Como diretor de uma organização global de investigação, sinto o dever de utilizar todos os recursos científicos e tecnológicos de ponta que estão disponíveis para combater este flagelo. Como pai, quero uma solução definitiva, que resolva não só esta crise, mas também a próxima. E, como cidadão americano e espanhol, com família em dois dos locais mais afetados no mundo, quero ajudar. É tão simples quanto isto.
Tudo começou com um telefonema para a Casa Branca na terça-feira, 17 de março, num momento que veio a demonstrar-se como motor para a indústria, a academia e o governo atuarem em conjunto. Foi nessa mesma semana que a minha mãe me deu a notícia de que um primo em Espanha tinha testado positivo para o coronavírus. Ela é médica e, assim como todos os profissionais de saúde do mundo, está na linha da frente no combate a esta doença. Este é um combate pessoal para muitos de nós.
A COVID-19 é uma ameaça deveras mortal. Esta doença respiratória é desencadeada por um vírus da família dos coronavírus, identificado na década de 60, mas que nunca tinha feito um ataque desta dimensão à humanidade. O vírus impede que as suas vítimas respirem normalmente, fazendo-as respirar com dificuldade. Febre, tosse, dor de garganta e uma sensação de fadiga avassaladora e desamparo são outros dos sintomas. Os mais sortudos recuperam em poucos dias; outros têm apenas sintomas leves ou moderados. Mas alguns pacientes não têm a mesma sorte. Ao invadir e movimentar-se no nosso corpo, o vírus faz com que os pulmões se encham de líquido e pode levar a uma morte rápida. Ninguém está imune. Apesar dos idosos e dos que tenham determinados problemas de saúde estarem mais fragilizados, a COVID-19 tem tirado a vida a pessoas de todas as idades, algumas aparentemente de boa saúde. A doença está a colocar o mundo que conhecemos de pernas para o ar.
Mas somos resilientes, e estamos a lutar com todas as ferramentas que temos, incluindo alguns dos supercomputadores mais sofisticados que já construímos. Estas máquinas – mais de 30 supercomputadores com mais de 420 petaflops de poder computacional – estão agora disponíveis, gratuitamente, para cientistas que procurem uma vacina ou tratamento contra o vírus. Vamos pôr isto em perspetiva. Considere um supercomputador com apenas oito petaflops. Como existem cerca de oito mil milhões de pessoas na Terra, uma máquina como esta pode fazer um milhão de cálculos por pessoa no mundo por segundo. Juntos, o COVID-19 High Performance Computing Consortium oferece 50 vezes mais.
Foi criado com autoridades governamentais, entidades académicas e indústria – incluindo concorrentes, que trabalham lado a lado. A IBM co-lidera este projeto com o Departamento de Energia dos EUA, que gere os Laboratórios Nacionais dos Estados Unidos. A Google, Microsoft, Amazon e Hewlett Packard Enterprise juntaram-se, bem como a NASA, a National Science Foundation, o Pittsburgh Supercomputing Center, a BP e seis National Labs – Lawrence Livermore, Lawrence Berkeley, Argonne, Los Alamos, Oak Ridge e Sandia, entre outros. Temos ainda instituições académicas, incluindo o MIT; Instituto Politécnico Rensselaer; a Universidade do Texas em Austin; e a Universidade da Califórnia em San Diego.
Os supercomputadores irão fazer inúmeros cálculos em epidemiologia, bioinformática e modelagem molecular, numa tentativa de reduzir drasticamente o tempo de descoberta de novas moléculas que poderiam levar a uma vacina. Tendo recebido propostas de todo o mundo, já analisámos, aprovámos e combinámos 41 projetos com os supercomputadores certos. Mais virão.
Mas há poucas semanas nada disto existia.
A 17 de março, telefonei a Michael Kratsios, diretor de tecnologia do governo dos EUA. Abraçando o potencial de um consórcio de supercomputação, ele começou imediatamente a mobilizar a sua equipa, incluindo Jake Taylor, diretor assistente de ciência quântica no Office of Science and Technology Policy da Casa Branca. Jake telefonou para as maiores empresas que têm computadores de alto desempenho e convidou-as a juntarem-se a esta iniciativa. Do lado da IBM, Mike Rosenfield, cuja equipa desenhou e construiu várias gerações de supercomputadores líderes mundiais, juntou-se ao RPI, ao MIT e aos principais líderes de computação dos Laboratórios Nacionais dos EUA. O Departamento de Energia dos EUA é um parceiro desde o início e tem estado no centro de tudo.
Apenas 24 horas depois da primeira chamada, os participantes definiram o que significava estar envolvido. Discutimos como comunicar aos laboratórios de investigação de todo o mundo o que poderíamos oferecer em termos de hardware, software e recursos especializados, e como mobilizá-los para submeter propostas que depois seriam associadas ao supercomputador certo.
Passaram 48 horas. Na quinta-feira, 19 de março, estabelecemos o comité de revisão científica e o comité de gestão de computação, para gerir as propostas. Pelo menos uma pessoa de cada um dos membros do consórcio teve que fazer parte do processo, todos agindo de forma justa e igualitária. Por parte da IBM, Ajay Royyuru juntou-se ao comité de revisão de mérito; ele é o líder da nossa investigação em saúde e ciências da vida e, em conjunto com a sua equipa, desenvolve há muito tempo novas tecnologias para combater o cancro e doenças infeciosas.
O Ajay também tem um interesse pessoal na luta contra a COVID-19. Em janeiro, o seu pai já idoso faleceu após uma doença pulmonar. O Ajay vive com a mãe de 82 anos, e está preocupado em mantê-la a salvo desta pandemia, assim como muitos de nós que se preocupam com os seus pais. A sua extensa família na Índia, neste momento, também enfrenta o desenrolar da pandemia.
A 22 de março, menos de uma semana após a primeira conversa com Kratsios, a Casa Branca anunciou o consórcio. Todos sabiam que o tempo estava a passar.
Ainda estamos no início, mas o Ajay e os outros avaliadores conseguem claramente ver, de entre a primeira vaga de propostas, que os cientistas estão a tentar combater o vírus em todas as frentes – desde a descoberta e desenvolvimento de medicamentos com simulações em IA, até à genómica, epidemiologia e capacidade de resposta dos sistemas de saúde. Temos que compreender todo o ciclo de vida deste vírus, todas as possibilidades de transmissão – a forma como encontra e infeta a célula hospedeira e se replica dentro dela, impedindo-a de produzir partículas vitais. Temos que conhecer as componentes moleculares, as proteínas envolvidas na bioquímica do vírus – e depois usar a modelagem computacional para aferir como podemos interromper o ciclo. Esta é a metodologia científica padrão da descoberta de medicamentos, mas queremos ampliá-la.
O vírus já está identificado em humanos há meses, o que nos disponibiliza uma vasta quantidade de amostras para modelagem e análise computacional. Os cientistas já estão a colocá-las em bancos de dados públicos, como o GenBank e o Protein Data Bank. Existem muitas incertezas e suposições – mas, diz-me o Ajay, muitas propostas envolvem a utilização de estruturas proteicas já disponíveis para tentar criar potenciais compostos moleculares que possam levar a uma terapêutica ou vacina.
Isso já está a acontecer. Mesmo antes de formarmos o consórcio, investigadores do Laboratório Nacional de Oak Ridge e da Universidade do Tennessee simularam 8.000 compostos e encontraram 77 moléculas que poderiam potencialmente desarmar o vírus. Mas 77 ainda é um número elevado e os testes para encontrar a molécula correta podem levar meses. Aqui, o meu colega Alessandro Curioni, químico italiano responsável pela IBM Research na Europa, que teve que ficar em quarentena devido à possível exposição à COVID-19, teve uma ideia de como acelerar todo este processo.
Em conversa com executivos da Comissão Europeia no início de março, Alessandro soube de uma empresa farmacêutica italiana, Dompé Farmaceutici, e do projeto financiado pela UE em que estavam a trabalhar. Semanas depois, marcou uma reunião entre cientistas da farmacêutica italiana e Oak Ridge, sugerindo a ambas as partes que submetessem uma proposta conjunta ao consórcio. Talvez juntos, com a ajuda de supercomputadores, eles possam reduzir o número de compostos promissores de 77 para 10, cinco e, finalmente, um.
Nesta pandemia, a Humanidade tem à sua disposição mais ferramentas do que nunca. Com dados, supercomputadores e inteligência artificial e, no futuro, computação quântica, criaremos uma era de descoberta acelerada. Este consórcio é um excelente exemplo de parceria e demonstra que quanto maior é o desafio, maior é o ganho através da cooperação mútua.
NOTA: Used with permission. An earlier version of this article originally appeared in Scientific American