Se tem 35 ou mais anos, existe a forte probabilidade de ter tido um telemóvel da Motorola em algum ponto da vida. Talvez um DynaTAC ou StarTAC para os pioneiros. Talvez um Razr num passado mais recente. Talvez até um Moto G, quando a empresa foi adquirida pela Google na década passada. O impacto da Motorola no desenvolvimento dos dispositivos móveis é inegável, mas nem tudo correu de feição à tecnológica.
Agora, sob a égide da gigante chinesa Lenovo, a marca está aos poucos a ganhar terreno. Sobretudo na Europa, onde se manteve tímida nos últimos anos, enquanto marcas como a Apple, Samsung e Xiaomi se estabeleciam de pedra e cal junto dos utilizadores.
No final de outubro, a Motorola anunciou o regresso ao mercado português e com a ambição de voltar a ser uma das marcas de referência dos consumidores na categoria dos smartphones. Os primeiros modelos – como o Motorola Razr 50 Ultra e o Moto G85 – já estão a dar que falar.
Nesta entrevista, a diretora-geral da Motorola para a Península Ibérica, Andrea Monleon, garante que “Portugal é um dos países onde se vai focar” no próximo ano e que “a ambição é avançar passo a passo, mas com um crescimento significativo trimestre a trimestre”.
Vi o seu perfil no LinkedIn e percebi que para si, liderar desde 2023 a Motorola, é como um regresso às origens, pois começou na empresa em 2010. Como foi voltar?
Bem, é fantástico. Foi o meu primeiro emprego. Comecei na Motorola Mobility com um estágio. Honestamente, tem uma grande carga emocional, porque, como disse, foi a minha primeira experiência profissional após a faculdade. Este regresso à empresa tem uma grande componente emocional, depois de ter estado noutros fabricantes.
Também vi no seu LinkedIn que trabalhou na Blackberry, na Huawei nos seus anos áureos, na Samsung, Oppo, Xiaomi… É justo dizer que sempre que uma marca quer crescer, liga-lhe?
Acho que houve muitas mudanças no mercado em termos de fabricantes. Este mercado é muito rápido e acho que quando alguém tenta entrar num novo mercado, procura pessoas que sejam uma solução ‘plug and play’, que já conheça todos os clientes e todo o mercado. Suponho que isso foi parte do que aconteceu nos últimos anos.
A Motorola anunciou recentemente o regresso ao mercado português. Imagino que a marca nunca saiu completamente, mas o que está a mudar? Porquê este anúncio e porquê agora?
A Motorola tem mantido uma posição forte noutras regiões fora da Europa, Médio Oriente e África [EMEA] nos últimos dez anos. Portanto, de certa forma, nunca saímos de algumas regiões, como a América do Norte e a América Latina, onde tínhamos uma posição muito sólida e continuamos a tê-la. Contudo, há cerca de cinco ou seis anos, depois de a Lenovo adquirir a empresa em 2014, recomeçaram o negócio noutras regiões, como a EMEA. Nos últimos cinco anos, estabeleceram-se em novos países e focaram-se neles, para que a presença na EMEA cresça de ano para ano. No último ano fiscal, em 2023, Espanha foi um dos países nos quais a empresa decidiu colocar o foco. E Portugal é um dos países onde se vai focar no ano fiscal de 2024. Esta é a razão principal. Queremos realmente ser um parceiro-chave na EMEA, como somos na América Latina e na América do Norte. Esta é a estratégia: a cada um ou dois anos, focamo-nos num país e colocamos os recursos necessários para sermos um parceiro forte nesse país. Agora é Portugal e estou muito contente, entusiasmada e emocionada com esta decisão da empresa, para ser sincera.
Qual é o plano para competir com marcas já bem estabelecidas como a Samsung, Apple e Xiaomi, que dominam o mercado português? Mesmo sabendo que a Motorola tem uma forte ligação emocional com os consumidores, o mercado mudou.
Um dos pilares é maximizar, obviamente, o legado que temos em torno da marca, porque acreditamos que temos um legado forte e sabemos que os consumidores portugueses gostam de soluções inovadoras e fiáveis. Tentamos oferecer esta proposta de valor ao mercado. Queremos ser um pouco mais disruptivos do que os nossos concorrentes em termos de design – por exemplo, todas as histórias em torno da cor Pantone têm uma narrativa interessante para contar aos consumidores finais. Acreditamos que temos propostas excecionais em termos de design e tecnologia nos nossos produtos para tornar a marca ou a nossa proposta de valor diferente daquilo que outros estão atualmente a oferecer no mercado. Não só no segmento de consumo, mas também no segmento empresarial. Este é um dos nossos principais objetivos, não só no mercado português, mas em toda a EMEA. Há um fabricante em particular que é muito forte no segmento empresarial e queremos ser um fornecedor-chave nesse segmento.
A Lenovo tem uma posição muito forte na área dos computadores pessoais, também no segmento empresarial. Pretendem usar essa posição para ajudar a Motorola a ganhar tração, por exemplo, com pacotes combinados de produtos?
Antes de mais, o ADN da empresa, obviamente, é muito forte no segmento empresarial, por isso queremos aproveitar isso e abordar os principais clientes em conjunto, apresentando uma proposta completa. Atualmente, já começámos com esta tipologia de proposta de pacotes combinados com a Lenovo, não só com PC, mas também com tablets, nos quais temos também uma posição muito forte. Esta é uma das estratégias em que estamos a trabalhar com a Lenovo. Além disso, estamos a preparar um portfólio exclusivo da Motorola para o segmento empresarial. Apresentámos recentemente dois dispositivos, há cerca de dois meses, e esta é uma das estratégias-chave para este segmento.
Que dispositivos são esses?
São os Thinkphone: o novo Thinkphone 25 e o Thinkphone G75. Estes são os dois dispositivos que estamos a propor, e a proposta de valor baseia-se principalmente em dois anos de produção total dos dispositivos, cinco anos de suporte completo em termos de atualizações de software e uma embalagem completamente diferente: incluirá o carregador, uns auriculares e um protetor de ecrã. Acho que isto pode ser uma proposta interessante.
Mencionou consumidores e empresas, mas, quando falamos do mercado de smartphones, há uma terceira parte – as operadoras de telecomunicações e as lojas de retalho. Qual é a estratégia? Os consumidores também terão os telemóveis Motorola disponíveis na sua operadora ou na loja habitual?
Temos uma estratégia de canal de venda completa. Estamos a abordar ambos os canais. Atualmente, já estamos em duas das três operadoras em Portugal. Fazemos parte do portfólio da Meo e da Vodafone. Também começámos com os retalhistas, como a Worten, a Fnac e a Rádio Popular. A estratégia para os próximos meses é aumentar a nossa capilaridade no País. Não queremos ser um parceiro menor no mercado. Temos de ser humildes e avançar passo a passo. Não interpretes mal a minha mensagem, mas realmente acredito que precisamos de consolidar a posição a cada trimestre. A nossa ambição é ser um parceiro-chave no País. E para isso, temos de abordar ambos os canais: telecomunicações e retalho.
Disse que pretende avançar passo a passo. Tem algum objetivo específico que gostaria de alcançar no primeiro ano ou nos dois primeiros anos de mercado?
A ambição da empresa é ser agressiva em termos de crescimento, mas também consolidar e avançar passo a passo. Existem alguns países na região EMEA onde já temos 15% de quota de mercado. Em Espanha, apresentámos os resultados do segundo trimestre e atualmente temos 6,4%, segundo a IDC. Se analisarmos o crescimento nos últimos seis trimestres, começámos praticamente do zero e conseguimos atingir esta quota de 6%. A abordagem para Portugal é exatamente a mesma. A ambição é avançar passo a passo, mas com um crescimento significativo trimestre a trimestre.
Mas o mercado português é muito mais pequeno do que o mercado espanhol. Isso traz mais desafios na forma como pretendem alcançar esses objetivos?
Honestamente, vejo desafios muito semelhantes, porque é um mercado muito maduro. Já tivemos uma presença no passado e agora queremos recomeçar. Mas, honestamente, estou bastante otimista e sei que vai ser difícil. Vamos ter de trabalhar muito para alcançar os nossos objetivos. Portanto, não estou a dizer que vai ser fácil, de todo. Mas penso que temos de maximizar a nossa proposta de valor em torno do produto. A estratégia da Motorola baseia-se principalmente no produto: ser fiável, fácil de utilizar e dar um valor acrescentado ao consumidor final. Por isso, estou otimista. Temos de trabalhar muito, mas acredito que será uma história de sucesso.
Há algo específico ou único no mercado português que o distinga do mercado espanhol?
Pelo que vemos em estudos e pela nossa experiência anterior noutros fabricantes, os consumidores portugueses têm um grande foco na tecnologia. Creio que dão mais atenção a isso do que outros mercados. Por esta razão, estamos a destacar aquilo que podemos dar ao cliente final pelo mesmo preço em comparação com outras marcas. Não se trata de posicionar a Motorola no segmento de entrada, mas sim de disponibilizar mais especificações pelo mesmo preço. Penso que esta atenção à tecnologia é bastante relevante no mercado português e é algo no qual estamos a focar-nos.
E que tipo de posicionamento no mercado pretendem ter em Portugal? Como é que a Motorola vai equilibrar a acessibilidade de preço com a aposta em smartphones topo de gama?
Essa é a parte mais difícil. Precisamos de algum volume para alcançar capilaridade, mas também queremos estar muito bem posicionados em termos de valor. Acho que temos de tirar partido de ambos. Para mim, a família Edge é essencial, não só no mercado português, mas em toda a região EMEA, porque é onde podemos realmente mostrar o nosso potencial em termos de produto e design. A família Edge é a chave para transmitir a nossa mensagem ao consumidor e conseguir um bom equilíbrio entre volume e valor. Obviamente, a linha Razr tem um apelo mais emocional, permite ligar-nos emocionalmente ao cliente final. Em termos de design, o que posso dizer? É realmente bonito e permite contar uma boa história em torno das cores, texturas e do design. Contudo, a família Edge, que se situa na gama média-alta do nosso portefólio, é, na minha opinião, a mais crucial.
Aqui vai uma pergunta na qual deve apresentar os melhores argumentos que tiver na manga – porque é que um consumidor português deve comprar um smartphone Motorola e não de outra marca?
Vamos oferecer a melhor experiência. Temos uma diferenciação clara em relação a outros fabricantes em termos de design aspiracional, fiabilidade e duração da bateria. Vai tornar a vida mais fácil, digamos assim. Para mim, estes são os aspetos mais importantes da nossa proposta: fiabilidade, durabilidade da bateria e um dispositivo visualmente apelativo em termos de design. São os três pilares principais para nós.
Como vê a adoção dos dispositivos dobráveis nos mercados espanhol e português? Quando pensamos em smartphones topo de gama, existem duas tipologias: os dobráveis, que são mais futuristas, e os telemóveis ultra-premium, como o iPhone 16 Pro, o Samsung Galaxy S24, entre outros. E estão a entrar nesse segmento com um dobrável. Isso representa um desafio adicional? Ou considera que este é um tipo de dispositivo que os consumidores portugueses já estão a comprar?
Em termos de mercado de dispositivos dobráveis, os modelos concha [flip, no original em ingês] são os que estão mais maduros, se é que podemos falar de maturidade neste tipo de categoria, mas, para mim, é a que está mais consolidada, tanto no segmento de consumo, como no segmento empresarial. Portanto, é nesta que estamos a apostar e é uma aposta a longo prazo para a Motorola. Está realmente consolidada no nosso portefólio e acreditamos que vai crescer ano após ano. Para os primeiros utilizadores deste formato, tudo gira em torno do design, mais uma vez. É bastante curioso, porque, para os homens, uma das principais razões pelas quais mencionam este formato é o tamanho, gostam da possibilidade de ter algo mais compacto. É muito interessante, porque há uma abordagem diferente entre homens e mulheres neste tipo de dispositivo, mas, no final, ambos acabam por valorizar os argumentos relacionados com o design. Por isso, vamos continuar a apostar nesta categoria. Esperamos um aumento de vendas ano após ano, e os preços também estão a ser democratizados. Os fabricantes estão a conseguir baixar um pouco os preços. A Motorola lançou este ano dois dispositivos diferentes, o Razr 50 Ultra e o Razr 50, com uma diferença de preço de 300 euros, o que os tornou mais acessíveis. Estamos realmente a apoiar esta categoria.
Estive recentemente no Lenovo Tech World e uma das principais ideias lá é que estamos a viver a revolução da Inteligência Artificial. E, se uma empresa quer estar bem estabelecida nesta revolução, no caso de um fabricante de hardware, precisa de ter uma boa posição em diferentes segmentos como PC e tablets, mas os smartphones são os computadores que todos trazem consigo o dia todo. E é aqui que a Lenovo/Motorola não tem uma presença tão forte como outras marcas. É por isso que a Motorola está a apostar em novos países? Está a preparar-se para esta revolução da IA e precisa de estar nas mãos dos consumidores, não apenas nos portáteis ou nos tablets?
Sem dúvida. Complementa esta experiência 360º para o cliente final, porque, como disseste, o smartphone é o dispositivo que carregamos connosco o dia inteiro. A médio e longo prazo, a ideia é criar sinergias entre PC, smartphones e também tablets. Obviamente, estamos apenas a começar. Para mim, a história da IA ainda não começou verdadeiramente na nossa vida diária, mas estamos claramente a preparar todo o portefólio, ou seja, PC, smartphones e tablets, para avançar juntos nesta jornada da IA.
Outra coisa que vi lá foi o que a Motorola chamou de Grandes Modelos de Ação (LAM na sigla em inglês) – basta dar uma instrução ao assistente digital, a dizer, p.ex., “preciso de ir para casa”, e o assistente, sozinho, abre a aplicação da Uber, seleciona a melhor viagem e, no final, pergunta: “Organizei esta viagem para ti, custa 10 euros, queres aceitar?”. A questão é que, pelo menos por agora, isso só funciona em inglês. A Motorola está a trabalhar para trazer este tipo de assistência inteligente para outros idiomas, como o espanhol e o português?
Isso acontecerá em breve, sem dúvida. É um grande avanço. Estamos atualmente a abrir a fase de testes. E há muitas novidades em torno do conceito de assistente, captura e criação para o nosso Moto AI. Portanto, certamente, isto será disponibilizado noutras línguas. Estamos a testar esta funcionalidade de automatização de tarefas, aumento da criatividade e captação de momentos. Tudo isto está relacionado com a IA. Sem dúvida que será aberto a outros idiomas.
Como é que a Motorola está a adaptar-se à ascensão de funcionalidades baseadas em IA, seja na fotografia ou na assistência por voz? Quais são os vossos planos nesta área?
Os nossos planos passam pelos pontos que mencionaste. Estão principalmente focados na automatização de tarefas. Para mim, esta é a aplicação-chave que precisamos de destacar, mas também envolve criatividade, fotografia e edição de conteúdos. Há ainda muita informação que ainda não está oficialmente divulgada. Voltaremos com uma explicação mais abrangente sobre a direção que estamos a seguir em termos de IA.