A assinatura de um composto de enxofre, SO2 ou dióxido de enxofre, é peculiar em Vénus: abundante em baixas altitudes, mas mais escassa em altitudes mais elevadas. Uma equipa de cientistas, em 2020, anunciou que tinha encontrado fosfina nas nuvens do planeta, o que poderia indiciar vestígios de vida. Agora, uma análise mais detalhada da química destas nuvens não foi capaz de encontrar biomarcadores que apontem para a presença de organismos vivos que metabolizem o enxofre.
A controvérsia surgiu novamente em 2020, mas a ideia já havia sido preconizada anteriormente pelo biofísico Harold Morowitz e pelo próprio Carl Sagan, em 1967. Agora, um estudo da Universidade de Cambridge conclui que a química complexa nestas nuvens não pode ser explicada com a existência de vida: “passamos os últimos dois anos a tentar encontrar explicações para a química estranha de enxofre que vemos nas nuvens de Vénus. A vida ‘porta-se’ bem em químicas invulgares, pelo que estudamos se havia forma de provar que a vida é uma explicação para o que estávamos a ver”, assume Paul Rimmer, astrónomo e químico em Cambridge ao Science Alert.
Naquelas nuvens, a concentração de enxofre chega a ser cem mil vezes superior à que encontramos na Terra, presente em compostos ricos como dióxido de enxofre, ácido sulfúrico ou sulfidos. Neste novo estudo, a equipa tentou perceber se a ‘comida’ baseada em enxofre presente na atmosfera poderia estar a ser usada ou ter sido usada como fonte de energia para vida. Os cientistas não encontraram vestígios que pudessem ter sido expelidos por organismos vivos: “se essa comida estivesse a ser consumida por vida, devíamos conseguir ver provas disso através de químicos específicos a serem perdidos e ganhos na atmosfera”, conta Sean Jordan, que liderou o estudo.
A base do trabalho foi a suposição de que, em Vénus, os organismos pudessem ter metabolismos assentes em enxofre, elemento que prolifera naquela atmosfera. Os investigadores tentaram modelar reações químicas que pudessem estar a acontecer devido a esses organismos e compararam os resultados obtidos com as observações daquela atmosfera. Apesar de ter encontrado evidências de que a vida metabolizante de enxofre poderia produzir algumas das reações, não conseguiram encontrar vestígios daquele que seria o resultado final expelido sob a forma de outros compostos. “se a vida fosse responsável pelos níveis de SO2 que encontramos em Vénus, isso destruiria tudo o que conhecemos sobre a química na atmosfera de Vénus”, refere Jordan, completando que “quisemos que a vida fosse uma possível explicação, mas quando corremos os modelos, não é uma solução viável. Mas, se a vida não é responsável pelo que vemos, há um problema ainda para ser resolvido – há muita química estranha para ser investigada”.
Rimmer complementa que “mesmo que o ‘nosso’ Vénus esteja morto, é possível que outros planetas semelhantes a Vénus, noutros sistemas, possam alojar vida. Podemos pegar no que aprendemos aqui e aplicar a sistemas exoplanetários – isto é apenas o início”.