A pandemia criou novas necessidades habitacionais e, de certa forma, obrigou as pessoas a (re)conectarem-se com a natureza. Um movimento que está a estimular uma inesperada procura por casas em zonas que permitem assegurar uma espécie de “dois-em-um” onde se pode não só estar em lazer mas a “teletrabalhar” em grande estilo.
Uma dinâmica que está a surpreender até os operadores de mercado. A Vanguard Peoperties, o maior promotor imobiliário privado do país, estatuto que conquistou em apenas cinco anos e assente numa carteira onde se incluem, entre outros, o projeto da Herdade da Comporta (a antiga joia da coroa dos Espírito Santo) e o edifício Castilho 203, que integra o apartamento mais caro de Portugal (acima de 7 milhões e adquirido por Cristiano Ronaldo), conseguiu vender no último ano todas as quintas de luxo do projeto Muda Reserve, que está a avançar na aldeia da Muda, na Comporta.
Um “teste” que comprova a atratividade desta zona do concelho de Grândola e que “influencers” tão mediáticos como Madonna, Christian Louboutin ou Shakira ajudaram a ampliar a um nível mundial.
As 40 quintas de luxo, integradas em lotes de cinco hectares, fazem parte da primeira fase deste refúgio, a apenas uma hora da capital, rodeado de verde e mais de 60 quilómetros de praias. O projeto estende-se por uma área de 350 hectares e recria o conceito de uma aldeia mas em grande estilo, composta por casas, villas e quintas com jardins, hortas e pomares.
“A Muda avança atualmente em duas frentes – as quintas que foram colocadas praticamente todas junto de uma clientela nacional e internacional e a infraestrutura da aldeia, que no fundo é a expansão da atual aldeia da Muda, onde serão construídas cerca de 175 moradias e cujas infraestruturas estamos agora a terminar”, explica à Visão José Cardoso Botelho, diretor-executivo da Vanguard e braço-direito de Claude Berda, o multimilionário francês que fundou a empresa.
As casas da “aldeia” só arrancam para comercialização pouco antes do Verão mas o interesse demonstrado pelas quintas foi significativo, estimulado até pela pandemia.
“Existe uma procura muito grande e diversificada, neste momento, por este tipo de produto. Temos pessoas de todo o mundo mas uma boa parte veio dos Estados Unidos e do México. Mas são os portugueses que estão em maioria entre os compradores”, reforçou ainda Cardoso Botelho, especificando que foram vendidas 10 quintas a clientes nacionais, a preços até aos quatro milhões (incluindo o terreno). “E mais quintas tivéssemos, mais venderíamos”, afirma, convicto.
Luís Lima, que presidiu à APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal) até ao final da semana passada, lembra que “todo o país tem um potencial enorme para o investimento imobiliário” e por isso não duvida que os estrangeiros que querem cá viver, “irão regressar em força nos próximos tempos” tal como os turistas.
“Ninguém quer ir para fora da Europa, as pessoas têm medo, e acredito que muitos europeus virão para cá, pois querem destinos de Sol”, diz o responsável, acrescentando que mesmo a “opção por férias em certos destinos paradisíacos que são concorrentes habituais de Portugal mas que só irão ter a vacina lá para 2022 ou 2023 é só mesmo para os corajosos”.
Luís Lima realça ainda que as restrições impostas pela pandemia e os sucessivos confinamentos acabaram por criar para alguns a possibilidade de amealhar um valor-extra que teria sido gasto em viagens, lazer ou outros bens, criando uma oportunidade de investimento. “E muitos destes que conseguiram poupar vão começar a investir em imobiliário quando tudo isto acalmar e quando se voltar a perceber que há mais vida para além do Covid”, remata, alertando, contudo, que tudo dependerá da boa gestão da questão das moratórias e da forma como decorrerá a recuperação económica do país.
Interior do Algarve em alta
Reinaldo Teixeira, presidente do grupo Garvetur, uma das empresas imobiliárias com maior expressão no Algarve, com oito agências nas principais localidades da região e mais de 9.000 imóveis em carteira, confirma essa tendência que, aliás, já começa a delinear-se.
“A pandemia levou as pessoas a valorizarem as suas segundas habitações e que para muitas se tornaram em primeiras residências. São portugueses, estrangeiros e portugueses residentes no estrangeiro e que puderam vir para cá em teletrabalho. Essa experiência levou também a que muitos percebessem que precisavam de casas maiores e por isso temos muitos clientes que tinham apartamentos T1 e estão a passar para T2”, diz o responsável da Garvetur à Visão Imobiliário, realçando que entre as mais-valias referenciadas estão a “qualidade de vida, a baixa densidade populacional e o baixo número de infectados com Covid na região algarvia”.
Outro movimento originado pela pandemia é o inesperado interesse por ruínas vendidas a bom preço, “que as pessoas reabilitam, conseguindo em alguns casos recuperar a traça típica das casas da região”, bem como a procura por zonas de um outro Algarve, o Barrocal. “As pessoas estão a comprar casas rústicas, em zonas de interior, com mais natureza mas a menos de 20 km do litoral”, diz o CEO da Garvetur, dando como exemplos, Monchique, Alcoutim, Querença ou Boliqueime.
Seja no Litoral ou no Interior, e para segunda ou primeira habitação, a procura elevada associada a um défice na oferta de imóveis para vender, ainda resultante da crise anterior que fez descer a pique os projetos de construção nova, tem tido um impacto controlador nos preços, garante o responsável. “Os preços não só não baixaram como até aumentam em certos projetos”, aponta Reinaldo Teixeira, dando como exemplo o empreendimento Dom Pedro Residence, em Vilamoura.
Empreendimento Dom Pedro Residence, em Vilamoura
“Aqui, por cada cinco vendas tem-se registado um aumento de preço. O empreendimento tem 83 apartamentos e já temos 33 vendidos, ou seja, cerca de 40%, o que quer dizer que já houve várias atualizações”, sublinha ainda. Também aqui há uma clientela multicultural mas os portugueses representam a maioria dos compradores.
No Ombria Resort, localizado precisamente no Barrocal Algarvio, perto de Querença, Loulé, também se ajustaram os preços para cima e já por duas vezes desde que se começou a comercializar este empreendimento idealizado pelo empresário finlandês Ilpo Kokkila, fundador do Grupo Pontos.
Na sua primeira fase, o resort vai acolher 65 apartamentos (de tipologias T1 e T2) que estão a ser construídos e começaram a ser vendidos no ano passado, em plena pandemia. “São segundas ou terceiras habitações para os nossos clientes que estão habituados a comprar em planta pelo que a pandemia não representou uma dificuldade”, conta Julio Delgado, administrador do Ombria Resort.
Das 65 unidades, cerca de 45% já foram integralmente pagas ou sinalizadas. “Se tivermos em conta que isto aconteceu durante a pandemia só podemos ter motivos para estar comtentes”, diz, entusiasmado, Julio Delgado, acrescentando que “as casas já sofreram incrementos no preços”, o primeiro de 5% e agora a partir de março, mais 6%, em média, variando, contudo, consoante as tipologias e as localizações.
Aqui, onde as casas variam entre os 350 mil e os 800 mil euros, apenas um dos clientes é português. “No top 3 das nacionalidades que mais nos compram estão os holandeses, os britânicos e o mercado escandinavo”, acrescenta ainda, referindo que o conceito sustentável do resort, muito orientado para a natureza (a densidade construtiva é de 3,5% para 153 hectares) tem sido o melhor argumento de vendas em momentos de confinamento.
A vida é demasiado curta
Em Almancil, no Vale do Lobo, um dos resorts mais antigos do país, com cerca de 60 anos de existência e mais de 1.500 propriedades construídas e vendidas, a lógica é a mesma.
“Eu diria que a pandemia, sobretudo nos nossos clientes habituais, cristalizou a ideia de que realmente vale a pena ter uma propriedade única numa localização idílica. Não é tanto que as pessoas tenham precisado de se refugiar de repente nessa localização – porque muitos dos negócios foram concretizados e as pessoas ainda não usaram intensamente as propriedades adquiridas – mas é mais a perceção de que ter uma casa em Vale de Lobo se tornou mais interessante, não só porque as pessoas querem, de facto, viver mais plenamente a vida, como porque há aqui um elemento de refúgio e de teletrabalho que pode ser mais utilizado e é possível fazê-lo”, sintetiza Pedro Reimão, administrador executivo de Vale do Lobo Resort.
Uma constatação que se refletiu no rápido escoamento de habitações que existiam em venda, apesar de todas as restrições impostas pela doença. “O que aconteceu durante o último ano foi o fecho definitivo de negócios que em alguns casos já andavam a ser discutidos há algum tempo, portanto houve condições para se criar um estímulo adicional”, diz o administrador, dando como exemplo uma casa que foi vendida por um valor superior a 10 milhões pertencente a um dos muitos proprietários do resort.
A empresa gestora do Vale do Lobo lançou também para a comercialização seis novas moradias, com um valor médio de um milhão de euros, cada. “Foram vendidas num instante e já temos mais cinco para uma segunda fase que aguardam as devidas aprovações para avançar para obra. Uma boa parte dos compradores do ano passado ainda nem sequer estão a usar as casas [por vários motivos], mas todos eles partilham a noção de que realmente a vida é demasiado curta para não a aproveitarmos na sua plenitude”, concluiu ainda o administrador deste resort onde os britânicos têm um peso de 60% entre os proprietários.
Este despertar para a vida há muito que é percecionado pelos nómadas digitais, boa parte da clientela da Athena Advisers, empresa fundada pelo francês Roman Carel e que se especializou no mercado de chalets de luxo nos Alpes franceses. Em Portugal há cinco anos, só agora a empresa começou a dar-se a conhecer aos portugueses tendo as suas vendas em localizações emblemáticas como os Açores ou a Comporta sido totalmente absorvida pelos clientes estrangeiros.
Com o lema “work from home and surf from the office”, a empresa tem tirado partido da pandemia e da possibilidade do trabalho remoto, como sublinhou à Visão David Moura-George, Diretor da Athena Advisers para Portugal & Espanha.
“Esta tendência veio para ficar porque ficámos todos a perceber que conseguimos produzir a partir de casa e já não há a necessidade de ir ao escritório diariamente. E neste momento temos clientes que nos compraram na Comporta ou nos Açores precisamente para passarem duas ou três semanas em Portugal e o resto do tempo nos seus países”, conta David Moura-George, adiantando que muitos dos clientes da Athena em Portugal são jovens sem filhos (muitos deles ligados a tecnológicas) ou pessoas seniores ou cujos filhos já saíram de casa, o que facilita à mobilidade.
“Ate há bem pouco tempo a prioridade era a proximidade ao centro da cidade e levar uma vida cosmopolita. Agora as prioridades passaram a estar centradas em encontrar uma localização simpática que tenha praia ou outra ligação forte à natureza”, reforça ainda o responsável.