O problema não é de agora, mas foi preciso uma eleição presidencial para se ter a verdadeira noção do impacto que pode ter. Referimo-nos à problemática das notícias falsas que circulam na Internet, particularmente nas redes sociais, e que são partilhadas milhares de vezes e tomadas por verdadeiras por muitos internautas. Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e muitos dedos começaram a ser apontados à Facebook e à Google, acusando as empresas de pouco fazerem para impedir a disseminação de conteúdos falsos que, alegadamente, fizeram pender a balança para o lado do milionário.
Mas vamos por partes. O que são, afinal, estas notícias falsas? Na maioria dos casos, são conteúdos produzidos com o intuito de se tornarem virais, ou seja, têm o objetivo de chegar rapidamente a um público vasto para se poder lucrar com publicidade. A verdade dos factos fica relegada para segundo plano e os autores tanto podem ser adolescentes na Macedónia como empreendedores nos Estados Unidos, por exemplo. E o crime compensa, neste caso, já que a remuneração mensal proveniente do AdSense (a plataforma da Google que permite ganhar dinheiro através do posicionamento automático de anúncios num website) pode chegar aos 10 mil dólares, ou seja, cerca de 9400 euros.
Peguemos em três notícias que circularam na Internet nas últimas semanas: Papa Francisco apoia Donald Trump; agente do FBI que investigava casos dos emails de Hillary Clinton foi encontrado morto; Donald Trump afirma em 1998 que se viesse a candidatar-se a presidente seria pelo Partido Republicano porque tinha os eleitores mais burros. Estas três notícias têm em comum o facto de… serem falsas.
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Da esquerda à direita e do 1% aos 99%
O impacto real das notícias falsas na eleição de Trump ainda carece de confirmação científica, mas os dados recolhidos até agora deixam indicadores preocupantes e afetam tanto republicanos como democratas. Uma investigação da BuzzFeed analisou mais de mil publicações no Facebook e mostrou que 38% das publicações partilhadas por três grandes páginas assumidamente de direita eram falsas ou continham informações erróneas e que o mesmo se aplicou em 19% das publicações de três grandes páginas assumidamente de esquerda. Isto numa época em que 62% dos adultos norte-americanos recebem as suas notícias através das redes sociais, sendo que dois terços dos utilizadores do Facebook leem-nas dentro desta plataforma.
A reação inicial de Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, ao problema dos conteúdos falsos foi de desvalorização. O líder da rede social começou por defender que 99% das notícias presentes na plataforma eram autênticas, mas acabou por virar agulhas e confessar que a empresa vai intensificar o combate a esta questão. De que forma? Bem, antes de mais, o objetivo é aumentar e melhorar a automação, ou seja, fazer com que a deteção de conteúdos falsos feita pela própria rede social surja mesmo antes de os utilizadores darem por isso. Para quem não está muito dentro deste mundo, há que salientar que qualquer pessoa pode denunciar uma publicação como falsa. Um processo que Zuckerberg também pretende tornar ainda mais fácil.
Além disso, o Facebook pretende trabalhar de forma mais próxima com organizações independentes e jornalistas na comprovação de factos. Outra medida que deverá entrar em vigor a curto prazo é a colocação de avisos em conteúdos que foram assinalados como falsos. Por fim, a rede social planeia fazer com que os produtores de dados erróneos não consigam fazer dinheiro através de rede de publicidade da plataforma. Em suma, um conjunto de boas intenções, mas que terá de coabitar com aquilo que o próprio Zuckerberg qualifica de problemas técnicos e filosóficos complexos. É que o executivo sabe que o sucesso destas medidas não pode levar a que as pessoas se sintam desencorajadas a partilhar opiniões, daí querer apostar num controlo feito por entidades terceiras e pela própria comunidade de utilizadores.
Uma menor dependência do polémico algoritmo que gere o feed de notícias do utilizador – que seleciona o que cada internauta vê baseado em gostos, comentários e partilhas feitas anteriormente – deverá estar igualmente na calha. Uma reformulação que até já era exigida por muitas pessoas depois da polémica causada pela remoção automática de uma fotografia icónica da Guerra do Vietname por causa da nudez de uma criança. Saliente-se que a Exame Informática contactou o Facebook, mas a empresa respondeu que não existe nenhum porta-voz local para abordar o tema, remetendo esclarecimentos para a já referida publicação de Mark Zuckerberg, que é tido como a fonte oficial para o caso.
![Zuckerberg post.png](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/12/9904776Zuckerberg-post.png)
Atacar o problema desde a fonte
Mas não foi só o Facebook a estar na berlinda com esta questão, a Google também foi alvo de acusações. Em causa estão os resultados que aparecem sempre que se faz uma pesquisa no motor de busca na secção ‘Nas notícias’ e que podem ser falsas. Antes de mais, importa fazer uma distinção importante: quando faz uma pesquisa no Google, o utilizador pode filtrar os resultados por campos como ‘Tudo’, ‘Imagens’, ‘Notícias’, etc.; contudo, se fizer uma pesquisa normal por um tópico que esteja em destaque na atualidade, vai ver nos primeiros resultados uma secção ‘Nas notícias’. A grande diferença é que a área de ‘Notícias’ da Google recorre a artigos de órgãos de comunicação social devidamente reconhecidos como credíveis pela empresa, enquanto os resultados ‘Nas notícias’ provenientes de pesquisas não seguem esse crivo, o que fez com que pudessem disseminar mais facilmente os tais conteúdos falsos que referimos anteriormente sobre as eleições norte-americanas. A razão pela qual isto acontece? Porque a Google considera a Pesquisa e a Notícias como produtos separados, uma vez que um tem publicidade e outro não.
Em declarações à Exame Informática, fonte oficial da Google em Portugal reconhece o problema: «O objetivo da Pesquisa é fornecer os resultados mais relevantes e úteis aos nossos utilizadores. Neste caso específico, não o fizemos da forma mais correta, mas estamos permanentemente a trabalhar para melhorar os nossos algoritmos». A questão que se impõe é, portanto, como vai o Google conseguir pôr fim às notícias falsas?
O plano passa por atacar o problema desde a fonte. Assim, a empresa vai começar a proibir anúncios da Google em locais que difundam conteúdo fraudulento – uma extensão da regra já em vigor e que proibia anúncios com textos fraudulentos. Além disso, vai restringir a possibilidade de mostrar anúncios nas páginas que deturpem ou ocultem informações sobre o editor, o conteúdo do editor ou o principal propósito da propriedade da Web. Estão igualmente prometidas alianças com a indústria noticiosa e a implementação de um sistema de verificação de factos deverá chegar em breve.
A Google está até a estudar a possibilidade de acabar com o ‘Nas notícias’ nas pesquisas feitas num PC e substituí-lo por uma secção ‘Notícias principais’, que é o que o utilizador já encontra se fizer a pesquisa no telemóvel. Todas estas medidas não deverão acabar definitivamente com a questão das notícias falsas, mas pretendem minimizá-la de tal forma a que deixe de ser considerada um problema. Para que Barack Obama não tenha de voltar a usar uma conferência de imprensa com Angela Merkel para referir: «Se não formos sérios em relação aos factos e em relação ao que é verdade ou não, e particularmente numa época de redes sociais, onde tantas pessoas obtêm informação em sound bites e trechos nos telefones, se não conseguirmos discriminar entre argumentos sérios e propaganda, então temos problemas.»