No ecrã, figura um mapa polvilhado de milhares de pontos azuis e vermelhos. Os pontinhos azuis dizem respeito a crateras mais pequenas; os pontinhos vermelhos sinalizam crateras de maiores dimensões. No total, são 132.843 pontos coloridos – o número que compõe o primeiro catálogo das crateras de Marte produzido automaticamente e que foi disponibilizado à comunidade científica em 2010.
Na origem deste catálogo, está um algoritmo produzido no Centro de Recursos Maturais e Ambiente do Instituto Superior Técnico (CERENA). «Há um catálogo de Marte que é maior, e tem referenciadas mais de 201 mil crateras, mas nesse caso já se tratou de um trabalho feito à mão por alguém muito entusiasta no assunto», explica Lourenço Bandeira, investigador do CERENA e um dos mentores do algoritmo que já foi usado pelo Lunar Planetary Institute da NASA e pelo prestigiado US Geological Survey.
A “caça à cratera” arrancou no CERENA em 2004, com o objetivo de desenvolver uma tecnologia capaz de reconhecer automaticamente as características morfológicas que distinguem uma cratera de um vale ou de uma montanha. Lourenço Bandeira recorda que cada cratera «é única». «O fundo da cratera depende do material, da velocidade, da erosão, do ângulo, e de muitos outros fatores», explica Lourenço Bandeira.
O algoritmo criado no CERENA analisa imagens captadas por sondas e vaivéns para identificar e classificar as diferentes crateras. O processo é comparável ao que é usado no reconhecimento de rostos – só que em vez de dados biométricos, a análise tem por objetivo a deteção de padrões que já se encontram referenciados pela geologia ou pelas denominadas ciências planetárias.
Hoje, o algoritmo conta com uma taxa de sucesso ronda os 80% e os 90%. O processo quando executado manualmente apresenta taxas de sucesso na ordem dos 70% e «e é muito mais moroso e oneroso».
Tendo como principais atrativos a rapidez e o custo reduzido, o algoritmo de deteta crateras depressa começou a despertar a atenção fora de portas – e foi assim o investigador Goran Salamuniccar, investigador croata, descobriu a tecnologia criada no CERENA e propôs uma parceria para a produção daquele que, desde 2010, se tornou no maior catálogo de crateras de Marte alguma vez produzido através de processos automáticos.
Além das crateras de Marte, o algoritmo foi usado na produção de um catálogo de Fobos, satélite natural de Marte, e ainda de uma região da Lua que deveria ter recebido a visita da sonda chinesa Chang’e 3. Este último catálogo é especialmente revelador da utilidade que, no futuro, poderá ter um algoritmo de reconhecimento de crateras: com a evolução tecnológica, a resolução das imagens captadas por sondas, telescópios ou vaivéns não parou de aumentar. Resultado: enquanto em Marte (com terço da dimensão da Terra) foram identificadas “apenas” cerca de 132 mil crateras; o catálogo da bacia de Sinus Iridum, na Lua, excede as 600 mil crateras estimadas.
Lourenço Bandeira recorda que as crateras são indicadores valiosos no estudo dos diferentes planetas e à idade geológica de cada região estudada: «Um dos hemisférios de Marte tem muito menos crateras. O que leva a acreditar que possa ter estado submerso por um oceano».
O Investigador do CERENA reitera que o algoritmo não está para venda, mas admite disponibilidade para analisar diferentes propostas de parceria para o uso desta tecnologia que contém fórmulas matemáticas que permitem a adaptação a diferentes padrões: «Quando começámos ninguém nos conhecia. Hoje, não tenho dúvidas de que somos uma referência numa área de investigação, que ainda não tem muita gente a trabalhar. Hoje, há uma equipa na NASA, e outra na China e pouco mais».