Em 2013, Michelle Ivankovic e Adrienne McNicholas lançaram a sua primeira campanha de crowdsourcing. Chamaram-lhe Food Huggers. Sob o lema “uma nova forma de amar os restos”, as tampas de silicone reutilizáveis para alimentos foram um sucesso instantâneo na plataforma Kickstarter, muito em parte devido ao design colorido e funcionalidade inovadora.
A campanha resultou num financiamento de 150.000€, entre mais de 5.000 investidores individuais. Ivankovic e McNicholas puseram então mãos à obra: aquisição de máquinas para a produção, contratação de pessoal e operacionalização da startup.
Quando chegou a altura de listar os produtos para a venda ao público, a dupla empreendedora descobriu que diversas cópias dos seus produtos inovadores estavam por todo o lado. Na Amazon, Aliexpress, eBay, dezenas de listagens de produtos semelhantes aos seus, com preços mais baixos, tinham chegado ao mercado mesmo antes dos originais.
O caso da Food Huggers é ilustrativo de como a Internet pode ser um motor de inovação e crescimento económico, ao mesmo tempo que apresenta desafios e ameaças que não são de menosprezar. O mesmo meio que forneceu o financiamento, canais de comunicação e de vendas, tornara-se também a maior ameaça à sua relevância e existência.
Este caso está longe de ser único. Os negócios de hoje em dia, caso tenham potencial, são criados com uma fratura exposta à nascença – uma ameaça latente ao seu sucesso, relevância e viabilidade. Criar e lançar uma nova empresa inovadora já não é suficiente, é necessário defendê-la desde o primeiro momento.
No caso da Food Huggers, a ameaça mais premente provinha de listagens de produtos sem marca e de qualidade inferior em sites de e-commerce. Noutros negócios, as ameaças podem vir de variadíssimos canais, em simultâneo.
Os negócios baseados no prestígio e influência dos criadores são imediatamente alvo de perfis falsos que se aproveitam da notoriedade da sua imagem. Novas empresas de serviços que atinjam o sucesso confrontam-se com sites falsos que tentam roubar credenciais de acesso dos seus utilizadores. Empresas baseadas em Apps descobrem rapidamente que atores maliciosos criam versões pirateadas que, de alguma forma, diminuem o valor da marca e criam desconfiança nos utilizadores. A lista continua.
Se no caso de empresas estabelecidas e de grande dimensão, existem recursos financeiros e know-how jurídico, para lidar e pelo menos conter os problemas, infelizmente muitas startups não dispõem da mesma capacidade e sucumbem à pressão dos atores maliciosos, que tipicamente operam a partir de outra jurisdição e seguem diferentes regras. Esta situação é especialmente gravosa porque as novas empresas tendem a ser, com a sua capacidade de inovação e agilidade, um motor para o crescimento económico cada vez mais vital.
Com 22 mil milhões de dispositivos ligados à internet, descobrir as ameaças mais relevantes é um problema de enorme dimensão. Sorvendo inspiração do mundo do clipping, surgiram empresas que agregam e priorizam os resultados correspondentes às marcas no mundo online, onde quer que elas se encontrem: na web, em app stores, nas redes sociais, na dark web, etc. Desta forma, através da contratação de um serviço especializado, as marcas são capazes de monitorizar a utilização da sua marca na internet.
Embora seja uma ajuda preciosa, conhecer as utilizações ilícitas da marca e as listagens de produtos falsificados é apenas parte da solução. Muitas empresas são depois confrontadas com uma manta de retalhos jurídica e administrativa que impede a resolução dos casos de forma economicamente viável. Não é trivial para uma empresa uruguaia lidar com um site falso alojado no Camboja. E, na maioria das situações, as novas empresas deparam-se não apenas com um site falso, mas com dezenas, alojados em diferentes jurisdições e com diferentes entraves jurídicos à sua remoção.
Se no caso dos websites falsos pode ser difícil de navegar até à solução, no caso das plataformas online a situação toma outros contornos, igualmente confusos e crípticos. Em muitos casos, as leis dos diferentes países não são claras quanto à responsabilização das plataformas pelos conteúdos presentes nas mesmas. Esta questão é particularmente relevante, uma vez que ao mesmo tempo que a internet expande em número de dispositivos ligados, também se tem concentrado nas maiores plataformas. Estima-se que 90% do tráfego da internet interaja com o top 10% de domínios ativos.
Se um vendedor colocar produtos falsos na Amazon ou filmes pirateados no YouTube, até que ponto é que a plataforma é responsável a nível criminal pelos conteúdos dos seus utilizadores? Poderá a plataforma ser obrigada a fornecer os dados desses mesmos utilizadores a investigadores públicos e privados para que se descubra a origem e dimensão da operação infratora? E que países é que estão autorizados a investigar? Mesmo os especialistas dividem-se.
Para contornar este problema, a maioria das plataformas têm vindo a adotar sistemas de remoção voluntária de conteúdos, onde os detentores de direitos podem pedir que os conteúdos infratores sejam removidos. Em grande medida, estes sistemas têm ajudado a manter alguma sanidade nestas plataformas. No entanto, a falta de clareza na maioria das leis, e o facto de a internet ser por natureza transfronteiriça dificulta em muito a adoção de uma política harmonizada de proteção de direitos.
Esta realidade causa também problemas às próprias plataformas, quer sejam elas estabelecidas ou em crescimento, uma vez que lidar com este tipo de situações, à escala da internet, é um problema de difícil resolução e que suga recursos internos que poderiam ser alocados noutras áreas.
Felizmente, e mesmo apesar de todas as dificuldades, a Food Huggers é hoje uma empresa de sucesso. A marca é reconhecida pelos seus designs originais e funcionais, e pela qualidade dos seus produtos.
Este sucesso não seria possível sem outra componente fundamental: a estratégia de proteção de marca online empregada desde o primeiro momento, que resultou na monitorização e retirada de milhares de listagens infratoras de sites de e-commerce, perfis falsos de redes sociais e websites infratores, estratégia essa que certamente continuará a ser um pilar fundamental para o seu crescimento no futuro. E, numa perspetiva mais abrangente, o mundo tem de chegar a um consenso de como regular os conteúdos online de forma harmonizada, encontrando um equilíbrio entre a liberdade e diversidade dos intervenientes e a proteção da inovação.