“Dono da patente: Humanidade. De Portugal com Amor”. Foi desta forma que João Nascimento anunciou na segunda-feira à noite, na rede social Twitter, a finalização do documento técnico que faz prova de conceito de um ventilador open source (cujas especificações são abertas e acessíveis a todos) de emergência para Unidades de Cuidados Intensivos, de construção simples e com componentes que podem ser adquiridos localmente. O projeto é a grande montra da iniciativa Project Open Air, criada por João Nascimento como resposta à crise da Covid-19 e que já juntou mais de 12 mil voluntários de todo o mundo.
A prova de conceito é assinada por 21 portugueses e mostra como é possível criar um ventilador de construção simples, quase ao estilo ‘faça você mesmo’ (DIY), com controlo de pressão para ajudar pacientes em estado crítico afetados pela Covid-19. “O conceito funciona. Falta o desenvolvimento de engenharia e protótipo para uma produção em larga escala”, explica o fundador do movimento em entrevista à Exame Informática.
O que isto significa é que a prova de conceito apresentada não está pronta. Primeiro, precisa de ser adaptada localmente, já que os requisitos médicos podem variar de país para país. E é ainda necessário criar protótipos para testar a verdadeira capacidade de resposta deste ventilador open source.
Em Portugal, para efeitos da prova de conceito, foram montados dois dispositivos, um na Universidade Nova de Lisboa, outro no Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), em Coimbra, que foram feitos de forma independente. No vídeo, em baixo, pode ver um desses protótipos.
“Fez nesta segunda-feira [31 de março] quinze dias que eu não sabia nada de ventiladores, mas senti um desejo de ajudar. Passar de zero à prova de conceito em duas semanas foi rapidíssimo e um recorde”, sublinha Paulo Fonte, professor do Instituto Superior de Engenharia do Coimbra e membro do LIP, e um dos elementos que contribuiu para a prova de conceito agora revelada.
O investigador explica que os voluntários do projeto tentaram pensar de forma invertida, isto é, em vez de procurarem quaisquer componentes que ajudassem a tornar real o ventilador, partiram antes de elementos que já tinham disponíveis e são fáceis de encontrar no mercado, para depois criar um equipamento que “seja minimamente aceitável”, como explicou à Exame Informática.
É importante referir que este ventilador não é um dispositivo médico. “O ventilador no qual estamos a trabalhar é o básico dos básicos, é o último dos recursos”, sublinha João Nascimento, estudante de neurociências e filosofia. É um recurso para ser usado apenas em caso de emergência e, mesmo assim, precisa de aprovação das respetivas entidades reguladoras. “Vejo isto como um medicamento experimental”, defende Paulo Fonte.
Em Portugal, isso significaria uma aprovação do Infarmed, que também já contribuiu para o projeto fornecendo as especificações técnicas que o ventilador teria de cumprir. A própria equipa do Project Open Air tem médicos que “foram essenciais para nos irem guiando pelas necessidades do equipamento, como também para nos darem uma medida de comparação com os [ventiladores] comerciais”, explica ainda João Nascimento.
Como detalha o documento que vai ser publicado nesta quinta-feira, à meia-noite, na plataforma de divulgação Arxiv, mas ao qual a Exame Informática já teve acesso [o artigo está agora disponível neste link], a prova de conceito tenta “minimizar o uso de componentes técnicos e os que são usados são comuns na indústria, para que a construção [do ventilador] seja possível em tempos de disrupção de logística ou em áreas com acesso reduzido a materiais técnicos e a um custo moderado”.
Este foi outro requisito que o projeto tentou ‘controlar’, o custo de produção. A ideia é que, se houver necessidade de produzir em escala, o valor ronde os 900, mil euros por unidade, longe dos 25 mil a 30 mil euros dos ventiladores usados nos hospitais. “Era outra regra importante, os componentes teriam de ser baratos”, explica o mentor do projeto.
Ainda segundo o documento, a prova de conceito tem capacidade para permitir ajustes na pressão inspiratória (PIP no acrónimo em inglês) e expiratória (PEEP no acrónimo em inglês), permite operar com oxigénio puro, está equipado com uma válvula de segurança para aliviar a pressão, pode ajustar-se à respiração do paciente a um ritmo de 12 a 25 respirações por minuto e também podem ser implementados alarmes de baixa ou alta pressão.
Entre os materiais usados para construir as provas de conceito estão tubos de policarbonato, válvulas usadas em instalações de gás industriais, depósitos de plástico, eletroválvulas e até um balão assumiu as vezes de um reservatório de pressão, entre outros componentes, incluindo elementos impressos em 3D. Todos os materiais usados foram recolhidos na área de Coimbra, não dependendo por isso da importação de material.
Aqui o objetivo é claro: além de fácil de montar, tem de ser fácil de replicar. “Não é a questão de fazer um ventilador ou dez. O problema é fazer mil em poucas semanas”, destaca Paulo Fonte.
O que se segue é uma incerteza. Depende da evolução da Covid-19, depende da atual capacidade de resposta dos serviços de saúde em diferentes países e depende de quantas pessoas vão agarrar na prova de conceito para torná-la mais robusta e um equipamento viável para situações de emergência.
À Exame Informática, João Nascimento confirma que já foi contactado por universidades dos EUA e de Itália, os dois países com o maior número de casos registados de infeções pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). “O contacto é muito por via académica, depois passa para e indústria e para o terreno”, explica.
Apesar da corrida contra o tempo e da dedicação dos 21 autores do documento técnico, assim como dos contributos de outros elementos do Project Open Air, Paulo Fonte lembra que o ideal é que o projeto não venha a ser preciso. “Tentaremos produzir um protótipo se a necessidade se vier a verificar – esperemos que não.”