O setor da construção e do imobiliário em Portugal iniciou a sua recuperação em 2017, após mais de uma década sob uma acentuada crise originada pelo clima político e económico que se fazia sentir. Criadas as melhores expetativas para um crescimento sustentado do setor nos anos vindouros, chegou em 2020 a pandemia, que trouxe consigo várias restrições e provocou quebras significativas na atividade económica, principalmente no segundo trimestre, em que vigorou o primeiro estado de emergência e período de confinamento.
No cômputo geral, face a 2019, houve uma contração do número de transações e de licenças emitidas para construção nova e reabilitação de edifícios residenciais (e não residenciais), assim como uma desaceleração dos preços das casas. Não obstante, verificou-se, a partir do terceiro trimestre, a reabertura progressiva da economia, permanecendo inalterada a tendência global de crescimento dos preços dos imóveis e do montante de crédito concedido a particulares para aquisição de habitação, destacando-se ainda 2020 como um dos anos mais favoráveis de sempre em termos de volume de transações. No segmento das obras públicas, o total de concursos promovidos e o volume de contratos celebrados registaram uma variação homóloga positiva. Adicionalmente, em 2020 também o consumo de cimento no mercado nacional aumentou em termos homólogos.
Neste sentido, com os principais indicadores setoriais a mostrarem-se mais positivos do que a generalidade das estimativas, este setor tem registado uma evolução favorável, tendo inclusive sido destacado pelo Banco de Portugal pela sua resiliência e importância para a economia nacional. De facto, a construção não foi praticamente impedida de trabalhar, cumprindo as carteiras de encomendas, quer para o Estado, quer para os privados, em detrimento de setores como o do turismo, que foram fortemente condicionados.
Enquanto que a construção, incluindo serviços relacionados, assume-se cada vez mais como um dos mais importantes drivers da economia portuguesa aumentando o peso no PIB nacional, o seu crescimento está também subordinado à evolução do mercado, agora dependente da evolução da pandemia e da rapidez da vacinação em larga escala. Inobstante a previsão de retoma progressiva da atividade até final de 2022 onde recuperaremos os níveis pré-pandemia, a única certeza é só uma, e que afeta diretamente a confiança dos investidores: a incerteza.
As ações de mitigação a tomar nos próximos anos são sobretudo de caráter político-económico, começando com investimento público como meio para estimular a economia e, subsequentemente, incentivar o desenvolvimento do setor privado.
Para tal, tem de haver planeamento e execução, preferencialmente, ao abrigo de pactos de regime para garantir a sustentabilidade de iniciativas como o Programa Nacional de Investimentos (PNI) 2030. Este programa representa uma oportunidade única para a engenharia e construção, nomeadamente em infraestruturas e transportes, com especial destaque para a ferrovia. Requer contudo empresas com capacidade produtiva e recursos humanos qualificados para conseguir responder aos desafios de grandes projetos, o que, sem um esforço conjunto das organizações nacionais para ganhar escala e ultrapassar problemas estruturais e conjunturais da indústria, facilmente dará lugar a empresas estrangeiras.
Também as entidades adjudicantes terão de ganhar capacidades e competências para especificar e monitorizar critérios além do preço, valorizando outros aspetos como a implementação de novos processos e tecnologias para aumentar a eficiência no desenvolvimento dos projetos e obras. Atendendo a que mais de 99% desta indústria é composta por PMEs com uma elevada alavancagem financeira e que frequentemente enfrentam problemas de liquidez, por variados motivos como sobrecustos ou atrasos nos pagamentos a receber, nunca é demais frisar que as empresas vivem de contratos efetiváveis e efetivados e, acima de tudo, de fluxos de caixa para fazer face às suas obrigações perante terceiros (colaboradores, estado e credores) e acionistas. A gestão da tesouraria tem sido um desafio acentuado com a pandemia, tanto para empresas como particulares, pelo que deve ser devidamente acautelada na fase de recuperação.
O investimento privado, em especial para atrair e reter investidores estrangeiros, deve ser estimulado também com mais incentivos fiscais, principalmente agora com o fim decretado para os vistos Gold no litoral e áreas metropolitanas, e maior disponibilidade de crédito para empresas e particulares, considerando o financiamento de instituições financeiras internacionais complementarmente às nacionais. O processo de licenciamento de projetos imobiliários, que foi muito afetado com a pandemia, vai requerer menos burocracia e mais capacidade administrativa dos municípios.
Destaca-se também a óbvia mas nem sempre apreendida importância de realizar investimentos produtivos, em detrimento de outros meramente convenientes, para fazer face ao previsível aumento significativo do endividamento público e privado e do risco de crédito na próxima década, que colocarão desafios acrescidos à economia portuguesa, cuja dívida já tem vindo a crescer mais rapidamente do que o PIB, o que tende a refletir-se em mais encargos para os contribuintes.
As políticas nacionais e supranacionais terão um papel fundamental neste sentido, devendo promover as melhores práticas e a necessária afetação de recursos, bem como uma maior coesão social e territorial, competitividade e inovação, digitalização, sustentabilidade e ação climática.
Por fim, a visão sobre o futuro da construção e imobiliário é otimista, prevendo-se uma recuperação em “U”, sobretudo através de obras públicas e de projetos de edificios residenciais cujo desenvolvimento será estimulado com a disponibilização de fundos europeus e com medidas de apoio às empresas – 2021 será um ano de transição em que a atividade permanecerá condicionada. Porém, o sucesso desta recuperação está diretamente dependente de um planeamento rigoroso e da necessária estabilidade política, pelo que, perante o potencial impacto de eventuais novas medidas restritivas, torna-se fundamental decidir, de forma competente, coesa e consciente, em clima de incerteza. Como em tudo na vida, não há soluções, há alternativas, sendo que a preparação hoje, para promover uma maior estabilidade e melhorar as expetativas do mercado, o que se refletirá na procura e nas transações, vai ditar o nosso futuro amanhã.