Não é todos os dias que se mudam paradigmas em Ciência. Mas é bem possível que a descoberta feita por uma equipa de investigadores do Instituto Superior Técnico, publicada na revista Nature Physics, signifique mesmo isto, um momento de viragem.
Já há algum tempo que os físicos convivem, e tiram partido, do conceito de superradiância, uma radiação ultra-potente emitida, por exemplo, nos lasers de raio-X. Nos primórdios, em 1954 quando o fenómeno foi descrito, o efeito era obtido através da compressão de um gás. “Quando se incide luz sobre um gás, as moléculas ficam excitadas. Se a densidade do gás for suficientemente elevada, liberta-se a luz que recebeu, mas de uma forma muito brilhante, mais intensa e num curto espaço de tempo”, explica Jorge Vieira, investigador do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, do Técnico. Para este fenómeno acontecer, o espaço entre as partículas tem de ser inferior ao seu comprimento de onda (que decorre do seu movimento natural). Mais tarde, percebeu-se que este fenómeno poderia ocorrer noutras circunstâncias, nomeadamente quando em vez do gás se tinha um feixe de eletrões, a deslocarem-se a alta velocidade, próxima da velocidade da luz – lasers de eletrões livres (FEL, da sigla em ingês).
O poder do laser – que tanto está no simples apontador como em sofisticados sistemas médicos – reside no facto de ser constituído por um feixe de fotões (partícula elementar que constitui a luz, ou radiação eletromagnética) que oscilam juntos, em uníssono. A esta propriedade, os físicos chamam ‘coerência’ e acaba por definir o que é um laser. Já a sua ‘potência’ decorre do tipo de luz de que é feito.
Se hoje em dia é banal produzir um laser de luz vermelha ou verde – até há brinquedos com estes lasers – o mesmo já não acontece com os ultra-potentes lasers de raio-X que por terem um comprimento de onda muito pequeno podem ser usados para estudar fenómenos ao nível do átomo. No mundo há pouco mais do que uma mão cheia de laboratórios capazes de produzir lasers de raio-X já que o método exige o recurso a aceleradores de partículas e imanes potentes que obrigam o feixe de luz a curvar, aproximando os eletrões e provocando a libertação de superradiação. “São máquinas bastante raras”, observa Jorge Vieira.
Da teoria à prática
Até agora
pensava-se que a compressão era uma condição obrigatória para a
produção do laser de raio-X. O que o grupo do Técnico de
demonstrou, de forma teórica e com modelos computacionais, foi que é
possível contornar a compressão, tirando partido das propriedades a
nível longitudinal. “Se mudarmos a direção, se modelarmos o
feixe de forma transversal [em lugar da habitual modelação
longitudinal], conseguimos obter a superradiância”, diz Jorge
Vieira. “Em vez de termos um feixe direitinho, passamos a ter uma
ondinha. Ou seja, se enrolarmos o feixe, deixa de ser obrigatória a
compressão”, ilustra. Esta descoberta irá resultar na diminuição
do tamanho das máquinas democratizando a investigação que precisa
de ser feita com este tipo de lasers. “A
redução do tamanho destas máquinas trará a investigação que
hoje é apenas possível em grandes laboratórios (não
mais
que 5-10 no mundo inteiro) para centenas ou milhares de
universidades, e diretamente para junto dos hospitais, para
tratamentos e imagiologia médica”, concretiza
o primeiro autor do artigo científico.
“Ao sintonizar o novo tipo de laser que propomos no domínio dos raios-x, poderá ser possível obter
imagens mais nítidas das escalas de tempo que governam o movimento de
eletrões em átomos e moléculas.”
A próxima etapa será passar da teoria à prática e verificar se a realidade coincide com as previsões da matemática.