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No dia 31 de outubro de 2011, o gabinete da secretária de Estado do Tesouro e das Finanças recebeu um ofício do Ministério da Educação e da Ciência (MEC) com o objetivo de desbloquear a verba necessária para pagar o acesso à Internet e a conectividade de mais de 6000 escolas públicas e 20 organismos que mantêm operacional o sistema de ensino no território continental. O ofício tinha a assinatura de Eduardo Costa Fernandes, chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar. Passados 28 dias, o ofício passou a contar também com a de Maria Luís Albuquerque, que era na altura secretária de Estado do Tesouro e das Finanças e que hoje é ministra de Estado e das Finanças. Com as duas assinaturas, o MEC ficou autorizado a pagar por ajuste direto o valor devido à PT pela manutenção da segunda maior rede informática do País (só suplantada pelo Multibanco) e a proceder a mais uma extensão de um contrato que deveria ter terminado em novembro de 2010. Entre o final de 2011 e a atualidade, o mesmo contrato foi sujeito a várias extensões – mas o MEC recusa informar quantas foram feitas e o custo total que tiveram para o erário público.
Ao contrário dos custos, a origem das extensões de contrato que foram efetuadas desde o final de 2010 é bem conhecida: o Concurso Internacional para seleção dos operadores que vão manter a rede das escolas operacional está atrasado em mais de três anos e, na melhor das hipóteses, só deverá ficar concluído em março, soube a Exame Informática junto do MEC. O que, eventualmente, poderá implicar o pagamento de mais uma extensão à PT pela manutenção da operacionalidade da rede, até à entrada em funções de um novo operador (caso o serviço seja atribuído a um concorrente da PT).
Em novembro de 2011, o MEC liderado por Nuno Crato tinha apenas seis meses de função. Mas não deverá ter demorado muito a descobrir um dossiê especialmente premente, que foi herdado da antecessora Isabel Alçada: o concurso para a seleção do operador incumbido de ligar todas as escolas públicas e organismos do MEC estava por lançar. Resultado: o MEC não tinha ainda escolhido um operador para manter o serviço durante um novo contrato, mas tinha de continuar a pagar a rede que liga escolas e diversos departamentos ministeriais, ainda que recorrendo a extensões que a legislação atual restringe.
Perante tal cenário, a recém-chegada equipa de Nuno Crato não terá tido muita margem de manobra: «A descontinuidade deste serviço impossibilita a manutenção da atividade normal das referidas entidades, uma vez que boa parte dos seus serviços é prestada por via eletrónica e terá um impacto direto sobre o funcionamento de todas as escolas públicas do país e todos os organismos do MEC», lembra o mesmo ofício em que o Gabinete do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar solicita a autorização para pagar, através de um ajuste direto, a extensão do serviço de conectividade assegurado pela PT.
No ofício assinado por Eduardo Costa Fernandes não é referida a duração do serviço pago por ajuste direto. Há apenas a menção de que são mantidos «os preços atualmente praticados» e que o MEC não será sujeito «a uma situação mais onerosa do que a que atualmente existe». O ofício refere ainda que foi tentada uma consulta junto dos operadores de telecomunicações que assinaram o Acordo Quadro da Agência Nacional de Compras Pública (ANCP) e que apenas permitiu apurar ofertas que rondavam 2,95 milhões de euros para a manutenção da rede das escolas durante três meses. Este valor contrastava de sobremaneira com o montante previsto pela extensão do contrato celebrado com a PT (pouco mais de um milhão de euros), através de um ajuste direto.
Além dos valores apresentados pelos fornecedores registados na ANCP excederem aqueles que foram propostos pela PT Comunicações ao abrigo do contrato que vigorou entre 2008 e 2010, o MEC deparou com mais um entrave aparentemente inultrapassável: A PT Comunicações era o único operador que «reúne as condições técnicas e operacionais para garantir a continuidade dos serviços prestados».
Esta última razão de ordem técnica prende-se com o facto de ter sido a PT Comunicações a instalar os circuitos que ligam as escolas. Qualquer outro operador alternativo que, eventualmente, venha a ser selecionado num futuro concurso terá sempre de instalar novos circuitos, ou em alternativa, recorrer aos circuitos da PT. Seja devido às obras exigidas, ou à negociação implicada no aluguer de circuitos, a hipotética transferência do serviço para outro operador exigirá sempre tempo e operações no terreno – e eventualmente mais extensões ao contrato assinado com a PT.
Questionado pela Exame Informática, o Gabinete da Ministra Maria Luís Albuquerque justifica a aprovação do ajuste direto com uma única frase: «Foi proferido pela então Secretária de Estado do Tesouro e Finanças, com base no parecer favorável da Agência Nacional de Compras Públicas, a aquisição fora do acordo–quadro considerando os argumentos apresentados pela Secretaria de Estado do Ensino e da Administração Escolar».
O parecer da ANCP é mais do que um simples detalhe burocrático: desde 2007 que vigora um decreto que impede os organismos de Estado de recorrer ao ajuste direto para um conjunto de bens e serviços definido por duas portarias. Só com a autorização de um responsável do Ministério das Finanças o ajuste direto pode ser aprovado em regime de exceção – desde não seja de forma continuada, e seja apresentada fundamentação para recorrer a esta forma de celebração do contrato.
O Presidente da ANCP, Paulo Magina, emitiu um parecer favorável ao ajuste direto, que foi enviado para a então Secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, mas coloca duas advertências: 1) A ANCP considera que os serviços que são alvo do ajuste direto não estão «fora do acordo quadro», apesar de admitir que este acordo assinado com os fornecedores de telecomunicações para organismos do Estado necessita de ajustes no que toca a custos e requisitos mínimos; 2) o parecer favorável da ANCP deve ser aplicado apenas à rede das Escolas, e por isso não deve estender-se a outras contratações que a Secretaria de Estado do Ensino e da Administração Escolar possa vir a fazer no âmbito dos acordos quadro que estão em vigor na ANCP.
As extensões o ministério não revela
Apesar do alerta inserido no parecer da ANCP, o MEC não deixou de fazer extensões ao contrato que deveria vigorar entre 2008 e 2010 – e só em junho de 2013 lançou um Concurso Internacional para a escolha dos operadores que deverão assegurar a manutenção da rede das escolas.
O MEC recusa fornecer dados sobre o número e o valor das extensões de contrato que foram efetuadas sem o lançamento do devido concurso, mas noutros organismos e repositórios do Estado é possível obter informação reveladora dos custos que o atraso no lançamento do concurso internacional teve para o erário público nos últimos três anos.
No Tribunal de Contas, uma auditoria ao Plano Tecnológico da Educação revela que o contrato que vigorou entre 2008 e 2010 (assinado por MEC e PT) foi sujeito a uma extensão de seis meses, que juntamente com um aumento da largura de banda contratada, fez com que o custo do serviço passasse de 8,9 milhões de euros para pouco mais de 11 milhões de euros. A extensão, ainda que justificada como decorrente de um aditamento ao contrato, foi alvo de reparos do juiz responsável pela auditoria e exigiu mesmo o contraditório dos responsáveis da MEC.
Ainda no Tribunal de Contas, encontram-se três processos sujeitos a "visto": 1) um contrato que remonta a 2008 e que foi visado; 2) um segundo contrato que foi «devolvido não sujeito a visto» e que diz respeito a um acordo extrajudicial entre MEC e PT Comunicações e que visava regularizar a prestação de serviços de ligação das escolas públicas entre 12 de junho de 2011 e 12 julho de 2011; e 3) em 2013, deu entrada um contrato, celebrado no âmbito de um acordo quadro da ANCP, para a ligação entre todas as escolas públicas do continente e organismos tutelados pelo MEC. Este último processo, que foi devolvido pelo juiz a fim de proceder à recolha de esclarecimentos adicionais, diz respeito a um contrato de 436 mil euros e permite concluir que, à falta de um concurso e de um novo contrato, o MEC passou a enveredar pelos acordos quadro da ANCP.
No site Base.gov, são dois os registos que se destacam: 1) um contrato datado de 30 de outubro de 2012, que ficou orçado em 3,3 milhões de euros relativos ao serviço prestado pela PT Comunicações durante seis meses e 27 dias. Este contrato, que está classificado como um concurso, também foi assinado ao abrigo de um acordo quadro da ANCP, recorrendo a um artigo da legislação que permite assinar um contrato com uma única entidade (neste caso a PT Comunicações); 2) Em dezembro de 2012, o MEC voltou a recorrer ao ajuste direto para assinar um contrato de 133 mil euros que deverão pagar 10 dias de interligação das escolas. Neste caso, o MEC invocou “ausência de recursos próprios” e alegou consonância com um artigo do Código de Compras Públicas que admite o ajuste direto a título excecional, por necessidade imperiosa que não envolva custos acrescidos face a outros contratos assinados anteriormente.
No final de 2012, uma resolução do conselho de ministros lembra que a «interrupção dos serviços prestados teria consequências graves para o regular funcionamento deste Ministério (MEC)» e aprova o pagamento de 7,98 milhões de euros à PT Comunicações. Ao que a Exame Informática apurou, esta última verba teria como objetivo saldar os serviços que a PT Comunicações prestou desde 26 de julho de 2011 até ao final de 2012. Mas não foi a última verba a ser aprovada numa resolução de conselho de ministros para pagar a conectividade das escolas: em abril de 2013, o Governo aprova a realização de despesa até um máximo de 14,5 milhões de euros para a manutenção da ligação entre escolas até 2017. Para 2013, foi fixado um teto máximo de 1,6 milhões de euros.
A soma de todos os montantes registados no Tribunal de Contas, Diário da República e repositório Base não pode ser tomada como o valor total das extensões do contrato da rede das escolas. Nem todos os registos revelam as datas e a duração das extensões; e do mesmo modo que não é possível apurar em que momentos e tranches foram aplicadas as diferentes verbas, também não é possível garantir que algum destes valores, na verdade, diz respeito a mais do que uma extensão. São contas que só o MEC poderá revelar.