A Inspeção Geral de Atividades Culturais (IGAC), a Associação que representa os operadores de telecomunicações (APRITEL) e as associações FEVIP, GEDIPE, e MAPINET que representam produtores, revendedores e autores de vídeos assinaram um acordo em dezembro com vista ao bloqueio temporário das transmissões ilegais de jogos do campeonato nacional de futebol na Internet. O acordo, que não mereceu qualquer divulgação pública, começou a ser implementado a meados de dezembro – mas só terá produzido maior impacto entre os adeptos que recorrem a sites piratas no “clássico” Sporting-Porto que decorreu no passado fim de semana.
De acordo com a IGAC, o acordo prevê o bloqueio de todos os streamings de eventos desportivos ou artísticos que não estão autorizados, mas a Exame Informática apurou que, até à data, apenas os jogos cujos direitos são detidos pela Sport TV foram alvo de bloqueio temporário, que é determinado na própria hora. Os bloqueios temporários vão manter-se em todos os fins de semana – e esta sexta-feira à noite, que conta com jogos de Benfica e Porto não escapará à fiscalização tecnológica.
Questionada pela Exame Informática, a IGAC justifica a assinatura do novo acordo antipiratiaria com a necessidade de criar mecanismos mais expeditos para o bloqueio de streamings piratas. «Os eventos em direto e ao vivo, pela sua própria natureza e sob pena de inutilidade, exigem uma atuação mais célere das entidades envolvidas no decurso das transmissões não autorizadas», afirma Silveira Botelho, Inspetor Geral de Atividades Culturais.
Desde 2015 que diferentes sites piratas têm vindo a ser bloqueados no âmbito de um Memorando de Entendimento que juntou várias entidades da indústria cultural. Silveira Botelho defende que «o Memorando de Entendimento não foi destinado a eventos em direto e ao vivo» – e terá sido essa essa a principal razão que levou à assinatura do novo Acordo.
À semelhança do Memorando de Entendimento, o bloqueio temporário de streamings também recorre à tecnologia da produtora de software e boxes de TV que dá pelo nome de Nagra – mas neste caso o bloqueio é determinado pouco antes dos eventos desportivos em causa, enquanto o Memorando de 2015 determina que as entidades que gerem os direitos de autor apenas devem propor o bloqueio de conjuntos de sites piratas com uma periodicidade quinzenal, mediante a apresentação de provas de que os sites estão a disseminar conteúdos não autorizados. Confirmada a ilegalidade pelos profissionais da IGAC, os operadores de telecomunicações tratam então de proceder ao bloqueio dos endereços piratas, por períodos mínimos de 12 meses, através da identificação do nome de domínio usado.
O novo acordo usa a mesma tecnologia e tem os mesmo objetivos do Memorando – mas é mais expedito: os detentores dos direitos notificam a IGAC, que terá a responsabilidade de autorizar ou não o bloqueio a ser aplicado pelos operadores de telecomunicações. Além de um processo mais rápido, que é decidido na própria hora, o Acordo distingue-se do Memorando pelo facto de aplicar bloqueios temporários. Assim que as transmissões oficiais dos jogos ou outros eventos terminam, o bloqueio aos sites piratas é levantado.
Enquanto dura o bloqueio, os internautas que visitarem os sites piratas em causa deparam apenas com um aviso com os logotipos da IGAC e da PJ. A PJ não assinou o acordo, mas deu a autorização do uso do respetivo logotipo, para situações relacionadas com a prevenção e o bloqueio de sites piratas. E é por isso que figura no aviso dos bloqueios de streamings piratas, apurou a Exame Informática junto da Judiciária.
Apesar da discrição do acordo e de a tecnologia usada não ser infalível, o bloqueio dos sites de streaming pirata não passou despercebido aos internautas. Na secção portuguesa do Reddit, foram vários os utilizadores que se queixaram do bloqueio a que foi sujeito o Sporting – Porto do fim de semana passado. Estas reações coincidem com a tese de que só agora o Acordo começou a produzir efeitos de maior escala.
Paulo Santos, diretor da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP) e da Associação para a Gestão De Direitos De Autor, Produtores E Editores (GEDIPE), e presidente do Movimento Antipirataria na Internet (MAPINET), confirma que a tecnologia usada no Acordo é a mesma do Memorando, e garante que o bloqueio do streaming de jogos de futebol é para manter nos próximos tempos: «A metodologia utilizada para os live events transmitidos ilegalmente através da internet será usada sempre que necessária, e que os recursos disponíveis o permitam».
Apesar de aplicável a todas as transmissões de TV em direto até à data, o Acordo de bloqueio de sites de streaming apenas tem incidido em transmissões da Sport TV, com especial incidência nos jogos de campeonato de futebol português, apurou a Exame Informática.
«O acordo aplica-se a todos os eventos em direto e ao vivo e está aberto à adesão de outras entidades que pretendam contribuir para o alcançar dos objetivos nele previstos e que aceitem os respetivos termos e condições», refere Silveira Botelho.
O líder da IGAC refere ainda que as entidades que pretendam aderir ao sistema de bloqueio deverão comprovar a titularidade dos direitos das transmissões que foram alvo de pirataria, bem como fornecer dados sobre a «indicação da localização exata do sinal de televisão do organismo de radiodifusão ilicitamente disponibilizado, através da designação do sítio, página ou blogue e nome de domínio e subdomínio, sempre que aplicável, e a data e hora em que foi verificada a respetiva utilização».
Eduardo Santos, responsável pela Associação de Defesa dos Direitos Digitais (D3), diz que desconhece o Acordo dos bloqueios temporários – mas considera que este tipo de mecanismo não se justifica: «A D3 opõe-se a acordos voluntários deste tipo, como o memorando criado em 2015. São esquemas para evitar aquela que deveria ser a via normal para uma medida deste tipo: o recurso aos tribunais. Acontece que a via judicial garante aos cidadãos um sistema minimamente justo, próprio de um Estado de Direito, com garantias processuais, audição de partes interessadas, recurso de decisões, etc.. Assim, e porque as medidas que normalmente se querem implementar através destes acordos teriam grandes dificuldades, primeiro em assentar num quadro legal prévio que fosse democraticamente aprovado, e depois em subsistir ao crivo de um Tribunal, a solução imaginativa foi criar este tipo de acordos chamados “voluntários” – embora por norma sejam os governos os grandes promotores destes acordos», defende Eduardo Santos, num e-mail enviado para a Exame Informática.
Os responsáveis da IGAC e das associações de produtores de vídeos consideram que é ainda prematuro apresentar um primeiro balanço sobre os efeitos produzidos pelos bloqueios temporários dos streamings de jogos. Paulo Santos também prefere não avançar com uma estimativa do número de sites dedicados ao streaming de vídeos piratas que hoje estão disponíveis em Portugal, mas não tem dúvidas de que produz efeitos no negócio de operadores e empresas que distribuem conteúdos pagos através dos serviços de TV.
«A verdade é que esta atividade criminosa é geradora de prejuízos consideráveis e poderá estar a pôr em causa o normal funcionamento das entidades que adquirem os respetivos direitos, podendo, no final do dia, levar a que no futuro as receitas dos clubes de futebol, relativas a direitos televisivos, sofram uma redução drástica que terá, obviamente, consequências negativas na capacidade desportiva dos mesmos. Se isto é verdade para o mundo do futebol, é também uma realidade para outras manifestações culturais que sejam alvo de transmissão televisiva ao vivo», conclui Paulo Santos.