As imagens levam a crer que se trata de pastilha elástica ou plasticina – mas não deixam muita margem para dúvida: Não é uma matéria natural e muito menos aparenta ser rocha. E em 2016, foram estas características que chamaram a atenção de Ignacio Gestoso, investigador espanhol radicado há vários anos em Portugal, e de outros investigadores do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) enquanto passeavam numa zona de costa, nas imediações da Ponta de São Lourenço, sudeste da ilha da Madeira: afinal o que são aquelas manchas azuis que se encontram na superfície das rochas?
A resposta chegaria dois anos depois, confirmando uma das principais ameaças para a vida nos oceanos. As manchas incomuns são compostas de polietileno, «um dos plásticos mais utilizados na indústria, (que é) um material comum, por exemplo, nas embalagens de plástico para produtos alimentares», informa Ignacio Gestoso, investigador do polo madeirense do MARE, num e-mail enviado para a Exame Informática.
Da composição química das misteriosas manchas chegou-se facilmente ao nome que, possivelmente, acabará por juntar-se à lista dos efeitos nefastos da atividade humada nos oceanos: plasticrust.
«De momento, não temos a certeza exata de como é que se formam, mas pensamos que, a partir da ação das ondas do mar, pedaços de plástico que andam à deriva flutuando, podem bater contra as rochas e originar a sua formação. Novos estudos terão que ser feitos para esclarecer completamente esta questão», explica Ignacio Gestoso.
A “descoberta” de rochas que integram plásticos na sua composição já entrou no circuito académico. Em junho, um artigo sobre plasticrust foi assinado por Ignacio Gestoso, juntamente com Eva Cacabelos, Patrício Ramalhosa, João Canning-Clode.
Os investigadores do polo madeirense do MARE não têm dúvidas de que o plasticrust é uma consequência direta da poluição, mas admitem que possa não ter ainda produzido réplicas noutras paragens: «De momento é um fenómeno muito localizado e pontual, somente detetado no rochoso entremaés de um local, na costa sudoeste da Ilha da Madeira, com uma cobertura de 10% desse local concreto», detalha Ignacio Gestoso.
As crostas de polietileno foram detetadas nas rochas entremarés, que ficam submersas com a maré cheia e a descoberto durante a maré vazia. Os 10% de cobertura da superfície mencionados pelos investigadores apenas dizem respeito a uma zona entremarés junto da Ponta de São Lourenço. Os investigadores acreditam que o plasticrust terá registado uma expansão durante os últimos três anos – passando a ocupar uma extensão maior das rochas e assumindo diferentes cores. O que não augura nada de animador: os investigadores do MARE receiam que o plasticrust esteja a substituir gradualmente a crosta formada pela natureza sobre as rochas entremarés – de uma forma que, eventualmente, poderá não diferir muito daquela que hoje ocorre com algas e líquenes que embatem contra as rochas devido à força das ondas.
«Pode haver outros fatores que estejam a interatuar na formação do plasticrust, mas ainda não fizemos esse estudo e por isso falar nesses fatores será sempre um pouco especulativo», lembra Ignacio Gestoso.
Para a fauna local, a expansão do plasticrust pode ser especialmente gravosa: apesar de reiterarem que a investigação ainda está em curso, os investigadores do MARE informam ter detetado crostas de plástico que, por sua vez, já haviam sido cobertas de algas – o que pode levar a concluir que os plásticos podem entrar, por via indireta, na dieta das espécies que comem as algas que crescem sobre o plasticrust, refere um texto sobre a matéria que mereceu publicação do Gizmodo.
«É difícil sugerir consequências concretas que (os plasticrusts) podem ter na fauna e na flora marinhas. Futuros trabalhos deverão esclarecer as potenciais consequências que podem ter para os invertebrados das rochas intermarés afetadas, e em particular determinar até que ponto poderiam estas crostas supor uma nova via de entrada de plásticos na rede trófica».
A rede trófica é constituída por diferentes interligações de cadeias alimentares. O funcionamento e equilíbrio desta rede dependem das relações entre espécies predadoras e predadas dentro de cada uma das cadeias alimentares.
Esta e outras questões deverão começar a ser trabalhadas em breve pelos investigadores do MARE durante um plano de investigação que deverá ser levado a cabo em breve com o objetivo de revelar mais detalhes sobre a formação de plasticrusts tanto nos arquipélagos da Madeira, como dos Açores, Canárias e Cabo Verde.
«Pretendemos realizar uma campanha abrangente de pesquisa de campo ao longo das costas rochosas entremarés da Ilha da Madeira, e depois de outras ilhas da Macaronésia e outras potenciais costas europeias suscetíveis de acumular esta poluição plástica», refere Ignacio Gestoso. O estudo deverá ainda tentar apurar «em que medida os invertebrados entremarés estão incorporando plástico e, especialmente, avaliar a importância desta potencial nova via para o plástico para entrar nas cadeias alimentares marinhas», conclui o investigador do MARE.