Está à frente do maior ateliê de arquitetura de Portugal e o único que aparece na famosa “Big List” do ranking mundial WA100 onde constam os 100 maiores gabinetes do mundo. Miguel Saraiva, fundador da Saraiva e Associados, tem acumulado projetos dentro e além-fronteiras, deixando a sua marca em obras tão emblemáticas como a sede da Polícia Judiciária (na Estefânia), o Campus da Justiça (no Parque das Nações), o Hospital Beatriz Ângelo (em Loures) ou o edifício Infinity (na imagem), ainda em construção junto a Sete-Rios e que será uma das torres mais altas de Portugal.
Arquiteto Miguel Saraiva
Fundou o seu ateliê em 1996 com apenas dois arquitetos. Quantos tem agora?
Sim, o ateliê está quase a fazer um quarto de século (no próximo ano)… Atualmente tem 120 colaboradores em Lisboa, mais 20 colaboradores externos. Da rede dos 11 ateliês no estrangeiro que tínhamos, fechámos a China e ‘parqueámos’ o Panamá, Venezuela, México e a Malásia.
– Encerraram devido à pandemia?
Foi um misto de oportunidade. Dos 11 temos seis a funcionar… Na China não é bem fechar, temos as portas encostadas. A situação deriva de dois motivos: por um lado, nestes países registou-se uma quebra enorme ao nível da encomenda privada. Poe outro lado, são países muito desestruturados onde a questão social nestas circunstâncias é muito dura para as pessoas e muito dura para as empresas, até porque não existem grandes mecanismos de suporte à sociedade em si e não há uma rede de saúde estruturada como existe em Portugal ou na Europa. Além disso, estamos a reposicionar o ateliê em geografias diferentes, em países mais estruturados.
– E que peso essas filiais tinham na vossa atividade?
Chegaram a representar 60% das encomendas do grupo, se recuarmos cerca de cinco anos. Atualmente, a faturação no estrangeiro representa entre 15% a 18%. Nós começámos a nossa internacionalização em 2008, ainda com bastante encomenda em Portugal, mas já com o sentimento de que as coisas iam complicar-se por cá.
– Passado o período mais negro da anterior crise, quando começaram a sentir que o mercado nacional voltava a ganhar atratividade?
No fim de 2014 para 2015 começa-se a sentir o mercado nacional a reagir à crise em termos imobiliários. Principalmente com a chegada de investimento estrangeiro, com fundos imobiliários de grande escala. Foram cinco anos de um crescimento extraordinário, junto a players internacionais. A grande diferença que existe hoje entre os clientes de 2008/09 e os clientes que vieram em 2015/16 é que estes clientes são muito mais profissionais e muito mais estruturados. Neste momento, o mercado nacional pesa cerca de 85% da nossa faturação.
– E qual é o peso dos promotores estrangeiros no ‘bolo’ total?
Absorvem 80%, é impressionante. A Saraiva & Associados faturou cerca de 15 milhões de euros em 2019.
– Pergunta incontornável: como é que a pandemia está a afetar o trabalho da empresa?
Eu gosto de analisar a pandemia em várias vertentes. Primeiro, em termos residenciais, eu diria que até ao momento a pandemia não teve qualquer tipo de impacto na nossa atividade. Os clientes são muito estruturados, têm estado a aguentar perfeitamente este embate e continuam com os seus projetos. Há hoje uma apetência natural para os estrangeiros em comprar imóveis em Portugal e não tanto pelo Golden Visa ou pelo programa dos Residentes Não Habituais, mas muito pelo lifestyle que o país permite. Os estrangeiros puseram o foco em Portugal por questões de segurança, de clima, estilo de vida e por ser um país bastante desenvolvido. Porque ao contrário do que estamos sempre a dizer, temos um país desenvolvido e e com infraestruturas bastante recentes.
Já em termos de hotelaria, notou-se o impacto. É natural. Nós tivemos dois projetos fora de Lisboa, que deixaram de ser hotéis para serem edifícios residenciais. Mas os restantes hotéis que estamos a desenvolver, a maioria em obra, mantiveram o seu uso. Seria muito oneroso alterar o objetivo inicial. Mas temos perfeita consciência de que há uma insegurança enorme no sector. Não se sabe o que vai ser o futuro e é evidente que isso vai ter um impacto enorme também na encomenda privada dos ateliês. Principalmente em Lisboa e no Porto. Nestes dois polos o impacto é gigantesco, a insegurança é enorme. Vamos ver. Acho que os hoteleiros vão estar muito expectantes nos próximos dois a três anos.
– Antes da pandemia, falava-se muito da tendência a nível mundial para a construção de casas mais pequenas. E agora? Poderá haver uma inversão devido à questão do confinamento?
Sim, é um contraciclo. Nós andámos a desenhar casas mais pequenas derivado ao custo das mesmas e a pandemia hoje grita, exige, mais área porque as pessoas ao confinarem-se em casa querem mais espaço. Eu acho que a grande consequência desta pandemia tem muito a ver com a baixa qualidade espacial que foi desenvolvida ao longo destes anos. As pessoas negligenciaram imenso aquilo que andaram a comprar, negligenciaram imenso o nível de exigência que puseram nos projetos. E hoje as pessoas, as famílias ao estarem confinadas, deparam-se com casas, que eu não diria obsoletas, porque são recentes, mas com áreas muito pequenas e com funcionalidades duvidosas em que o espaço de estar está paredes-meias com o espaço privado de cada uma das habitações. A pandemia veio alertar para uma série de situações que, ainda assim, não creio que venham a ter um impacto futuro tão grande ao nível da habitação e da forma de habitar.
– Diria então que o efeito pandemia não se irá refletir na conquista de mais espaço interior (de qualidade)?
Acho que vai ser o espaço público a responder muito mais a isso até porque o nível de exigência das pessoas aumentou nesse aspeto. Se as varandas são o espaço exterior, por defeito, das nossas habitações, nós temos também que exigir que o espaço público seja o prolongamento das nossas casas. Por isso, o espaço público vai ser um foco de maior exigência das pessoas que habitam a cidade. Nós vamos sair dos nossos espaços privados, das nossas casas, e vamos ter que ter jardins, passeios, um espaço público que responda aos nossos desafios. Porque o grande problema da cidade é que durante anos o espaço público foi negligenciado e a única coisa que nos interessava era o espaço privado, eram as nossas casas. E eu acho que a pandemia veio alterar o paradigma. Os promotores, juntamente com as entidades públicas, têm de concentrar esforços não só nos seus edifícios, mas também no espaço envolvente dos mesmos. Tem que haver aqui, no pós-pandemia, um foco de interligação entre os privados e o público no sentido da valorização dos espaços que são confinantes às nossas intervenções.
– Como vê a transformação de Lisboa e do Porto nos anos mais recentes?
Eu conheço melhor Lisboa. Penso que as pessoas, já com algum distanciamento, começam a perceber que a cidade de Lisboa foi pensada como um todo, que as intervenções foram todas centradas nas pessoas que habitam a cidade e não simplesmente para aquelas que a visitam. Hoje a cidade tem uma qualidade urbana que é incomparavelmente superior aquela que existia. Os últimos 12 anos da cidade trouxeram bastante valorização no que diz respeito à criação de espaços de estar, de viver e de partilhar, coisa que durante tantos anos foi negligenciada. Vejo a cidade de Lisboa e a cidade do Porto hoje com muito mais qualidade urbana. Mas é evidente que isto ao acontecer suscita tensões naturais.
– O seu ateliê assina o projeto Infinity, da Vanguard Properties, perto de Sete-Rios, que será uma das maiores torres de Portugal. É, portanto, um defensor da construção em altura, um tema polémico em Portugal…
O tema só é polémico porque querem fazer construção em altura nos centros das cidades de Lisboa e do Porto, que são, na minha ótica, as únicas cidades portuguesas que têm capacidade para absorver este tipo de escala, as outras cidades não têm necessidade dessa escala. Eu sou 100% a favor da construção em altura, não sou é a favor da construção em altura onde a querem impôr. Mas para haver construção em altura também tem que haver planeamento, e não havendo planeamento estruturado, com tempo, dificilmente nós podemos ter a construção em altura. Porque isto passa tudo por Planos de Pormenor, por Planos de urbanização e passa por enquadramento de Plano Diretor Municipal. E para acontecer haver isso tem de haver vontade política que responda a desafios estruturantes para as cidades mas não se abre espaço a esse debate e devia abrir-se. Até porque as obras de construção em altura, e olhando para casos, principalmente na Europa, normalmente são objetos de grande qualidade arquitetónica. E têm a vantagem de libertar espaço urbano público. Nós, tradicionalmente, não temos esta disponibilidade e esta abertura, seja pela parte dos privados seja pela parte pública que gere as cidades. Mas eu acho que esse debate, mais cedo ou mais tarde, vai ter de vir para cima da mesa e tem que ser envolvida a sociedade civil. Porque, teoricamente a sociedade civil reage mal à construção em altura, e bem porque querem impor isso dentro do casco das cidades, o que não faz sentido. Mas a verdade é que há o glamour que muitos sentem em viver em altura. Tanto é assim que no nosso caso, no projeto Infinity, que será um dos edifício mais altos da cidade de Lisboa, a apetência pela compra é gigante, segundo os indicadores a que temos acesso através do promotor.
– Há 12 anos publicou um livro sobre a Habitação a Custos Controlado mas especializou-se, entretanto, no imobiliário de luxo…
Especializei-me ou o mercado obrigou-me a especializar… Eu olho para a construção de luxo como olho para a construção a custos controlados. Eu respeito o desenho, eu respeito as cidades, eu respeito quem vai habitar. Evidentemente, são programas que respondem a necessidades diferentes até porque uma responde aos desafios de quem desenvolve projetos no centro da cidade e outra na periferia da cidade. É natural que assim seja porque o custo do solo dificilmente permite que os custos controlados estejam dentro da cidade. É verdade, eu desenhei imensa habitação de custos controlados, é um tema de que ainda hoje gosto.
– Já começam a surgir em Portugal investidores institucionais a apostar na habitação a custos controlados para o mercado de arrendamento. Como acompanha esta tendência?
Na minha perspetiva, nós não temos um mercado de arrendamento por dois motivos – um é cultural, as pessoas preferem mesmo ter a sua habitação em vez de arrendar e outro motivo assenta na questão dos juros que são realmente muito baixos e, sendo tão baixos, são concorrenciais aos valores do arrendamento. Mas hoje sabemos que os jovens olham para o mercado de trabalho como um mercado global, um mercado europeu, e não como um mercado nacional. E, nessa tendência, os jovens vão optar mais pelo mercado de arrendamento do que pelo mercado de compra. Porque as novas gerações querem ter diferentes experiências profissionais, querem mobilidade, e isso leva-os a viajar e a mudar de cidade com grande facilidade. Na minha perspetiva, essa sim, vai ser uma alteração profunda do paradigma na área da habitação e dos promotores imobiliários. Por isso hoje começa a sentir-se uma procura e uma dinâmica no mercado imobiliário de arrendamento em relação ao mercado de aquisição, de venda e compra. A mobilidade dos jovens vai ter muito mais impacto na habitação do que a própria pandemia. E isso deveria ser monitorizado e deveria ser analisado, não só pelos privados como pelo público. Vai haver uma alteração muito profunda na forma de habitar neste âmbito…
– Quantos projetos tem neste momento em curso? Sei que são muitos…
Não sei bem, sei dizer que todos eles respondem a um desafio enorme porque desenhar num território como é o território português, que tem características tão diferenciadas ao longo do mesmo, é um desafio gigante. Mas, ao mesmo tempo, é um desafio bastante interessante. Não lhe consigo dizer quantos projetos tenho mas tenho bastantes projetos. Mas também tenho um ateliê muito grande que precisa de todos eles. O grande desafio aqui é fazê-los com grande qualidade e que respondam às necessidades das pessoas, esse é o grande foco do ateliê.