Ok, este dia não está a acontecer. É demasiado real para que possa ter realmente acontecido. Não tem cientistas de bata branca e olhar esgazeado nem adolescentes determinados em dar a volta ao curso do tempo e mudar o fim da história que, invariavelmente, acaba com todos felizes para todo o sempre. Mas a verdade é que o dia 21 de outubro de 2015, essa data que os autores de Regresso ao Futuro II acharam que era tão à frente, deixou mesmo de estar à… frente. Tornou-se presente. E será remetida para o passado dentro de horas. Crianças e adolescentes de outrora: Quem vos disse que as proezas de Marty McFly com as suas sapatilhas “so eighties” se prolongariam para lá das salas dos cinemas?
Quem viveu nessa década mítica que é também a do início das cassetes de vídeo, dos computadores pessoais e da TV a cores, sabe do que aqui se fala. E ainda se lembra do tempo em que, à maneira de um heterónimo de Fernando Pessoa, se tinha saudades do futuro; do tempo em que um clique inesperado num botão de aspeto curioso resolvia os problemazinhos da vidinha, derrotava exércitos inteiros de regimes totalitários e extinguia uma qualquer ameaça de extermínio da humanidade; do tempo em que havia quem escrevesse guiões de filme que davam vida e personalidade a um computador depois de um refrigerante ser derramado sobre o teclado (Electric Dreams, de 1984, com o título Amor é Música, em português); do tempo em que se pôde suspirar de alívio por descobrir que, afinal, é possível viver no ano de 1984, e não ser subjugado por nenhum Big Brother (muito antes da Internet, dos cookies, dos vírus, da Internet das coisas, da ciberespionagem, dos drones ou da videovigilância, já George Orwell tinha arriscado uma data ficcionada que pôde ser confirmada pela realidade).
Esse tempo chegou hoje para todas as crianças e adolescentes que seguiram as peripécias de Marty McFly – e nas redes sociais não falta quem recorde a data ficcionada em grupos de Facebook, artigos de jornais que comparam as previsões dos guionistas com o que a ciência realmente descobriu, e até placares de informação de estações de comboios britânicas assinalam a data e lembram que não é permitido usar skates flutuantes (que por sinal até foram inventados entretanto) dentro das carruagens.
Pois o futuro chegou, estamos rodeados de máquinas que conhecem ao detalhe os hábitos e preferências de cada humano que usa um telemóvel e paga as contas com dinheiro virtual; há robôs de companhia para idosos e robôs que aspiram o chão e cruzam os céus; o software está em tudo o que fazemos – e está também naquilo que não queremos fazer; nalguns casos, é o software que garante que a vida prossegue ou que controla o desvio de dinheiro e emissões poluentes.
Se o cientista tresloucado Doc Brown voltasse à tela de um filme que máquina haveria de inventar para nos transportar no tempo?
Nem todas as previsões do Regresso ao Futuro II falharam, mas nenhuma delas poderá superar a fidedignidade do regresso ao passado que permite ao protagonista cumprir o seu destino no primeiro capítulo da série. É outra das quimeras da humanidade. À viagem no tempo em fast-forward haverá sempre quem prefira o fast-rewind. Todo o ser humano tem estes dois botões imaginários, que na realidade, não servem para nada. Nos dias que correm, um comum mortal que queira experimentar uma viagem no tempo terá de se contentar com a ilusão do fuso horário que permite ganhar 60 minutos quando passa de Badajoz para Elvas ou quando apanha um avião e consegue aterrar em Lisboa antes da hora a que descolou em Madrid. Não é propriamente uma viagem ao futuro – mas sempre dá a quem tiver engenho suficiente a magna possibilidade de viver dias de 25 horas.