A Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) divulgou hoje uma lista de 14 tarifários de internet móvel que não respeitam o Regulamento do Mercado Único das Telecomunicações da UE. Em conferência de imprensa realizada esta quarta-feira, a reguladora das comunicações fez saber que todos estes 14 tarifários não respeitam a regra conhecida por Roam Like at Home, que determina que nenhum operador pode apresentar aos consumidores em trânsito na UE condições diferentes daquelas disponibilizam nos países de origem. Alguns dos tarifários também violam a alínea do regulamento sobre a Neutralidade da Internet, ao criarem condições mais favoráveis, no que toca aos custos e ao tráfego disponível, para determinadas apps e serviços de Internet, em detrimento de serviços concorrentes. Na lista anunciada pela Anacom, figuram seis tarifários da Meo, seis tarifários da Vodafone e dois da Nos.
Por enquanto, o relatório apresentado hoje apenas contém o sentido provável de decisão final. Os três operadores vão dispor de cerca de quatro meses para proceder às alterações determinadas pela Anacom – mas não restam dúvidas de que vão escapar a qualquer coima ou sanção. Até porque, como a Exame Informática noticiou no final de 2017, o governo ainda não adaptou a Lei das Comunicações Eletrónicas para contemplar as coimas que podem ser aplicadas aos casos de violação da neutralidade da Internet, apesar de a Anacom já ter apresentado em 2016 uma proposta sobre a matéria.
Mesmo sem poder lançar mão de sanções, João Cadete de Matos, presidente da Anacom, reiterou a esperança de que «os operadores cumpram a lei, sem a necessidade de abertura de contra-ordenações». O líder da Anacom classificou a atualização da lei como «prioritária», mas também lembrou que o regulador optou por «não ficar à espera da vertente sancionatória para poder fazer respeitar a legislação europeia». Já em agosto, durante o caso do upgrade de tarifário que era automaticamente efetuado junto de consumidores da Meo que não se pronunciavam contra, a questão sancionatória se havia colocado devido à sobreposição da Lei das Comunicações Eletrónicas, a Lei dos Contratos à Distância, e a Lei do Consumo, recordou João Cadete de Matos.
Desta vez, a falta de sanções previstas pela lei volta a colocar-se, mas apenas parcialmente: ao contrário das violações relacionadas com a neutralidade da Internet, na legislação em vigor para o roaming, o regulamento já prevê a aplicação de sanções quando os tarifários pecam pela falta de transparência. O que permite levar a crer que os operadores que não respeitaram a regra Roam Like At Home possam eventualmente ser penalizados, caso tenham incorrido na falta de informação para os consumidores.
Na Meo, os tarifários identificados como estando a lesar as regras do roaming e/ou da neutralidade da Internet são: Smart Net, Moche Legend, M5O Giga, M5O, M4O Giga, M3O Net. Na Nos, os tarifários alvo de reparo da Anacom são: WTF e Nos Indie. Na Vodafone, os tarifários irregulares são: Yorn X, Vodafone Plus, Vodafone Up, Tv+Net+Voz+Móvel(10GB)+Internet Móvel, Tv+Net+Voz+Móvel(5GB) e Tv+Net+Móvel(3GB).
Os responsáveis da Anacom esclarecem que não detetaram, através da análise das condições comerciais divulgadas pelos operadores, práticas lesivas da neutralidade da Internet na rede fixa – o que não impediu de apontar o dedo às componentes de Net móvel de alguns pacotes de tarifários que incluem mais do que um serviço de telecomunicações (exemplo: Internet fixa+Internet móvel+ TV+ Telefone). Outro dado que merece destaque no conjunto de pacotes comerciais que levaram à tomada de posição da Anacom: Muitos dos tarifários são considerados tribais (fornecem condições mais favoráveis para membros de um ou mais grupos de utilizadores). Na origem da violação da neutralidade da Internet estarão as denominadas práticas de zero rating, que permitem que um operador não contabilize o tráfego efetuado para algumas aplicações, enquanto noutras, sejam elas concorrentes ou não, a contabilidade do tráfego continua a ser feita.
No caso do Roam Like at Home, a solução poderá passar por manter as mesmas condições que os operadores já disponibilizam quando os consumidores estão em Portugal. Quanto à potencial violação da neutralidade da Internet, a Anacom propõe que um consumidor possa recorrer ao plafond de dados que o tarifário limita para algumas aplicações, sempre que se esgota o tráfego que está disponível para outras aplicações cujo tráfego é contabilizado para efeitos de tarifário. A extensão de um dia ou de uma quantidade de tráfego predefinida é outra das soluções propostas pela Anacom para os casos em que o tráfego para todas as apps e serviços na Internet se esgota.
Os responsáveis da Anacom informaram ainda que se segue agora um período de 25 dias úteis de consulta pública, que é seguido de um segundo período de 40 dias úteis para a alteração das práticas que foram alvo de reparo da reguladora das telecomunicações.
Os operadores optaram por não esgotar o período de consulta pública para redigirem uma reação à tomada de posição da Anacom sobre os 14 polémicos tarifários. Ainda a conferência de imprensa de hoje se encontrava a meio do curso, e Meo, Nos e Vodafone enviaram para as redações um comunicado conjunto que manifesta «perplexidade» com a tomada de posição da Anacom.
Além de considerar que a Anacom não procurou dialogar antes de determinar a mudança de tarifários e de alegar dúvidas quanto às interpretações geradas pelo regulamento das telecomunicações no que toca à neutralidade da Internet, os três operadores alegam que a tomada de posição da Anacom «prejudica gravemente os interesses dos consumidores, na medida em que vem banir um conjunto de ofertas que os clientes querem e procuram»
«Os operadores aguardam há dois anos pela visão do regulador que, não tendo veiculado qualquer entendimento orientador que permitisse ao setor enquadrar as suas ofertas, levou a que estes tivessem de assumir a iniciativa de interpretar o Regulamento por forma a responder às necessidades dos clientes», refere o comunicado conjunto dos operadores.
Uma vez que alguns jornalistas leram o comunicado conjunto enquanto decorria a conferência de imprensa, João Cadete de Matos teve a possibilidade de defender a sua posição, remetendo para posições similares tomadas por outras autoridades europeias: «Temos de ouvir os operadores para saber o que andam a fazer, mas as nossas decisões são soberanas e totalmente independentes».
«Este é o momento de começar a ouvir os operadores», esclareceu o responsável pelo regulador, que não se coibiu de lembrar que esta tomada de posição pretende salvaguardar o futuro e o espírito empreendedor e de inovação na Internet.