Primeiro mito desfeito: quem teve a menstruação mais cedo na vida não entrará necessariamente em menopausa cedo também. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Lisa Vicente, ginecologista-obstetra, especialista em Sexologia Clínica, autora de vários livros sobre literacia em saúde, recebe-nos no seu consultório para esta entrevista à VISÃO. Falamos da menopausa, a propósito do seu novo livro, A Revolução da Menopausa (editora Planeta), onde, ao longo de 256 páginas de escrita clara e acessível, ficamos a saber (quase) tudo sobre esta fase da vida. Sem tabus nem mitos.
O distingue a perimenopausa da menopausa?
A palavra perimenopausa já existe nos livros dos anos 80 e 90, mas agora saltou para a sociedade. É aquele momento em que a pessoa pode ainda menstruar, pode ainda ter ciclos mesmo já com irregularidades (ainda se pode engravidar), mas começam já a surgir sintomas de menopausa, porque quando foram descritos, foram descritos na menopausa.
Não são sintomas diferentes, é isso?
São exatamente os mesmos. Os calores súbitos, a dificuldade em dormir por se acordar várias vezes durante a noite, o sono entrecortado, a secura das mucosas, seja das mucosas da pele, mas também da vulva e da vagina. Até há pouquíssimo tempo, era preciso estar em menopausa para que fossem tratados os sintomas, tinha de se estar um ano a aguentar os sintomas.
O que é estar em menopausa clinicamente?
É estar há um ano sem menstruar. Ou então, há pessoas que pelo seu método de contraceção não menstruam, ou, por exemplo, se não têm útero não menstruam, mas aí nós podemos fazer a definição através de análises hormonais, ou até com ecografia, também há sinais indiretos, mas é essencialmente por análises hormonais. E existia esta ideia de que era preciso esperar pela menopausa para fazer os tratamentos. Mesmo que, antes disso, os sintomas já incomodem e interfiram na vida.
Os tratamentos nas duas fases são também os mesmos?
É até mais desafiante tratar pessoas na perimenopausa do que na menopausa. A lógica é esta: se os nossos ovários já não funcionam, não têm nenhuma atividade folicular, não fazem ovulações, não fazem o ciclo pré-menstrual e faltam estrogénios – porque a maior parte dos sintomas são derivados da queda súbita dos estrogénios –, é simples. Damos estrogénios, por exemplo, e associando a progesterona para proteger o útero, conseguimos medicar com alguma facilidade. Mas na perimenopausa é mais complicado porque, como as pessoas ainda têm ciclos, às vezes ovulam, mesmo que de forma irregular, naquele mês em que ovulou causa mais confusão estar a adicionar estrogénios e a progesterona. Pode haver perdas de sangue irregulares, a pessoa a sentir que aquela tensão pré-menstrual ainda está mais acentuada… No entanto, existem cada vez melhores terapêuticas dirigidas às mulheres que estão nesta fase.
É preciso tratar a menopausa? Porque é um processo natural do nosso corpo…
Vamos então desmistificar aqui várias coisas. A menopausa existe desde que existem mulheres com ciclos menstruais, mas até há poucos séculos a maior parte das mulheres não chegava lá porque a esperança média de vida andava pelos 40 anos. Estamos então a falar de uma fase que se torna mais comum nas gerações pós-industriais. Algumas mulheres têm sintomas, outras não. O que se trata são os sintomas. É verdade que é uma fase da vida natural, mas também a gravidez é uma fase da vida natural e as pessoas às vezes precisam de mais ferro ou têm problemas de mal-estar que tratamos. Portanto, cuidamos do bem-estar das pessoas. Deixou de se utilizar a expressão terapêutica de compensação ou terapêutica de substituição. Nós não estamos a compensar nada, nem a substituir nada, suavizamos os sintomas. Quando a pessoa não tem sintomas sistémicos, dorme bem, não nota grande diferença… essas mulheres não precisam de se tratar.
O exercício não serve só para fazer músculo, também serve para melhorar o nosso bem-estar, em termos de saúde mental. E a menopausa aumenta o risco de ansiedade e de depressão
Nem como tratamento preventivo de problemas futuros, como a questão da osteoporose?
A saúde está sempre em construção. Ao longo de toda a nossa vida, estamos a construir a nossa saúde futura. Seja para a menopausa, seja para o envelhecimento. Associado ao facto de os ovários cessarem a sua produção de estrogénios existe uma diminuição abrupta, nos primeiros anos, da quantidade de massa óssea. Mas é não é preciso esperar estar em menopausa para cuidar do osso e prevenir problemas futuros. Esta mensagem é particularmente importante para as pessoas que fazem coisas que diminuem a massa óssea. Por exemplo, pessoas que, por causa de uma asma, precisam de tomar bastantes vezes os corticoides, que diminuem a quantidade de massa óssea. Quando chegarem ao momento em que existe a diminuição de estrogénios na menopausa, já vão partir de um limiar mais baixo. Ou pessoas que não ingerem bastantes alimentos e nutrientes com cálcio.
Há outras doenças do envelhecimento que podem ser prevenidas com os tratamentos da menopausa?
Nos anos 80 e 90, a terapêutica hormonal da menopausa foi testada, num grande estudo, para apurar se era boa para prevenir o cancro do intestino, a demência, a osteoporose ou a doença cardiovascular. E verificou-se que não, que não faz sentido. A única situação que se comprovou sempre em todos os estudos é que a terapêutica hormonal da menopausa previne a osteoporose e, assim, previne as fraturas de fragilidade. Não é universal, mas existem muitos países que têm a terapêutica hormonal como uma das formas de prevenir a osteoporose em pessoas que têm risco de vir a ter osteoporose, por exemplo, pela história familiar, pelo uso de medicamentos…
Existem ainda muitos mitos relacionados com a terapêutica hormonal.
Houve um estudo, em 2002, que levantou várias questões, mas a análise mais profunda dos dados permitiu fazer novas publicações ao longo dos anos seguintes, que vieram mudar o que sabemos sobre terapêutica hormonal e os seus riscos. Sabemos que as mulheres mais novas não têm um incremento de risco de doença cardiovascular, a terapêutica até protege. Relativamente ao cancro da mama, as mulheres que só fazem estrogénios, nunca nenhum estudo mostrou que existisse um aumento de risco de cancro da mama associado ao uso de estrogénios. O que sabemos é que esse risco aumenta, é pequenino mas aumenta, mas depende da idade da mulher e da sua história. Então, o que hoje em dia se sabe é que para mulheres entre os 50 e os 59 anos, pode aumentar o número de casos de cancro da mama, que são seis a dez mil mulheres por ano. E depois nas mulheres mais velhas, é nove a dez mil mulheres por ano. As mulheres que entram em menopausa antes dos 45 anos, que é a menopausa precoce, e as mulheres com insuficiência ovárica prematura, que podem entrar em menopausa antes dos 40 anos, essas sim têm um risco muito grande de osteoporose, de doença cardiovascular e de demência. Por isso, essas devem fazer terapêutica até à idade habitual da menopausa, que é os 50 anos, e só depois é que o tempo conta.
Quais são os principais medos?
Há muitas pessoas que dizem que não gostavam de fazer terapêutica porque causa do risco cardiovascular. E não sabem que, por exemplo, as mulheres que têm afrontamentos intensos e prolongados e que acordam muitas vezes durante a noite, isso por si só é um fator de risco cardiovascular. Aliás, a Sociedade Americana de Menopausa propõe que seja considerado um risco igualmente como ter hipertensão, fumar, ter diabetes, ter um colesterol elevado e outras situações que estão associadas. Portanto, mais vale minimizar esse sintoma. E está também demonstrado que, se forem tratadas, o risco diminui. Por tratadas queremos dizer quer hormonalmente, quer de forma não hormonal, que é a grande linha de investigação da atualidade.
Se as causas dos sintomas são hormonais, como é que se tratam os sintomas sem ir à causa?
Mas vai-se à causa. Quando falamos de hormonas, muitas vezes só falamos das maiores, as que são reconhecidas como protagonistas, como os estrogénios, a progesterona, os androgénios, a testosterona, etc. Mas, para elas existirem, existem por trás as nossas hormonas que são produzidas a nível da hipófise, a foliculoestimulina, a LH, e as da tiroide, as da suprarrenal. E depois, acima disso, descobriu-se, nos anos 90, que a nível do nosso hipotálamo existe uma estrutura de neurónios – que vivem na base de impulsos e da libertação de hormonas, mas de efeito local –, que depois atuam a nível do nosso hipotálamo e da nossa hipófise e que mudam a forma como são produzidas as nossas hormonas. Uma das investigações, que resultou no primeiro medicamento a sair para o mercado, atua exatamente nestes neurónios, por isso é ir à nascente da nascente.
Existe agora muita investigação sobre a menopausa? É uma área lucrativa, tem um grupo de clientes bem definido e fácil de calcular…
A investigação rege-se também pelo interesse que a área pode ter. À medida que um tema se torna importante, também se torna aliciante para quem faz a investigação, porque depois vai ter uma grande visibilidade para publicação.
Estamos num tempo em que tudo tem ratings. E noto nas novas gerações uma ansiedade na questão da performance e da avaliação do ato sexual. A pressão é quase neutralizadora de iniciativas
O que acontece no nosso cérebro durante a menopausa? Os sintomas não são apenas físicos.
Não, de todo. Apesar de acharmos que estrogénios e progesterona são hormonas dos ovários, reprodutivas ou sexuais, hoje em dia sabemos que não. Estas hormonas têm uma função a nível de todo o nosso corpo, da nossa pele, do nosso humor, da nossa forma de raciocínio. Já durante a idade reprodutiva, quando temos variações ao longo do ciclo, também temos variações a nível do humor e do cérebro. A questão da saúde mental é a de que se fala menos em termos de menopausa. Falamos do mau humor, da irritação, e não falamos que, tal como noutras alturas da nossa vida em que existem variações hormonais – puberdade, gravidez, pós-parto – também aqui aumenta o risco de ansiedade e de depressão. Este período pode corresponder a uma fase com mais perturbações em termos da ansiedade ou da depressão. As pessoas que tiveram antes perturbações da ansiedade ou de depressão têm um risco acrescido de voltar a ter durante a menopausa.
Como se previne isso?
O exercício não serve só para fazer músculo, também serve para melhorar o nosso bem-estar, em termos de saúde mental, através das hormonas locais e dos neuropéptidos, que são libertados durante o exercício. O sono é indispensável para a nossa memória poder ser consolidada e há muita libertação de hormonas durante o sono. Ter um ciclo de sono correto, que não esteja sempre a ser entrecortado e a voltar ao início, é essencial para que o nosso cérebro continue bem através do período da menopausa. Há um risco de perda de memória e de concentração durante a menopausa, muito associado às queixas vasomotoras e às alterações do sono.
É tudo negativo na menopausa. Qual é a vantagem evolutiva de passarmos por isto?
Existem várias teorias. Por exemplo, a teoria da avó. Mesmo no período em que ainda éramos nómadas, ajudava o facto de ter sempre ali disponível uma mulher mais experiente, que já não estivesse ocupada com o cuidado dos seus próprios filhos, para apoiar outras crianças.
E as avós não fazem sexo! Isto sendo totalmente irónica, claro. A questão da perda de desejo sexual durante a menopausa é também tratável?
O que acontece é que diminui, a nível da vulva e da vagina, a quantidade de estrogénios, que são também importantes na fase da excitação e da lubrificação. Mas existe também a parte psicológica. Se a nível sexual as coisas não correm tão bem, se o ato magoa nesta fase ou já não dá o mesmo prazer, inevitavelmente procura-se menos. A nossa resposta sexual e a nossa satisfação, seja com orgasmo ou sem orgasmo, é que nos mantêm motivados para os próximos atos. E começa a evitar-se ser confrontado com a questão.
Esta visão da sexualidade nestas idades mudou muito com o tempo.
Sim. Muitas vezes dizemos: “Eu não tenho desejo.” É preciso trabalhar isto porque muitas vezes o que não se tem é desejo espontâneo, ou seja, vontade de tomar a iniciativa. A questão de as mulheres tomarem ou não a iniciativa tem muito de uma ideia herdada, receberam a informação de que uma mulher não devia mostrar desejo. Por outro lado, encontro na minha prática clínica mulheres que continuam a ter relações sexuais em idade avançada, para lá dos 70 anos, e encontram na prática muito prazer, é uma parte importante na sua vida.
A nível da sexualidade, encontra muitas diferenças na forma de a viver entre as gerações mais velhas e as mais novas?
Há diferenças culturais, sim. As gerações mais novas já receberam outro tipo de informação, de que as mulheres não precisam de se inibir de ter iniciativa, desejo, orgasmos. Mas também acabam por estar presas a novos mitos relacionados com a performance. O desafio hoje em dia coloca-se tanto em raparigas como em rapazes e está relacionado com uma visão do sexo como performance.
Por causa da pornografia?
Essa será uma das questões. Mas não só. Existe também a partilha da própria experiência sexual como se fosse um troféu olímpico, mais do que uma forma de intimidade e de prazer. Acaba por existir uma ansiedade na questão da performance e da avaliação. A pressão da performance é quase neutralizadora de iniciativas. Até porque estamos num tempo em que tudo tem ratings.
