Peter Vergote, presidente do DNS Belgium e recém-empossado presidente do Conselho Europeu de Gestores de Domínios de Topo Nacionais (CENTR, na sigla em inglês), passou por Lisboa para presidir à assembleia-geral de registries. Pelo meio, arranjou tempo para dar uma entrevista exclusiva à Exame Informática e defender que a Internet deve manter o modelo que tem sido preconizado pela norte-americana Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN).
Como é que os registries europeus veem a tentativa da União International Telecommunications Union (ITU) em assumir as rédeas da regulação da Internet?
A Net é uma realidade muito diversificada, consoante as regiões do mundo. Há várias organizações que pretendem participar e que querem estender a sua influência. A ICANN tem estado no terreno desde 1980, enquanto instituição que não depende do Governo dos EUA, e que não tem fins lucrativos. Alguns governos que sempre dominaram as atividades dos operadores de telecomunicações podem ter a sensação de que podem participar, mas não têm capacidade para exercer controlo ou aplicar regulamentação à Net. E por isso há uma tensão entre governos ou organizações como a ITU e o modelo com vários acionistas que é seguido pelo ICANN e que não dá mais votos ou menos votos a entidades só porque são governamentais.
A Net, enquanto espaço livre e global, está a acabar?
Isso seria o fim da Internet. A força da Net é que é unificadora e global. Se alguém criar barreiras, acabará com a força da Internet.
As intenções da ITU não podem acelerar a criação de barreiras na Net?
Tanto a ITU como a ICANN são lideradas por pessoas sensatas. Hoje, as pessoas já veem a Net como algo dinâmico… pode haver governos que, por vezes, se sintam desconfortáveis. Mas ninguém na ICANN ou na ITU que quer criar uma Net com barreiras. Toda a gente percebe a importância e as características únicas deste meio que ainda é tão recente.
A ITU quer transpor para a Internet as regras que são válidas nas telecomunicações ou há mesmo a intenção de dar poder aos governos para fiscalizar a Net?
É mais uma questão económica e de regulação dos conteúdos. Grande parte das telecomunicações está relacionada com custos: quanto custa ligar de um ponto para outro; ou quanto é cobrado através de uma interconexão entre redes. O que é bem diferente do que se passa no mundo da Internet, onde as conexões têm todas o mesmo custo independentemente do destino… Na minha opinião, as coisas devem manter-se como estão. Estamos disponíveis para trabalhar com os governos, mas não acreditamos que os meios de gestão da Internet devam mudar da ICANN para a ITU.
Não receia que só os americanos possam desligar a Net?
Os americanos não têm esse poder. É fácil acreditar nisso, uma vez que a ICANN é uma organização sujeita às leis da Califórnia… mas a realidade é bastante diferente: a ICANN é governada por uma direção multidisciplinar… e há um único americano nessa direção. Antigamente, havia apenas 13 roots (que suportavam a Net); agora são muitos mais. O que permite criar uma cloud de máquinas que atuam como servidores, sempre que é preciso. Além disso, essas 13 máquinas estão dispersas pelo mundo, logo não há sequer a hipótese de um americano desligar a Internet a toda a gente. Mas também poderia recear que acontecesse o mesmo, caso a ICANN estivesse em Genebra. Aí seriam os americanos que teriam receio que os suíços desligassem a Internet. As coisas não funcionam assim: os recursos estão todos tão dispersos e replicados que torna impossível o encerramento a partir de um único ponto. Além disso, a essência da Internet está assente num modelo de redundância que potencia o recurso a alternativas, sempre que uma ligação deixa de funcionar.
Como estão evoluir os Domínios de Topo Genéricos (GTLD)?
Foi solicitado o registo de mais 1900 novos GTLD – a maioria teve origem nos EUA; e a Europa está na segunda posição no que toca às solicitações. Os domínios locais, como o .PT ou .BE vão começar a ter mais concorrência. Por exemplo, na Bélgica foi solicitado o registo de domínios genéricos para região de Bruxelas e para a comunidade flamenga (.brussels e .flandres). E o registrie belga vai passar a gerir um domínio nacional (.BE) e mais dois domínios genéricos.
Criar um GTLD não está ao alcance da bolsa de qualquer cidadão…
O pedido de registo, e apenas o pedido sem garantia de ser atribuído, tem um custo 180 mil dólares. A este valor junta-se o pagamento um valor anual de 75 mil dólares por ano, se não estou em erro… e depois ainda podem ser cobradas taxas consoante o volume de utilização que o domínio alcança. Temos de ser realistas: os custos que a ICANN são elevados. Das 1900 solicitações, provavelmente apenas 1300 a 1500 darão origem a novos GTLD, uma vez que há domínios, como por exemplo, o .app que tiveram vários pedidos de registo. Mas nem todos os GTLD que vão ser atribuídos vão ser bem sucedidos. Alguns não terão a procura que esperavam… Imagine que alguém regista o GTLD .alentejo e que precisa de, pelo menos, meio milhão de endereços para ser lucrativo. E imagine que, ao cabo de cinco anos, não tem meio milhão de registos mas apenas 10 mil… e o registrie que criou o GTLD assume a falência. Entretanto há 10 mil registos feitos naquele GTLD, e é necessário garantir que se mantêm ativos. Para precaver estas situações, é necessário ter um operador de emergência (a ICANN) e é por isso que são cobrados grandes valores pelos pedidos de registos. Além disso, se fosse barato toda a gente ia começar a registar um domínio com o seu nome. É bom haver competição e diversidade, mas não era exequível ter um milhão de GTLD… e nem sequer há necessidade de o fazer.