O ‘boom’ imobiliário que movimentou Portugal nos momentos pré-Covid deram a ganhar a promotores, construtores e mediadores imobiliários que viram as suas faturações a subir em flecha. Mas para os arquitetos, parte fundamental nessa espiral, a vida pouco mudou no que diz respeito aos seus honorários. A maioria continua a ganhar mal e aqui não se incluem só os jovens arquitetos. Naquelas que são as eleições mais concorridas de sempre da Ordem dos Arquitetos, hoje damos voz a mais uma candidata – a arquiteta Cláudia Costa Santos, atual presidente do Conselho Diretivo da Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitetos e que concorre à presidência da Ordem com a lista B.
A Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Norte encomendou um estudo – o Plano Estratégico para o Setor da Arquitetura (PESA) – à Escola de Economia da Universidade do Minho onde se conclui, e passo a citar, “que o setor da Arquitetura se encontra num estado preocupante, num contexto propício a mudança” e onde se “revela uma forte redução do tamanho do mercado por arquiteto”, não mais que 15.000€ per capita. Surpreendeu-a este resultado?
Surpreendeu-nos imenso a sua conclusão pois identificou-se uma fragilidade da profissão que pode mesmo levar à sua inviabilização futura. E claro que isso é uma preocupação muito grande.
E a partir do momento em que surge esta pandemia, tudo aquilo que já eram as patologias e as deficiências encontradas no mercado económico do nosso setor agravam-se, como é óbvio, até porque o nosso setor é bastante influenciado pela oscilação económica no nosso país. Qualquer pequena alteração nós sentimos logo de imediato. Esta pandemia vem agudizar ainda mais aquilo que são as conclusões do Plano Estratégico para o Sector da Arquitetura (PESA) e vem dizer-nos que é urgente a sua aplicação, é urgente iniciar ações e impulsionar as medidas que o próprio plano define como essenciais. O Plano tem uma abrangência temporal até 2038, pois é um plano estratégico a médio e longo prazo.
– Uma das conclusões do PESA é que os arquitetos portugueses ganham muito menos que os seus colegas europeus e não só…
Exatamente. Ganham 35% do que é a média europeia. E em relação aos outros licenciados em Portugal, com a mesma formação académica, ganham 20 a 33% do que ganham os outros.
– E estamos a partir de que ordenado, salário médio?
De um salário médio de 1000 euros brutos.
– E estamos a falar de jovens arquitetos em início de carreira?
Não, estamos a falar da média de todos os arquitetos, sem distinção de faixa etária.
– Então quanto ganhará um jovem arquiteto em início de carreira?
Não temos esses dados por faixa etária, pelo menos a nível estatístico. Mas sabemos junto dos jovens arquitetos que terminam o seu estágio e se inscrevem na Ordem dos Arquitetos e pelo que sabemos dos inquéritos que lançamos – ainda que aqui estamos aqui a falar de estatística não quantitativa, mas sim qualitativa – que mutos vivem em situações precárias por não terem um contrato, por serem contratados a recibos verdes… A maioria identifica o salário médio em cerca de 700, 800 euros brutos.
– Portanto, são atraídos para a profissão por genuína lealdade com a sua vocação…
E também aquela sede de começar a produzir e começar a ser profissional com a expectativa de que as coisas poderão vir a melhorar… Isto é uma coisa que eu própria já senti quando tirei o curso, fiz o estágio e ingressei na Ordem dos Arquitetos (OA) e já foi há uns aninhos… E saber que aqueles profissionais que estão a começar a carreira agora têm os mesmos anseios mas também as mesmas frustrações que eu tive há cerca de 15 anos, ainda é mais frustrante… Sentir que nestes 15, 20 anos quase nada mudou… E, portanto, alguma coisa terá que ser feita e, provavelmente, terá a ver também com aquilo que é a estratégia de orientação da organização do coletivo, que é a Ordem dos Arquitetos, que sempre teve uma postura muito mais vocacionada para a promoção artístico-cultural mas agora, provavelmente, está na fase de olharmos para a Arquitetura enquanto profissão e enquanto valorização do setor económico.
O que tem estado a falhar?
Em relação aos pontos essenciais que o diagnóstico aponta à nossa profissão tem a ver com aquilo que foi designado como problemas estruturais da profissão, relacionado com o fraco desempenho económico – que é avaliado neste estudo pelos níveis de rentabilidade e pela comparação entre empresas e que define aquilo que é a fraca competitividade. Outro problema estrutural apontado é a concorrência agressiva, que é baseada nos preços, ou seja, a degradação dos honorários que origina muitas vezes a prática de ‘dumping’, a grande precariedade laboral e a respetiva dimensão remuneratória. E ainda uma grande complexidade regulamentar e burocrática dentro daquilo que é a nossa resposta à profissão e prestação de serviços no âmbito dos procedimentos e também a própria regulamentação existente no âmbito da edificação.
– No período pré-Covid registou-se um grande ‘boom imobiliário’ alicerçado quer no turismo quer em medidas como os Vistos Gold e os Residentes Não Habituais. Houve reflexos desse dinamismo na atividade dos arquitetos ou o ‘dumping’ e essa concorrência agressiva não permitiu uma maior equidade?
Nós verificámos que houve um impacto positivo, mas a nível quantitativo. Ou seja, houve um maior número de transações, mas com esse maior número de transações não se obteve uma dimensão de aumento de rentabilidade no setor da Arquitetura, antes pelo contrário, houve uma quebra, o que é estranhíssimo. E o próprio Plano Estratégico indica isso mesmo, isto é, apesar da recuperação económica e da recuperação dos setores do Imobiliário e da Construção, o nosso setor não recuperou e tem uma dimensão de apenas 350 milhões.
– Esses 350 milhões que refere é o valor movimentado anualmente por todas as empresas de Arquitetura?
Exatamente.
– Uma situação que se vai agravar com a pandemia…
Neste momento de pandemia, e como estamos a trabalhar muito mais para os investidores, o que aconteceu é que para já houve uma retenção dos investidores que ainda estão expectantes, esperam as orientações do mercado para saberem se continuam a investir ou não. Mas julgo que Portugal está no bom caminho porque tivemos uma boa prestação na prevenção e gestão dos cuidados, falta saber qual será o percentual de imunidade populacional e se este for bom vamos ser vistos pelos outros países como o local ideal para investir de certeza.
Pode dar-me alguns exemplos de propostas previstas no PESA para dar impulso à profissão?
A proteção da Arquitetura e da atividade do arquiteto através do estabelecimento do valor mínimo por ato ou tipologia de projeto, para combater a concorrência desleal e os mecanismos de degradação económica, é uma delas. Também a negociação de Contratos Colectivos de Trabalho, a implementação do IVA de serviços de arquitetura com taxa reduzida (equiparado a outras atividades criativas) e a introdução de deduções fiscais, em sede de IRS, para particulares que contratem determinados serviços de Arquitetura, como habitação (englobada como direito constitucional) constam também entre as principais estratégias de apoio à profissão.