Stephen Hawking ou António Guterres? As previsões do primeiro acabarão sempre por produzir efeito no trabalho de quem tem o cargo do segundo. E Stephen Hawking, convidado surpresa que chegou ao palco principal no primeiro dia de Web Summit por via de transmissão de vídeo, começou por prever que, na próxima década, a Inteligência Artificial (IA) acabará por superar a inteligência humana. «Poderemos erradicar pobreza e doenças. E todos os aspetos da nossa vida podem vir a mudar – mas não sabemos. Podemos ser beneficiados, ignorados ou destruídos», avisou o pensador, conhecido por sofrer de uma doença neurodegenerativa severa, que acabaria por não o impedir de dar a conhecer algumas das previsões mais futuristas da atualidade.
António Guterres chegou ao palco tendo a licenciatura em engenharia como cartão-de-visita e não se esqueceu de reiterar a importância de puxar a inovação para o lado bom da barricada: «A ciência e a tecnologia não são neutras: podemos usar a genética para livrar-nos de doenças, mas também podemos usar a mesma genética para criar monstros».
Estará o secretário-geral das Nações Unidas a dar o toque de reunir para travar a marcha do mundo? Antes pelo contrário: «Há a estúpida reação de impedir a inovação. E é uma reação estúpida porque é impossível pará-la e impede-nos de tirar partido dos benefícios dessa inovação».
E quais os benefícios que o secretário-geral da ONU aponta como prioritários para a ciência e para as tecnologias? O aquecimento global que promete acelerar a escassez de água, comida, furacões, migrações, e que poderá tornar-se catastrófico se alcança os três graus centrígrados nos próximos tempos, e a desigualdade no mundo – em especial nos subúrbios e nas cinturas industriais. Depois de confirmar que o mundo realmente está a evoluir no sentido correto em muitas vertentes, Guterres lá deu o mote: «a solução está em antecipar a mudança».
É possível que Margrethe Vestager, Comissária Europeia da Conmcorrência com vários ódios de estimação em Silicon Valley, tenha aplaudido o discurso de Guterres, mas não se ficou atrás nas mensagens inspiradoras que ecoaram num Altice Arena à cunha: «Temos de recuperar a democracia de volta. Não a podemos deixar que seja tomada pelo Facebook ou pelo Snapchat».
Tendo em conta as multas milionárias que têm sido aplicadas a empresas como a Google, Apple e Intel, é de crer que a intrepidez de Vestagher é para levar a sério. E pelos aplausos gerados numa plateia largamente dominada por europeus, tudo leva a crer que não lhe faltará apoio político na UE.
A todos os que gostariam de ser a próxima Google, Margrethe Vestager lembrou que a inovação pressupõe competição: «quando se cresce nunca se deve negar aos outros a hipótese de nos desafiarem». Pelo meio ainda houve tempo para uma promessa que terá deixado os líderes da Apple com as orelhas a arder, devido à fuga fiscal protagonizada anos a fio através da delegação irlandesa: «Temos de reinventar os impostos para garantir que todos os países recebem os impostos de forma justa».
Depois de ter contado com uma estrela em ascensão como Nuno Sebastião e a “sua” Feedzai, e ainda os avisos de Brian Johnson, da Kernal, que exortou à erradicação do conceito de inimigo, Paddy Cosgrave, o mentor da Web Summit que nunca esquece que a primeira edição do evento apenas contou com 400 participantes, pôde então fechar com a “prata da casa” e oficialmente dar início àquela que pretende ser a maior conferência empreendedorismo do mundo. António Costa, primeiro-ministro de Portugal, e Fernando Medina, presidente da câmara de Lisboa não enjeitaram a oportunidade mediática – e o líder do governo não esqueceu os “locals” com parte do discurso em português. A tradução automática haveria de tomar a palavra «portugueses» por «pork», e na plateia não houve mostras de falta de fairplay – apenas sorrisos, como só os portugueses costumam ter para se rir de si próprios. As apresentações estavam feitas. Os confetis coloridos começaram a cair naturalmente sobre uma plateia de jovens em expectativa sobre se os próximos três dias mudam o mundo, ou apenas as suas vidas.