programa de arrendamento acessível escolhendo a opção “o Estado não é pessoa de bem”. E um quinto (20%) não colocará os seus imóveis neste programa “pelo risco que este acarreta”.
“Os privados também não estão disponíveis para vender os seus imóveis ao Estado, mesmo que o Governo acene aos proprietários com isenção integral de tributação de mais-valias imobiliárias – praticamente 90% dos respondentes (87,2%) recusam alienar o seu património a favor do Estado”, aponta-se no Barómetro.
Segundo a ALP, “esta falta de vontade para fazer negócio com o Estado poderá estar na ameaça do arrendamento coercivo, declarada no discurso de António Costa na apresentação do pacote “Mais Habitação” no passado dia 16 de fevereiro”.
Nesse tópico, os proprietários de imóveis declaram sem hesitações e quase por unanimidade (92,7%), que se defenderão nos tribunais se qualquer autarquia ou o Estado, através do IHRU – Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, avançarem com a intenção de arrendar coercivamente um imóvel seu que se encontre devoluto ou desocupado.
“O Barómetro ALP indicia que os proprietários estão a dizer “Basta”. Não estão mais dispostos a ser os bodes expiatórios de uma crise que não causaram, quando são há décadas diabolizados em praça pública. Os proprietários não são vilões, não são especuladores. Di-lo-emos quantas vezes for preciso: a esmagadora maioria dos proprietários de imóveis são idosos, reformados, com rendas abaixo do mínimo de sobrevivência, patamar mínimo sobre o qual não deveria sequer incidir qualquer imposto”, reforça Luís Menezes Leitão, lamentando que se continue a “perseguir estas pessoas apenas por preconceito ideológico”.
A esperança no Presidente
A ALP faz questão de acrescentar que quase metade (46%) dos respondentes do VII Barómetro da ALP suportam ainda rendas “congeladas” – contratos de arrendamento vinculísticos, com pelo menos três décadas de vigência, anteriores a 1990.
Destes, mais de um terço (35%) tem neste momento contratos que há 11 anos se encontram no período de transição para o NRAU, processo que o Governo de António Costa pretende agora travar.
Cerca de 84% é proprietária de imóveis habitacionais colocados no mercado de arrendamento tradicional e a maioria (57,4%) aufere até três salários mínimos nacionais brutos (2115 euros).
Uma percentagem de 29% detém imóveis não habitacionais e um quarto da amostra (26%) é proprietária de imóveis explorados no Alojamento Local. Uma fatia de 12% é proprietária de imóveis rústicos, 9% tem imóveis no mercado de compra e venda e uma parcela de 7% explora os seus ativos imobiliários no mercado de arrendamento a estudantes.
A esmagadora maioria dos respondentes tem os seus imóveis localizados na Área Metropolitana de Lisboa (47%). O inquérito registou respostas de proprietários que têm imóveis localizados na zona Centro do país (13% das respostas), do Algarve (10%) e Porto (6%).
Quase metade dos inquiridos (46,5%) consideram que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa vai suscitar a inconstitucionalidade ou vetar algumas das disposições do pacote “Mais Habitação”.
Se o Presidente da República não o fizer, 58,8% dos proprietários de imóveis acreditam que a oposição o fará, enviando-o para fiscalização sucessiva junto do Tribunal Constitucional. O partido Iniciativa Liberal é apontado por 71,5% dos proprietários que participaram no estudo da ALP como o partido da oposição que fará esse movimento, à frente do PSD (com 63,4% das respostas).
A VISÃO contactou o Ministério da Habitação para uma reação à revolta dos proprietários mas a tutela preferiu não comentar.