Marina Gonçalves tem 32 anos, é licenciada em Direito (pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto) e há pouco mais de três meses, em plena pandemia, assumiu funções de secretária de Estado da Habitação, sucedendo a Ana Pinho. Com uma das pastas mais complexas de gerir no atual momento, a nova secretária de Estado assume nesta entrevista “o princípio-base de garantir o Direito à Habitação, seja na lógica da propriedade, seja na lógica do arrendamento” a todos os portugueses.
Tomou posse em setembro do ano passado em plena pandemia e herdou uma pasta complicada, que será ainda mais complexa com o agravamento da recessão económica. Suponho que este seja o desafio mais difícil da sua vida profissional…
Sim. Foi um privilégio ter sido convidada para estar numa pasta como esta mas mais do que um privilégio, é uma responsabilidade. Para mim foi um gosto assumir este desafio e não podia estar mais realizada naquilo que estou a fazer com a preocupação de que os tempos que correm não são os melhores e os que vem aí serão de uma enorme complexidade mas temos de assumir essa responsabilidade para tentar encontrar o máximo de respostas de apoio imediato às famílias. E temos trabalhado muito em função do momento e das necessidades criando instrumentos de apoio. Por exemplo, começámos com empréstimos às famílias para pagamento das rendas habitacionais (solicitadas ao IHRU – Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana) previstas inicialmente para três meses, depois prolongadas para seis e mais tarde para nove meses e agora já se estendem até 1 de julho onde iremos converter os empréstimos em subsídios porque percebemos que as famílias não iriam conseguir pagar esses valores. Por isso assumimos essa responsabilidade, é nosso dever ajudar o máximo que for possível. Por isso, sim, é um gosto poder ajudar e assumir o meu grãozinho de areia na promoção das políticas públicas de habitação.
Referiu a questão da reconversão dos empréstimos pedidos pelas famílias para pagamento das rendas em subsídios a fundo perdido. Como se vai processar?
Na essência, o modelo assenta no seguinte: as taxas de esforço que se aproximem a 100% – e muitas famílias possuem taxas de esforço acima dos 100% – e há muitas famílias nessas situações – irão ter uma reconversão total do empréstimo em subsídio. Mas, claro, é um modelo progressivo consoante as taxas de esforço mas toda a gente poderá requerer essa reconversão, que aí será parcial. A portaria vai entrar em vigor agora e irá regulamentar a forma como se entrega o requerimento para a reconversão, quais são os contratos previstos neste apoio, etc. As pessoas se quiserem podem fazer esse pedido sendo certo que boa parte delas provavelmente irão prorrogar esse apoio até ao final previsto, ou seja 1 de julho de 2021 e os pedidos de reconversão em comparticipação não reembolsável provavelmente só serão feitos nessa altura.
Outra questão estrutural para o mercado são as moratórias nos créditos à habitação e o receio que existe quando estas terminarem (em setembro) deixando as famílias em risco de incumprimento e arriscando-se a perder os imóveis. O que está a ser previsto para evitar essa situação?
É muito difícil fazer um prognóstico daquilo que vai ser a nossa resposta quanto às moratórias ao crédito à Habitação e sobre o que se vai fazer em setembro porque infelizmente a reação acontece também em função do momento que vivemos. Nós temos um princípio base que é garantir o Direito à Habitação, seja na lógica da propriedade, seja na lógica do arrendamento. E construímos um conjunto de mecanismos para dar resposta a isto. E temos continuado a prorrogá-los, a simplificá-los para tentar chegar a mais gente.
A oposição tem-se mantido cética relativamente ao Plano de Recuperação e Resiliência, lembrando que existe muito dinheiro disponível (por exemplo 1.200 milhões para a habitação, 620 milhões para a eficiência energética, etc) mas que na realidade não há um plano definido para a utilização dessas verbas. Como responde a essas críticas?
Quando se faz o debate político com demagogia é sempre muito complicado responder. É como olhar para uma realidade paralela… Eu não me canso de lembrar que concebemos uma Nova Geração de Políticas de Habitação, uma Nova Lei de Bases da Habitação, que vieram definir princípios-base e conformar aqueles que são os instrumentos criados ao abrigo dessa nova geração de políticas de habitação. Foram criados dois programas fundamentais: o 1º direito que é uma resposta para as famílias mais carenciadas e uma resposta para a classe média que é o programa de arrendamento acessível. E neste âmbito temos três instrumentos: o Fundo Nacional de Reabilitação e Edificado (FNRE), o arrendamento acessível e a bolsa de imóveis, todas para o mesmo fim. Vamos apresentar em 2021 o programa nacional de habitação que não será mais do que a junção de todos os instrumentos que já estão em vigor. Mal seria se agora fossemos criar tudo de novo. É preciso haver estabilidade nas políticas de habitação e se em cada ciclo político mudarem as políticas acabamos por não conseguir construir nada.
E quando é que vai ser apresentado o programa nacional de habitação?
Este plano tem um conjunto de passos prévios que devem ser dados. Temos de criar o órgão consultivo pois este plano obrigatoriamente deve ter o parecer deste órgão. A nossa expectativa é que ainda possamos entregá-lo nesta sessão legislativa. O objetivo é que quando apresentarmos o Orçamento de Estado, este instrumento já esteja do lado do parlamento.
Qual é o ponto da situação do Fundo Nacional de Reabilitação e do Edificado (FNRE) criado há quatro anos com a meta de colocar no mercado edifícios estatais reconvertidos em habitação com rendas acessíveis?
Estamos na fase de avaliação da capacidade construtiva dos vários imóveis para poder avançar o mais rapidamente possível, um trabalho em paralelo com o FNRE e o IHRU. Criámos no final do ano uma portaria a prever a abertura até ao final do primeiro semestre de 2021 de um procedimento concursal para que parte destes imóveis possam também ser promovidos por promoção pública e comunitária com o terceiro setor, como as cooperativas, de forma a envolver a população naquilo que são as políticas públicas de habitação mas nunca perdendo duas questões-chave para nós: a propriedade continua do Estado e as rendas devem ser acessíveis e com contratos duradouros.
Já se apontaram alguns exemplos, um dos mais conhecidos é o hospital Miguel Bombarda. Qual é a sua previsão para estes imóveis chegaram ao mercado?
Existe uma estimativa a seis anos, até 2026, para a reabilitação da grande maioria daqueles imóveis, depois varia muito do grau de reabilitação. Temos reabilitações que se conseguem concretizar em um ano e meio e outras obras mais complexas que obrigam a construção nova ou reabilitações profundas. Há muitos passos a tomar consoante o tipo de imóveis e não vão ficar todos concluídos em 2026, é um processo contínuo e depende da complexidade da obra.
É preciso não esquecer que durante décadas não existiu um papel do Estado na promoção da Habitação. E essa foi a inversão que se fez. Agora, é preciso lembrar que não se faz a casa de um dia para o outro. Tanto mais se estiver em causa património do Estado que estava devoluto, boa parte dele não era utilizado para políticas de Habitação e portanto implica passos iniciais complexos, nomeadamente a nível de licenciamentos, de projeto, de pedidos de informação prévia às Câmaras Municipais para perceber se é viável do ponto de vista de Habitação…Esses passos não se dão num mês ou dois. O Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado foi criado em 2017, de raíz e portanto, na sua criação foi necessário definir a forma como vai funcionar, como é que se vai financiar os imóveis, identificar um conjunto de imóveis para poderem ser trabalhados e avaliados … Há dois exemplos que dou (e são sempre os mesmos porque são realmente emblemáticos do FNRE), que é o Cabeço da Bola e o Miguel Bombarda, ambos em Lisboa e que, entre os dois, podem chegar às 400 habitações a preços acessíveis. Estes dois projetos implicar Avaliação de Impacto Ambiental, Pedidos de Informação Prévia, operações de loteamento, operações de licenciamento, um conjunto de passos prévios, que são importantes e necessários, mas que demoram o seu tempo.
O Governo foi muito criticado por parte dos vários operadores do setor por acabar com os Golden Visa já em julho nas zonas de Lisboa, Porto e todo o Litoral, ainda em plena pandemia, alegando a necessidade de investimento estrangeiro. Está prevista alguma medida compensatória para criar estímulo a este tipo de investimento?
A ideia é perceber se no momento que atravessamos e que afeta toda a gente se vai cumprir o que estava previsto no Orçamento de Estado de 2020 sem descurar alguma necessidade de progressividade da implementação da medida. A ideia não é acabar com os vistos Gold. Existe um problema de habitação a custos acessíveis nas áreas metropolitanas e, em simultâneo há um problema nas zonas de interior e precisamos de incentivar a deslocação para o interior e o que estamos a fazer é precisamente enquadrar esse instrumento de acordo com o que são os nossos objetivos no âmbito da política pública.
Mas do ponto de vista do investidor, como se criam esses estímulos para o interior?
Temos de tentar contrariar essa filosofia ao máximo, cabe-nos criar os instrumentos para apelar a que esta transição aconteça. Com os nossos objetivos de política pública, os vistos Gold têm um conjunto de garantias associadas e, no fundo, o que estamos a fazer é deslocalizar os investimentos. Temos de torná-los atrativos e é isso que estamos a fazer através de um ministério que se centra na valorização do interior exatamente para criar estes incentivos que promovam o Investimento estrangeiro e ao mesmo tempo acompanhem as políticas públicas de habitação para os portugueses.