Portugal é um dos países da Europa com maior número de horas solares (varia entre 2 200 e 3 000 horas anuais, em média) e também um dos mais pobres energeticamente falando – segundo dados da Eurostat, Portugal consta como o quinto país da União Europeia onde as pessoas têm menos condições económicas para manter as casas devidamente climatizadas. Piores só a Bulgária, Lituânia, Grécia e Chipre.
O problema começa logo de base – na construção. E se é certo que em hotéis, espaços comerciais e escritórios ou em edifícios residenciais novos ou recentemente reabilitados já existe o cuidado em seguir os preceitos de uma construção mais amiga do ambiente, a verdade é que o edificado em Portugal deixa muito a desejar em matéria de sustentabilidade e de conforto térmico.
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Para consolidar conceitos de sustentabilidade na construção e moldar as mentalidades de quem está na raíz da mudança, a Porto Business School resolveu desenvolver várias ações de formação junto de promotores, construtores, arquitetos e outros profissionais que podem fazer a diferença.
Assim, a ideia passa por desmistificar a questão da sustentabilidade no setor da construção, partilhar soluções e perceber como é que as empresas se podem (e devem) adaptar às mudanças exigidas pelo setor.
“Os promotores e os principais stakeholders do setor imobiliário começam a perceber que ter edifícios sustentáveis pode fazer aumentar o valor dos imóveis. Porém, em Portugal, o que temos é um conjunto de regulamentos e regras que visam dotar os edifícios de algum conforto térmico, alguma eficiência energética mas pouco mais… Estamos muito longe de atingir um nível de maturidade do setor imobiliário e da construção que esteja ajustado às exigências e metas que existem para cumprir nas próximas décadas”, alerta Bento Aires, diretor do Open Executive Programme Sustentabilidade no Imobiliário, ministrado no Porto Business School. A escola, recorde-se, foi a primeira universidade em Portugal e a segunda da Península Ibérica a atingir a certificação LEED (Leadership in Energy & Environmental Design) na categoria GOLD, concedida pelo USGBC (U. S. Green Building Council. Uma distinção que a coloca no patamar de um número restrito e prestigiado de escolas internacionais como Harvard, o MIT, Columbia e Stanford.
Para o responsável, não se pode cingir “a sustentabilidade construtiva a uma regulamentação de eficiência energética e à emissão de um certificado energético, é preciso ir ao pormenor da escolha de materiais e de optar por sistemas construtivos que reduzam as emissões de carbono e a sua pegada ecológica”.
A questão dos materiais de produção local é particularmente importante. “Ao procurarmos materiais que tenham produção local e que não venham do estrangeiro consegue-se reduzir a dependência de alguns mercados e aumentar assim a eficiência e a rapidez de produção”, sublinha o especialista. E dá exemplos: “Deixar de usar estruturas em betão e passar a usar estruturas de madeira, que é uma matéria que a natureza trata de regenerar, incorporar cada vez mais material reciclado ou resíduos dos materiais de construção, incorporar também mão-de-obra de classes mais desfavorecidas – e aqui entra a boa responsabilidade social – e sobretudo conseguir melhorar a cadeia económica e a viabilidade dos investimentos e das funções, é fundamental. Se não conseguirmos fazer isto de forma integrada, com apoio do Estado, com incentivos fiscais, não vamos conseguir resolver o problema”, realçou Bento Aires.
Em relação à madeira, por exemplo, deveria existir um maior aproveitamento dos recursos florestais do país, defende o especialista. “Acho que é o principal desafio. E quando falo de madeiras, falo de tudo o que vem do ecossistema florestal. Seja madeira, cortiça, etc. Temos hectares e hectares de área florestal que poderiam ser utilizados para benefício de uma construção mais sustentável, apostando numa economia circular do processo construtivo”.
Inflação e pobreza energética
Bento Aires defende ainda a importância de em cada reabilitação ou construção nova se aplicar a lógica do “ciclo de vida” do edifício. “Preocupa-me muito o facto de em Portugal não se ter conseguido ainda regulamentar com base numa análise de ciclo de vida do imóvel… Quando se toma a decisão de fazer um investimento imobiliário, seja a renovação de um edifício, seja a renovação de um apartamento, estamos a fazer uma intervenção que tem um período de vida acima de 10, 20, ou até 50 anos. Logo o custo de construção não pode ser isolado, não pode ser analisado por si só”, reforçou ainda o professor do Porto Business School.
E se para edifícios de escritórios ou de hotelaria já começam a surgir alguns (ainda assim poucos) bons exemplos ao nível de certificação ambiental de excelência, como os selos BREEAM, LEED ou outros, ao nível do edificado residencial acessível ao comum dos portugueses, ainda há um longo caminho a percorrer.
“As certificações BREEAM ou LEED estão vocacionadas para grandes edifícios de serviços mas o grosso do nosso edificado é a habitação. E a habitação diz respeito a mim, diz respeito a si, diz respeito a todos. A estratégia de longo prazo para a reabilitação do parque edificado que o Governo lançou diz que até 2050, quase todos os novos edifícios precisam de intervenção sobre o ponto de vista da eficiência energética, e isto é preocupante, pois significa que todas as famílias, todos os proprietários, serão obrigados a fazer intervenções para incorporar estes desafios da eficiência energética”, sublinha Bento Aires.
Um desafio que, aliás, já cruza com o tão propalado custo de energia, ainda mais agravado com a guerra na Ucrânia. “ Não tenho problema algum em dizer que se a energia continua a estes preços e se não se fizer nada, teremos de assumir que ainda mais gente irá morrer em Portugal no próximo Inverno”, sublinhou o responsável da Porto Business School.
Tal como o excesso de calor que agora se sente com consequências diretas no aumento da mortalidade por problemas cardiovasculares, também o frio e o défice de aquecimento em casa tem implicações na subida de número de casos de doenças respiratórias e pulmonares, com desfecho fatal.
“Portugal já era um dos países da Europa onde mais se morria de frio. Agora, uma família portuguesa tradicional tem de pensar que tem uma sobrecarga de mais 7 ou 8% de inflação, mais um aumento dos juros de crédito de habitação e ainda tem um aumento de 20 a 30% do custo de energia”, apontou ainda Bento Aires.
Apostar em “mais conhecimento e maturidade cultural” no que à sustentabilidade construtiva diz respeito junto de profissionais e famílias, vai permitir “prescrever as melhores medidas a serem implementadas, garantindo assim viabilidade económica, redução de custos futuros e aumento do conforto térmico”.
Até porque a sustentabilidade e a eficiência energética deveria ser um direito universal. “Não pode ser apenas para pessoas endinheiradas… Até porque 80% das pessoas que procuram casa no mercado imobiliário não são endinheiradas”.
O Programa Executivo Sustentabilidade no Imobiliário da Porto Business School irá realizar-se dentro de três meses, em outubro.