A sustentabilidade no universo das pequenas e médias empresas esteve esta segunda-feira em debate. O tema não é exclusivo das grandes organizações e implica a adaptação de toda a estrutura produtiva a novas regras, com impacto imediato no financiamento das empresas. Uma iniciativa promovida pela Flexdeal, a primeira sociedade de investimento mobiliário para o fomento da economia (SIMFE) criada em Portugal, em parceria com a EXAME, Visão, C-More: Beyond the Obvious, IAPMEI, e a Sérvulo & Associados.
Alberto Amaral, CEO da Flexdeal, esclarece que a sociedade opera em duas frentes: capital e conhecimento. O responsável assume que “não temos soluções milagrosas, as nossas soluções assentam naquilo que foi a nossa curva de aprendizagem nos últimos dois anos”. Mas alerta para a urgência do tema: “Os bancos já incorporam, nos seus testes de stress, critérios de sustentabilidade. Isso significa que da próxima vez que for ao banco abrir uma conta ou pedir um crédito, o banco vai exigir, a uma PME, que tenha a capacidade de medir a sustentabilidade. É isso que vai definir se terá acesso à linha de crédito e quanto é que lhe vai custar. Não é algo que vai acontecer daqui a dois anos, já está a acontecer”.
Os critérios de sustentabilidade, medidos pela sigla inglesa ESG, vão muito além da componente ambiental. Na Näz, empresa têxtil que nasceu há seis anos na Beira Interior, produzem-se peças de roupa de lã reciclada e reciclável, sem esquecer a importância de estabelecer parcerias locais, capazes de criar valor com impacto regional. “É um setor que, embora tradicional, está a começar a modernizar-se e é importante que lhes mostremos a sustentabilidade como forma de serem mais competitivos”, nota Cristiana Costa, CEO e fundadora da Näz. E se cabe às empresas adaptarem processos produtivos para serem mais sustentáveis, há que não esquecer a responsabilidade dos consumidores: “70% do impacto ambiental de uma peça de roupa ocorre depois de ser comprada”. Como? Através das opções de lavagem e secagem da roupa. Cristiana Costa dá um exemplo: “Se lavarmos a roupa a 20º, que é o mesmo que 30º, reduzimos o consumo de energia para metade, porque a maioria do consumo está no aquecimento da água”. A isto há ainda que somar o consumismo: “Em média, uma pessoa usa uma roupa sete meses”.
José Vieira é CEO da Viarco, fábrica portuguesa de lápis. Alerta precisamente para a necessidade dos consumidores “perceberem que as coisas têm um valor. É preciso consumir até ao fim, não desperdiçar, não descartar para comprar um novo”. Considera que parte dos atuais desafios não radicam apenas na produção, mas na “avidez do nosso consumo”. E alerta: “Se uma empresa vende um produto a dois cêntimos é porque alguém está a ser roubado, explorado, algo está a ser destruído. Por isso, eu coloco o ónus no consumidor”.
Para Cristiana Costa falta legislação capaz de estabelecer um plano competitivo justo. Dá o exemplo da Shein, o gigante chinês que registou o impressionante crescimento de 250% em anos de pandemia, e que paga cada peça de roupa a quatro cêntimos. “É importante que exista legislação que não permita a estas empresas operarem ou que aumente o seu nível de impostos”. Destaca ainda a falta de leis que regule a produção atual: “Daqui a cinco anos será obrigatório reciclar roupa, mas continuamos a produzir peças que não podem ser recicladas”.
Sustentabilidade (ainda) não é tema para 80% das empresas portuguesas
Um estudo recente do IAPMEI deixa a descoberto o longo caminho que há a percorrer na sensibilização das empresas portuguesas para o tema. A larga maioria das PME nacionais – 80% – ainda não incorpora critérios de sustentabilidade na sua estratégia, em clara falta de sintonia com as práticas cada vez mais valorizadas pelos investidores. Para colmatar a falta de informação e de estratégia, o IAPMEI lançou o CIRCO Hub Portugal, um programa de capacitação dirigido a empresas e a designers, orientado para o desenvolvimento de produtos e negócios circulares. “Convidamos todos os nossos empresários a analisarem o seu modelo de negócio com especialistas nacionais e internacionais. A lógica passa por olhar para cada uma das fases do processo e perceber de que forma é possível extrair mais valor, quer seja na sua indústria quer seja noutra”, explica Nuno Gonçalves. O Vogal do Conselho Diretivo do IAPMEI confessa, no entanto, que “tem sido difícil motivar mais empresas a entrarem neste pelotão da frente da sustentabilidade”.
Para o responsável “a sustentabilidade deve ser encarada como a licença social para as empresas operarem. E cada vez mais vai existir esta perceção”. Destaca a importância de alinhar as políticas empresariais com as práticas valorizadas pelos investidores, mas não só. O IAPMEI é responsável pela dotação do Fundo de Capitalização e Resiliência, no valor de €1.300 milhões e Nuno Gonçalves deixa o alerta: “Qualquer projeto que não tenha uma tónica forte na transição digital ou na transição climática dificilmente conseguirá aceder a fundos estruturais”.
