Uma intensa onda de reabilitação imobiliária envolveu as cidades de Lisboa e do Porto na última década, uma dinâmica que nem a pandemia travou. Ainda assim, e segundo o mais recente estudo da multinacional de imobiliário JLL Portugal – o “Living Destination” – “a oferta habitacional estagnou, apresentando um aumento residual de apenas 1%, de 5,88 para 5,96 milhões de casas entre 2011 e 2021”. Do lado da procura, porém, atingiam-se valores máximos e com um perfil de clientes mais diversificado do que nunca. “Se em 2012, a presença da procura estrangeira não chegava aos 5% dos fogos vendidos, em 2020 a JLL estima que esta quota tenha duplicado e esteja próxima dos 11%”, refere-se no estudo.
Tamanho desequilíbrio entre a oferta e procura fez crescer em 25%, nos últimos 10 anos, o valor médio dos imóveis transacionados. Até à pandemia. E agora? À VISÃO Imobiliário, Patrícia Barão, responsável pelo departamento residencial da JLL Portugal, antecipa o que vai acontecer agora no mercado residencial de Lisboa, o mais pressionado do país.

Referiu-me há pouco que o departamento residencial da JLL vai ter o melhor ano de sempre, apesar da pandemia. Como é que se justifica?
Justifica-se com a força do mercado doméstico e com o facto de o imobiliário ser um refúgio para as poupanças. Durante a pandemia, os portugueses conseguiram atingir um nível muito alto de poupança e sabem que o imobiliário é o local certo para colocarem o seu dinheiro uma vez que as rentabilidades são superiores às que a banca oferece. Eu diria que praticamente a única alternativa que os portugueses têm para colocar o seu dinheiro, com baixo risco.
A JLL sempre teve um significativo número de clientes estrangeiros. Eles desapareceram com a pandemia?
Nós passámos de 60% de clientes internacionais e 40% nacionais, para o inverso – 60% nacionais e 40% internacionais. Eles estiveram arredados mas assim que o mercado começou a abrir, após o confinamento, sentimos logo um boom de estrangeiros a vir para Portugal e mais ativos do que nunca. Eles quando chegam cá, já estão com a decisão tomada de comprar casa. Temos muitos clientes que antes da pandemia já andavam a pensar adquirir o imóvel e que aceleraram a sua compra. Tem um peso grande saber que é possível trabalhar em qualquer parte do mundo – basta haver uma boa ligação à Internet. Por isso, o “mindset” destes clientes é – “porque não trabalhar a partir de Lisboa ou no Algarve e continuar na minha empresa em Londres, nos Estados Unidos, no Brasil ou em França?”
O perfil manteve-se ou há novidades?
Sim. Mantivemos os brasileiros, franceses, ingleses e cada vez mais americanos. Temos meses em que os americanos estão em terceiro lugar entre os melhores clientes depois dos portugueses e brasileiros. Isto nunca tinha acontecido antes.
E ainda muito concentrados na Comporta ou mais dispersos?
Lisboa, Cascais, Comporta e Porto! A quantidade de apartamentos que temos vendido aos americanos no Porto, é incrível. E Cascais, que foi uma autêntica revelação em 2021. Aliás, neste momento temos um problema grave de falta de produto em Cascais e Estoril porque a procura está muito, muito, forte.
Isso significa que o regresso em força dos estrangeiros vai manter a pressão no preço das casas em zonas de maior procura?
Efetivamente, e de uma forma geral, a pandemia não alterou os preços do imobiliário. Existem algumas localizações onde existiu um decréscimo dos valores, mas de uma forma geral, os últimos números divulgados em relação ao mercado apontam para um aumento dos preços na ordem dos 8%. O que eu acho é que vai depender muito das localizações. Algumas localizações vão estabilizar e noutras continuará a haver alguns ajustes em alta dos preços, mas acredito que serão aumentos muito residuais. Não chegarão aos dois dígitos. Até porque o mercado está atento. Basta olhar para a Avenida da Liberdade. Em 2018 e 2019 tudo que se colocava à venda era rapidamente absorvido. Até nós, ficávamos surpreendidos. Agora não. Há projetos na avenida que não se vendem. O mercado sabe até onde pode pagar.
O vosso estudo destaca Marvila como uma das zonas emergentes em Lisboa – e cujos preços andarão em um terço dos praticados no Chiado ou na Avenida da Liberdade (preço médio de venda de 229 mil euros em Marvila vs 643 mil na Avenida da Liberdade, dados da Confidencial Imobiliário, citados no estudo). Mas tem surgido oferta nestas zonas? Poderá vir a ser uma zona mais acessível aos nacionais?
Em Marvila temos de fazer uma distinção: os projetos com uma relação mais direta com o rio, como é o caso do Braço de Prata, onde os valores andam na ordem dos 6.000€/m2 e aqueles que ficam mais para dentro, mais para o interior, para um público mais alternativo, onde os preços variam entre os 4000€ e os 4500€/m2. Há neste momento vários projetos, muito interessantes, que estão em licenciamento. E a situação vai repetir-se em Marvila como em outras zonas de Lisboa que há sete ou oito anos estavam bastante diferentes do que estão hoje. Também nesta zona, temos bairros típicos de Lisboa, com muitos prédios devolutos mas daqui a cinco ou seis anos teremos um edificado completamente requalificado. Há toda uma dinâmica, seja junto ao rio, seja no interior, que vai acontecer e se vai notar em breve.
Quantas casas estão em pipeline nesta zona?
Só aquelas que pertencem a projetos desenvolvidos por promotores que a JLL está a acompanhar serão à volta de 300 apartamentos.
Oeiras merece também um destaque especial no vosso estudo como um dos locais na Área Metropolitana de Lisboa que mais cresce em termos imobiliários e com uma procura que também já chegou aos estrangeiros. Aqui, o o valor médio por fogo ascende a 279 mil.
Sim, é um destino que está a atrair cada vez mais clientes internacionais. Os brasileiros, por exemplo, estão a aderir muito a Oeiras. É uma localização a meio termo entre Lisboa e Cascais, tem escolas internacionais (de que é exemplo a International School de Oeiras), a proximidade a Carcavelos, tem praia, infraestruturas espetaculares, hospitais privados, o Oeiras Parque, os jardins do Parque dos Poetas… Oeiras tem uma boa vibe e tem condições para projetos com alguma escala.
Que já estão em curso?
Sim, que já estão em curso e em fase de licenciamento. Projetos com escala de 100 apartamentos, 150… Acompanhamos promotores que largaram Lisboa e estão muito focados em Oeiras. Dentro de quatro a cinco anos irão surgir mais de mil unidades em toda aquela zona entre Oeiras, Cruz Quebrada, Paço de Arcos…
Quanto ao mercado de arrendamento, o vosso estudo aponta para descidas significativas das rendas, em várias zonas, durante a pandemia. Por exemplo, no Chiado a renda média passou de 2.190€ no pré-pandemia para 1.320€ no segundo trimestre de 2021. Ou no Parque das Nações de 2.100€ para 1.230€. Os valores ainda se mantém?
Devido à situação pandémica aconteceu uma mudança de paradigma nas casas que estavam em arrendamento de curta duração. Passou a existir uma oferta grande das tipologias mais pequenas e isso reflete-se no valor das rendas. Agora, os apartamentos para arrendar com características diferenciadas, ou seja, com área exterior, com elevador, com estacionamento, têm muita procura e são rapidamente absorvidas porque há uma enorme lacuna no mercado para este tipo de imóveis. O mercado de arrendamento das outras casas, as mais massificadas, passou por um momento complicado mas isso tudo vai regularizar. Vamos certamente voltar à dinâmica, ao aumento do turismo e essas casas vão voltar à sua atividade turística. Ainda esta semana falava com um investidor nosso que tem doze casas em alojamento turístico e que dizia que já estava com uma ótima taxa de ocupação até ao Verão! Este mesmo investidor, na altura do confinamento, tinha todas as reservas canceladas. A atividade está a retomar.
Houve, porém, um bairro, que mesmo com os confinamentos, manteve sempre em alta o interesse – o Bairro de Alvalade. Aqui as rendas passaram de 2.000€ mensais em 2019 para 2.700€ em 2021.
Alvalade é um bairro muito típico, muito procurado por famílias de classe média-alta. E quem lá está, não quer sair. As suas vidas estão ali naquele bairro. Crescem, casam, quando nasce um filho e querem passar por uma habitação maior, é lá que querem permanecer. Quando aparecem ali projetos novos – a média situa-se nos 5500€/m2 – tudo desaparece num instante. E no arrendamento a situação repete-se. É um fenómeno!