Estão localizados no centro de Lisboa, em zonas tão nobres como a Avenida da República, na Visconde Valmor ou Campo Grande, foram recentemente remodelados e as rendas destes apartamentos não vão além dos 300 euros para um T1 ou de cerca de 400 para os T2. Autênticas pechinchas quando se percebe, numa pesquisa rápida aos portais de arrendamento, que imóveis similares atingem rapidamente o triplo desses valores.
Muito disputados, estes são os primeiros 118 apartamentos de um total de 252 que fazem parte do projeto de reconversão de 11 edifícios da Segurança Social adquiridos há três anos pela autarquia de Lisboa para os canalizar para o arrendamento acessível. Aqui, o valor da renda a pagar nunca pode ultrapassar 30% do rendimento disponível de cada agregado. Há cerca de um mês foram entregues as chaves da primeira tranche que atraiu mais de 5.700 candidatos, um número que expressa bem a necessidade de casas a preços para a classe média.
Um problema que apesar de ser mais evidente em Lisboa e no Porto se replica um pouco por todo o país, comprovando a incipiência do mercado de arrendamento e empurrando os portugueses para a condição de proprietários, muitas vezes precários, sem condições para efetivamente assumirem empréstimos à habitação junto da banca.
Para Paula Marques, vereadora com o pelouro da Habitação e Desenvolvimento Local da câmara municipal de Lisboa, os cerca de 60 milhões de euros (com a comparticipação de 15 milhões através do programa 1º Direito) aplicados pela autarquia na aquisição e reconversão dos edifícios da Segurança Social não poderiam ter sido melhor empregues. “Cada cêntimo gasto em habitação pública de qualidade, duradoura, dispersa na cidade para que tenhamos efetivamente um tecido social não polarizado, para mim, é ganho e ganho do interesse público. Do ponto de vista do futuro da cidade interessa-nos ter habitação acessível em Campolide, Belém, Parque das Nações, Restelo, Avenidas Novas…”, sublinhou a vereadora, realçando a importância de a autarquia ter conseguido manter para uso público estes prédios que em tempos foram utilizados para os serviços administrativos da instituição estatal.
Com um parque habitacional de 26 mil casas para famílias muito carenciadas, a autarquia alargou assim também a sua estratégia de habitação a uma classe média que se viu subitamente restringida à oferta de casas para arrendar no mercado à medida que estas eram canalizadas para o negócio mais lucrativo do alojamento local.
Uma estratégia que abarca a promoção de edifícios através de fundos municipais ou em parcerias com promotores privados (o PRA – Programa Renda Acessível) ou através do Programa Renda Segura, que assenta na captação de interesse dos senhorios que em troca de benefícios fiscais e garantias de segurança, arrendam as suas casas à autarquia (e que, por sua vez, as subarrenda a preços acessíveis).
Na vertente promoção, os projetos seguem a bom ritmo, garante Paula Marques. “Esta semana entregámos as chaves e assinámos os contratos do primeiro lote. O próximo concurso de arrendamento acessível terá 95 casas (também destas 252) e o remanescente do projeto dos edifícios da Segurança Social será lançado até ao final do ano. Deste conjunto, o que está em fase de início de obra são as 350 camas da residência de estudantes na Avenida Manuel da Maia, na Alameda”, resume a responsável.
Também muito centrais e suscetíveis de estimularem uma grande avalanche de candidaturas, os primeiros apartamentos da chamada Operação Integrada de Entrecampos estão já em fase de acabamentos. Serão 120 habitações, correspondentes ao primeiro dos quatro lotes que serão construídos de raiz na Avenida das Forças Armadas. Esta primeira fase, de um total de 476 casas, vai estar concluída agora em julho e as rendas não poderão ultrapassar 30% do rendimento líquido das famílias, com os valores a fixarem-se entre os 150 euros no caso de um T0 e os 800 euros no caso de um T5.
Para além destes projetos, e igualmente no âmbito do arrendamento acessível, a autarquia tem mais de 2.000 habitações “em fases diversas de construção na freguesia de Marvila”, diz Paula Marques, acrescentando que há mais três processos em discussão pública, onde se inclui o do Alto do Restelo onde se propõe a construção de 629 habitações para arrendar à classe média.
Já no programa Renda Segura que prevê o arrendamento via autarquia, por cinco anos, de casas que pertencem a proprietários privados (e que recebem benefícios fiscais e garantia de bom uso dos seus imóveis), a atividade não está a ser tão dinâmica.
“Estamos a falar de fogos, ou conjunto de fogos, que estejam já em condições de habitação ou que precisem de poucas intervenção. Esta é uma linha de promoção de habitação que mais rapidamente põe casas à disposição de famílias mas não estamos a ter a adesão que gostaríamos de ter. Muitos proprietários acham que cinco anos é muito tempo porém seria uma incoerência se não o fizéssemos dessa forma”, especifica ainda a vereadora da Habitação de Lisboa. Neste momento a autarquia tem 176 imóveis neste programa.
Porto com Sentido
Na Invicta, a estratégia de habitação para a classe média também assenta em várias frentes, porque, sublinha Pedro Baganha, vereador do Urbanismo, Espaço Público e Património da Câmara Municipal do Porto, “o que se está a fazer é criar um mercado que era inexistente até há pouco tempo – o do arrendamento com rendas abaixo do valor do mercado”.
Através de promoção de edifícios assegurados pela própria autarquia, de parcerias com promotores a quem é concedido terreno em troca de parte das casas construídas ou de campanhas que assentam na concessão de garantias e benefícios fiscais a proprietários privados que cedam os seus imóveis para arrendamento gerido, a autarquia tem atualmente em gestão de projetos mais de mil casas.
A finalizar este mês está o concurso que vai decidir quem é o promotor que irá ficar com o projeto do Monte da Bela, na freguesia da Campanhã, com uma área de 25.000 m2. O projeto de urbanização de 232 fogos nos terrenos do antigo Bairro de São Vicente de Paulo prevê a contratação de privados para execução da empreitada, e a cedência, por parte da Câmara Municipal do Porto, de metade da área construtiva do terreno e de quatro lotes do Plano de Pormenor das Antas. No mínimo metade das 236 casas terá como destino o mercado de arrendamento acessível gerido pelo município.
“Vai ganhar o promotor que oferecer mais fogos, com um mínimo de 118 habitações. O promotor terá como obrigação urbanizar o terreno – portanto construir também os arruamentos – , edificar os fogos e entregar a parte correspondente ao município e prontos a habitar. Em troca destes fogos, o promotor ganha terreno com capacidade construtiva onde poderá construir mais habitação acessível ou não, isso já dependerá da sua estratégia”, explica o vereador, acrescentando que o projeto deverá estar concluído em 2023.
Mais dois projetos de promoção de raíz e com escala, estão também em curso, ainda que numa fase mais atrasada. O projeto que prevê a construção de 300 novos fogos também para a classe média, distribuídos por cinco edifícios inseridos numa área de 9 hectares e que irá passar por uma extensa intervenção de regeneração urbana. “Tem um investimento estimado de 44 milhões de euros e terá a promoção assegurada pela autarquia”, detalha Pedro Baganha, referindo que já terminou o concurso de arquitetura e que foram escolhidas as três equipas que irão conceber os cinco edifícios. Ainda no âmbito da construção de raiz está também a avançar o projeto do antigo Quartel de Monte Pedral, na Cedofeita e que contempla uma residência de estudantes com 120 camas, dois edifícios de escritórios e mais 330 fogos para habitação. Para este ainda está a ser definida a forma de produção e poderá assentar na parceria com privados ou avançar integralmente por conta da autarquia.
Paralelamente a estes projetos, a autarquia avançou com a iniciativa Porto com Sentido, programa similar ao Renda Segura da autarquia lisboeta. Lançado em plena pandemia, há menos de um ano, arrendou até agora 45 casas, uma média de cerca de uma por semana, servindo o município de intermediário entre o proprietário e o arrendatário. A estes 45 imóveis já colocados, somam-se mais 78 candidaturas entregues por parte dos proprietários, das quais 53 já validadas e 29 entretanto já aprovadas. “Esta iniciativa está sempre em aberto e tem a vantagem de permitir de intervencionar já, tendo em conta que o ciclo de produção demora no mínimo entre quatro a cinco anos”, sublinha o vereador que preside também ao conselho de Administração da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) do Porto. A expetativa é que até ao final do ano, no âmbito do Porto com Sentido, sejam arrendados entre 150 a 200 apartamentos. A renda média de todos os contratos já celebrados é de cerca de 490 euros, com os valores mínimos a situarem-se entre os 245 euros (T0) e um valor máximo de 760 euros (T3).
Habitação para os jovens
Paredes-meias com o Porto, mais especificamente na câmara municipal de Matosinhos, estabelecem-se também parcerias para fazer face às necessidades da classe média, principalmente dos mais jovens.
A autarquia, presidida por Luísa Salgueiro, esteve entre as primeiras no país a lançar os alicerces que permitem estabelecer acordos com os promotores privados e já em 2019 aprovava essa busca de soluções em assembleia municipal na sua Estratégia Local de Habitação.
O desafio passa por garantir 500 contratos de arrendamento acessível até 2025. Para tal , a autarquia apostou no envolvimento dos promotores imobiliários que construirão lotes exclusivos para arrendamento acessível e neste momento já tem projetos concretos, contando estabelecer contratos-promessa dentro em breve com o grupo Nexity que irá assegurar cerca de 100 habitações (em Leça da Palmeira) e o grupo Ferreira com mais 130 casas (em S. Mamede Infesta).
A primeira abordagem do município passou por tentar atrair proprietários privados para o programa da renda segura com contratos entre três a cinco anos. “Embora o valor da renda seja um pouco mais baixo daquilo que é praticado no mercado oferecemos outros atrativos aos senhorios como a segurança de estabelecer contratos com uma entidade como o município e que lhes garantirá o cumprimento escrupuloso dos mesmos. E, claro, oferecemos benefícios fiscais. Se os proprietários aceitarem contratos até aos cinco anos terão, por exemplo, isenção do IMI”, explica Tiago Maia, administrador-executivo do Matosinhos Habit, empresa municipal de Habitação de Matosinhos.
Esta foi uma primeira visão da Câmara Municipal do programa Matosinhos Casa Acessível. Mas, diz o responsável, rapidamente a autarquia percebeu que mais facilmente a iniciativa poderia ganhar escala enveredando pela via da promoção. “Assim que começou a divulgação da iniciativa percebemos que havia aqui outra possibilidade e que era trabalhar com os promotores imobiliários. Recebemos vários pedidos de promotores que tentaram perceber de que forma poderiam integrar este programa municipal e isto levou-nos a fazer um aditamento ao regulamento de forma a que eles possam fazer habitação para arrendamento acessível”, detalha o responsável.
Casas de arrendamento acessível em Matosinhos
Neste momento, o projeto de Leça da Palmeira, numa zona nobre da localidade, é o mais avançado e as 100 unidades serão distribuídas por tipologias do T0 ao T2. Aqui, um T0 tem o valor máximo de 329 euros, por exemplo.
“Mas temos mais propostas em estudo e terão sempre uma escala acima de 50 casas e até 120. Se nós conseguirmos ter três promotores imobiliários a dar a garantia da construção de arrendamento acessível já ficaremos muito próximo do nosso objetivo”, diz, confiante, Tiago Maia.
Arrendar só a turistas
A sul, mais uma variante. Na autarquia de Portimão, foi recentemente lançado o concurso público internacional para a conceção e execução de 270 habitações a custos controlados na zona de Vale de Lagar, uma iniciativa no âmbito da Estratégia Local de Habitação 2020-2030. O município cede o terreno e o promotor que vencer o concurso compromete-se a construir as casas a valores acessíveis à classe média, cedendo ainda 10% do que construir para arrendamento acessível gerido pela autarquia.
Serão construídos 13 lotes com diferentes tipologias numa zona nobre e onde na atual oferta, a preços de mercado, um apartamento de tipologia T2, por exemplo, excede facilmente os 200 mil euros. Aqui, com o compromisso de custos controlados, a mesma tipologia deverá cair para cerca de metade do valor, exemplifica a presidente da autarquia, Isilda Gomes.
Esta foi a forma que o executivo arranjou para esbater um problema antigo de falta de habitação a valores mais acessíveis, numa região onde o turismo fala mais alto.
“Há muita dificuldade em fixar aqui quadros médios porque o mercado de arrendamento é extremamente caro e não surge também produto no mercado de venda. É um problema crónico, ele repete-se todos os anos com os professores ou outros quadros médios e superiores que não estão dispostos a gastar metade do que recebem de ordenado para arrendar uma casa”, aponta a presidente da autarquia.
Com a pandemia, esperou-se que houvesse a transição de parte das unidades que estão alocadas ao alojamento local mas isso não aconteceu. “Não há disponibilidade dessas casas o ano inteiro, só no Inverno. Está toda a gente à espera da retoma e ninguém quer hipotecar o alojamento local fazendo um arrendamento anual. E a verdade é que os proprietários ganham mais com essas casas durante o Verão do que ganhariam o ano inteiro e sem sofrer desgaste nos imóveis”, admite a autarca.
Com o concurso do Vale do Lagar lançado no mês passado, esperam-se agora novidades nos próximos 60 dias. “Muitos empresários já mostraram interesse em se candidatar a ficar com o projeto. 10% dos fogos, no mínimo, serão para a autarquia que depois fará o arrendamento acessível, provavelmente a casais jovens pois são que são aqueles com mais dificuldade em comprar casa. E nós sentimos mesmo necessidade de fixar jovens no nosso município”, realçou Isilda Gomes, reforçando que “ganhará o promotor que oferecer mais casas ao município”. Contributos de quatro municípios para um mercado que está ainda bem longe de colmatar as necessidades de quem não quer ou não tem capacidade para adquirir habitação própria.