Durante três dias de Outubro, a Dell voltou a tomar conta de Austin. A cidade onde Michael Dell frequentou a universidade e onde, há mais de 30 anos, criou aquela que se tornou uma das maiores empresas de PCs a nível mundial, foi invadida por milhares de visitantes durante os três em que durou o Dell World. O maior evento mundial da companhia reuniu jornalistas, parceiros, clientes, expositores e funcionários para, como é habitual neste tipo de certames, mostrar as mais-valias das suas soluções. Não faltou a receção aos convidados com um concerto de John Mayer, keynotes de Michael Dell e até a aparição surpresa de Satya Nadella, CEO da Microsoft. O problema foi o elefante na sala: a aquisição da EMC. Todos queriam falar do negócio, mas ninguém podia acrescentar nada. Com o processo a seguir os trâmites legais até estar oficialmente concluído, Michael Dell não podia arriscar a “mandar-se para fora de pé”. O resultado foi uma conferência de imprensa caricata, com o responsável máximo da companhia a responder com monossílabos (“sim” e “não”, principalmente) às questões levantadas, sorrindo com frequência e acrescentando que não podia adiantar mais informações. Aproveitando a ocasião, a Exame Informática tentou saber mais sobre os planos da Dell para o mercado de consumo e entrevistou David Schmoock, Presidente de Global Sales Client Solutions, que é como quem diz o responsável máximo para esta área.
Exame Informática: Michael Dell referiu que os PCs continuarão a ser uma parte essencial na estratégia da Dell após a aquisição da EMC. Como é que vê o futuro dos PCs Dell? Ainda há espaço para os portáteis “clássicos” ou o foco estará cada vez mais em outros form factors, como híbridos e convertíveis?
David Schmoock: Estou neste negócio há muito, muito tempo. Sempre que há novos form factors recorro à analogia da expansão da caixa de ferramentas – creio que uma não substitui a outra. Já vi chegar thin clients, netbooks, All-in-Ones, tablets… Para mim, o bolo aumenta, porque dá mais poder de escolha aos consumidores. Portanto, estou excitado com toda a nova tecnologia, porque, apesar do PC já existir há tanto tempo, há sempre inovação – como a Dell fez agora com XPS e o ecrã InfinityEdge (ndr: as molduras são reduzidas, pelo que se ganha mais espaço de visualização), em que quase que temos um monitor de 15” num portátil de 13”. Podemos debater se os híbridos se encaixam no mercado dos destacáveis ou dos convertíveis, mas tudo depende daquilo que o utilizador quer. Toda esta escolha é algo de bom. Portanto, ainda vejo lugar para o portátil de concha no mercado, tal como vejo os 2-em-1 a crescerem, fruto do atual momento da mobilidade. Também não significa que os desktops deixem de existir, mas já estão em declínio há algum tempo e neste mercado também vejo uma maior adoção de All-in-Ones.
Ainda acredita que há um futuro para os tablets?
Acho que os tablets ainda têm um lugar. Houve uma altura em que se falou que os tablets iam matar os PCs. Nunca acreditei nisso, mas também não acho que os tablets vão desparecer. Houve um grande pico na procura e agora está a chegar-se aos níveis onde deverá ficar. Os consumidores usam-nos e há muitas aplicações maravilhosas, embora muitas pessoas olhem para o mercado de 2-em-1 para encontrar o tablet de que precisam, porque basta-lhes juntar um teclado e passa a ser um dispositivo para produtividade. No mundo comercial, acho que o tablet ainda precisa de evoluir, para contar com mais e melhores aplicações para setores como educação e retalho. Do lado do consumidor, é um dispositivo para visualizar conteúdos, jogar e consultar redes sociais. Ainda acho que, quando as pessoas querem fazer algo do ponto de vista da produtividade, vão ter de usar um 2-em-1 ou ter um ambiente de multidispositivos. Por exemplo, a minha casa é um mundo de multidispositivos: os meus filhos têm All-in-Ones onde fazem os trabalhos de casa e depois usam os tablets nas várias divisões da casa. Todas as casas são diferentes, mas acredito que será um mundo de multidispositivos, especialmente nos países maduros. Nos mercados emergentes, a questão é como se consegue colocar o poder computacional nas mãos das pessoas e tem-se mais em conta o preço, pelo que aí será mais um ambiente de um único dispositivo.
Na sua opinião, por que é que dispositivos como os Chromebooks nunca tiveram sucesso na Europa?
O que tenho visto é que os Chromebooks têm sido bem-sucedidos na Educação. Há um pouco de mercado de consumo nos Estados Unidos, mas os Chromebooks têm tido uma utilização muito específica no ensino básico. Há algum do mercado que é retalho, mas julgo que ronda os 5 a 6%. O sucesso na Educação está a começar a replicar-se no Reino Unido e, a longo prazo, eu teria atenção no resto da Europa.
Como vê o segmento de gaming, que, ao contrário do restante mercado de PCs está a crescer? O que podemos esperar para o futuro?
Adoro o gaming e acho que o que a Alienware está a fazer é magnífico. O meu filho tem um portátil Alienware com uma caixa de acelerador gráfico, o que lhe permite estar sempre a atualizar a placa gráfica. A Alienware está a fazer coisas muito interessantes – não é apenas um PC, é também os monitores curvos e como os jogos podem ser desfrutados em ambientes de múltiplos monitores. Para quem é gamer, isto é o nirvana. Para quem é um jogador hardcore, a Alienware é de longe a experiência mais otimizada, mas o XPS 15 também garante um equilíbrio entre um design elegante e estabilidade para jogar – não é performance pura como um Alienware, mas proporciona uma boa experiência de jogos. Acreditamos que o gaming é uma categoria de crescimento e é algo que apela a uma faixa etária mais nova. Por exemplo, tenho de racionar o tempo de computador do meu filho para ele não abusar e jogar em demasia. Se tiver por base o grupo demográfico dos meus filhos e dos amigos, eles levam os jogos muito a sério, não é uma visualização passiva de conteúdo – é uma experiência imersiva e com muita interação, pelo que o tal desempenho é exigido. O meu filho passa mais tempo no computador a jogar do que a ver televisão.
Acha que alguma vez veremos a Dell fazer uma aquisição como fez com a EMC para a área de smartphones?
Embora não saiba de nada, também não creio que venha a acontecer. É um modelo de negócio completamente diferente e as coisas que temos feito até agora são muito sinergéticas na forma como abordamos o mercado. No meu horizonte de tempo, não vejo a Dell a reentrar nesse segmento.
A Dell é número 3 nos PCs a nível mundial, mas foi quem registou o maior crescimento no último trimestre. Contudo, a quota de mercado ainda é menos de metade dos concorrentes HP e Lenovo. Prevê que essa diferença se venha a esbater a curto e médio prazo?
Antevejo que essa diferença vá diminuindo. Está a haver consolidação na indústria. Os três maiores têm cerca de 55% do mercado atualmente e em 2020 deverão ter 75%. Se olharmos para a Dell no mercado empresarial, estamos muito próximos, a maior diferença está no consumo. Não atuamos de forma tão abrangente no mercado de consumo a nível global como alguns dos nossos competidores. Preferimos crescer lentamente a nossa pegada no consumo – é parte da nossa estratégia – e de forma muito metódica. Pessoalmente, acredito mais numa estratégia de profundidade do que de cobertura. Quero entrar num mercado em profundidade e fazê-lo bem para depois poder avançar para o próximo e assim sucessivamente. Acho que isso é essencial para a nossa estratégia: termos uma relação profunda com os retalhistas, em vez de atacarmos todos os mercados e vermos quais os que funcionaram. Temos nove mercados estratégicos em que estamos muito fortes no consumo – cinco dos quais atacámos nos últimos três anos: Estados Unidos, Canadá, Brasil, China e Índia, nos quais ganhámos quota de forma consistente em todos os trimestres. Este ano expandimo-nos para o Japão, Indonésia, México e Reino Unido. Estamos a ir atrás dos que consideramos estrategicamente importantes.
E onde é que encaixa a Europa continental nessa estratégia?
Já apostamos um pouco no mercado de consumo de alguns países europeus, através de distribuidores, e o Reino Unido é o nosso ponto de entrada para depois nos expandirmos.