Olhando para os dados do consumo de energia na Europa e nos EUA, podemos constatar que, neste milénio, temos tido um consumo relativamente estável, em que o grande desafio foi a chamada transição energética para fontes mais limpas. Se este desafio continua a ser grande, parece-nos que está a ficar ainda maior, porque tudo indica que estamos num ponto de mudança e, depois de 25 anos de níveis de consumo energético estável, os próximos anos devem trazer um aumento das necessidades energéticas, com este setor a atravessar uma das maiores transformações da sua história. A reindustrialização do Ocidente, a explosão da inteligência artificial, as tensões geopolíticas e a urgência climática estão a convergir num ponto crítico. A questão já não é se vamos mudar, mas como vamos mudar, crescer e com que rapidez. A resposta passa, inevitavelmente, por visão e investimento estratégico.
A reindustrialização exige energia, tão limpa quanto possível, abundante e fiável. A Europa e os Estados Unidos estão a tentar recuperar a sua capacidade industrial, apostando em tecnologias verdes e produção local, onde a própria energia atómica deverá ter um papel a desempenhar, como abordarei mais à frente. Mas esta ambição só será viável se for acompanhada por uma infraestrutura energética à altura. Eletrificar a indústria e os transportes, produzir baterias, hidrogénio verde ou semicondutores exige volumes colossais de eletricidade, e não qualquer eletricidade: tem de ser limpa, estável e acessível. Sem isso, a reindustrialização será apenas um desejo impossível de concretizar.
A Inteligência Artificial, IA, aparece como um novo motor da procura energética, estando a transformar tudo, da medicina à logística, mas também a consumir energia a um ritmo alarmante. Os centros de dados que alimentam a IA já rivalizam com cidades inteiras em consumo elétrico, existindo tecnológicas a investir parte substancial dos seus recursos em contratos de fornecimento de energia para os próximos anos. E este parece ainda ser apenas o início de uma longa caminhada.
Também a geopolítica aparece, especialmente nos anos mais recentes, como um fator decisivo
para estas alterações. A guerra na Ucrânia e as tensões no Médio Oriente mostraram que a energia é, acima de tudo, uma questão de soberania, tendo a Europa aprendido da pior forma o custo da dependência energética. Atualmente, a corrida por minerais críticos e por novas rotas de abastecimento está a redesenhar o mapa geopolítico, pois quem controlar a energia e os recursos que a tornam possível, controlará o futuro.
Depois de décadas a substituir meios mais poluentes por fontes mais limpas, parece ter chegado o momento de repensar o nuclear, numa fase em que não se trata apenas de substituir, mas de crescer. Numa altura em que à transição se junta maiores necessidades de produção, renováveis e nuclear podem ter que formar uma aliança e conviver por mais uns tempos, pois vamos provavelmente precisar de ambas. As renováveis são essenciais para descarbonizar, enquanto a nuclear oferece estabilidade e baixa emissão. Países como França, Japão e Canadá já perceberam isso e mais países europeus estão a analisar o tema com pragmatismo e ambição.
Para além do tema da produção, é igualmente essencial falar sobre as infraestruturas. A transição energética exige redes elétricas modernas, interconectadas e inteligentes. Há que levar em conta que grandes fontes de produção de energia, estão normalmente longe dos locais onde são consumidas e, outro exemplo, temos hoje nas grandes cidades que gerir milhares/milhões de pequenos produtores renováveis “contra” milhares/milhões de pequenos consumidores. No dia em que tivermos todos veículos elétricos, o que aconteceria à rede se todos resolvermos carregar ao mesmo tempo? Sem investimento em transporte e armazenamento de energia, bem como nas chamadas Smart Grid, mesmo as melhores fontes renováveis ficarão subaproveitadas, bem como podemos ter de forma mais recorrente episódios, de diferentes proporções, como o apagão que vivemos recentemente. A Europa precisa de corredores energéticos transnacionais, baterias de larga escala e digitalização da rede. É um investimento invisível, mas absolutamente vital.
Em jeito de conclusão, diria que o investimento no setor energético é fundamental e tem mesmo que acontecer, sob pena de nos tornarmos cada vez menos competitivos. Vão certamente existir investimentos em produção, mas também na construção das redes e na digitalização dessa rede, pelo que existem oportunidades em que devemos apostar agora para colher os seus dividendos no futuro.
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