A União Europeia propôs um conjunto de regras que irá permitir que as autoridades possam analisar massivamente as mensagens digitais trocadas entre os utilizadores, mesmo as de plataformas que se destacam pela encriptação dos conteúdos. Os governos dos países vão tomar nesta quinta-feira uma posição sobre estas leis que visam detetar e combater a proliferação de conteúdos de abuso sexual de menores (CSAM).
A proposta foi apresentada em 2022 e sugere implementar um sistema de moderação logo no momento do envio dos conteúdos e que analisa todas as mensagens, vídeos, fotos e links partilhados. Este sistema estaria implementado em cada serviço, implica que seja pedida autorização para a monitorização, mas se o utilizador não o autorizar, fica impedido de usar o serviço, explica o The Verge.
A proposta de lei realça que a encriptação ponto-a-ponto é necessária para proteger direitos fundamentais, mas por outro avisa que esta “pode inadvertidamente estar a gerar zonas seguras onde o material de abuso sexual de menores pode ser partilhado ou disseminado”. Na prática, pretende-se que o conteúdo partilhado esteja ‘aberto’ para ser analisado, ao mesmo tempo que se pede que esteja encriptado. A análise só poderá ser possível nestes termos se for efetuada antes de os serviços, como WhatsApp, Messnger ou Signal, encriptem os conteúdos.
Ou seja, a monitorização seria feita diretamente nos equipamentos dos utilizadores e antes de os conteúdos passarem por uma cifra de segurança que torna os conteúdos ‘ilegíveis’ a quem tentar interceptar as mensagens. Ao ser criado um mecanismo que analisa as mensagens, fotos e vídeos, fica aberta uma porta para que esse sistema pode ser explorado por agentes maliciosos para aceder às comunicações dos utilizadores.
A presidente do Signal já fez saber que a app deixará de funcionar no mercado europeu caso esta legislação avance, revelando que esta proposta “coloca fundamentalmente em causa a encriptação”. Meredith Whittaker escreveu na rede social X que “o que quer que lhe chamemos, cada uma destas abordagens cria uma vulnerabilidade que pode ser explorada por hackers e nações hostis, remover a proteção de matemática inquebrável e colocar-nos num lugar de vulnerabilidade”.
Organizações conhecidas por serem defensoras da privacidade digital, como a Electronic Frontier Foundation e a Mozilla, por exemplo, assinaram um documento conjunto a pedir a rejeição de propostas que pretendam analisar o conteúdo dos utilizadores.
Caso os governos nacionais aprovem esta lei, a proposta vai começar a ser negociada depois entre Parlamento, Conselho e Comissão europeus para se chegar ao texto final da proposta legislativa.
De recordar que numa entrevista à Exame Informática, no final de 2022, Meredith Whittaker já alertava para um cenário no qual as plataformas tecnológicas eram pressionadas pelos legisladores a enfraquecerem de alguma maneira os sistemas de comunicação encriptados: “Não teremos um bom futuro se não tivermos os meios para comunicar de forma privada“, sublinhou na altura.