Fez agora quatro anos, no dia 16 de Março de 2020, quando uma boa parte do mundo foi para casa. A música mais ouvida nesse dia, na plataforma Spotify, foi “It’s the end of the world as we know it (and I feel fine)”, dos R.E.M., cujo título traduzido à letra significa “É o fim do mundo como o conhecemos (e eu sinto-me bem)”.
Já o dissemos várias vezes, mas a pandemia COVID-19 não trouxe nada de novo ao ambiente do trabalho e dos escritórios, apenas acelerou o que se esperava vir a acontecer durante a terceira década do séc. XXI. Mas estar em 2023 a viver o que em 2020 era projetado como uma potencial realidade em 2030, é bastante transformador.
Essa aceleração levou a inúmeras mudanças, sendo uma delas a ideia de que o setor terciário pode trabalhar a partir de casa. As pessoas não estão a regressar aos escritórios ao ritmo previsto, as empresas por um lado veem nisso uma oportunidade de poupança, por outro começam a sentir o impacto de não terem as equipas em permanente colaboração presencial. No meio desta incerteza que se vive no segmento dos escritórios, existem algumas certezas: é absolutamente claro que os edifícios de escritórios de alta qualidade e que promovem uma “experiência de vida” para os seus ocupantes estão cada vez mais cheios de pessoas. E sabemos também que a procura por escritórios vai continuar a existir, mas os requisitos dessa procura vão afastar-se cada vez mais da oferta obsoleta.
De que oferta obsoleta falamos? No mercado de escritórios de Lisboa, por exemplo, 31% do stock de edifícios não vê qualquer investimento significativo há mais de 10 anos. Estamos a falar de uma área de 1,4 milhões de metros quadrados de escritórios, aos quais se podem juntar alguns espaços que foram alvo de investimento, mas que nunca poderão vir a transformar-se o suficiente para virem a satisfazer os requisitos da procura atual.
Este ponto é essencial porque representa uma oportunidade extraordinária, não só para redefinir um novo standard no mercado de escritórios – como alguns projetos mais recentes já o começaram a fazer – como para responder, em parte, ao problema da falta de oferta habitacional nas principais cidades portuguesas, que tem sido uma das principais causas da inflação a que assistimos nos preços do mercado residencial. Estas duas realidades estão muito mais ligadas do que se possa pensar, porque se não resolvermos o problema do preço da habitação – aí sim – teremos um problema sério de atratividade e a procura de escritórios pode realmente diminuir de forma sistemática por parte das empresas multinacionais.
Olhando para o exemplo dos Estados Unidos, prevê-se que cerca de 100 projetos de reconversão de edifícios de escritórios sejam brevemente concluídos, sendo mais de metade para uso habitacional, numa perspetiva de arrendamento (built to rent). Até 2026, podemos estar a falar em mais de 300 edifícios. Embora a realidade dos Estados Unidos seja diferente da nossa, esta é uma tendência que já chegou às cidades históricas europeias. Aqui ao lado, em Espanha, ainda ocorre em pequena escala e sem o apoio da administração pública, o que limita o seu alcance, mas o fenómeno é evidente. A CBRE já identificou mais de 150 reconversões desde 2013 em Espanha, com um aumento considerável a partir de 2019, tendo 2022 sido o ano com mais intervenções deste carácter.
Se nos próximos cinco anos decidíssemos converter o stock em Portugal obsoleto de escritórios em produto residencial, poderíamos adicionar cerca de 25.000 novos fogos ao mercado existente e facilmente quase que duplicar a oferta anual de casas durante esse período, face à média dos últimos anos, que se situou abaixo das 3.000 novas casas por ano.
Apesar desta oportunidade, é importante salientar que as reconversões de edifícios, só por si, não podem resolver todos os desafios que se atravessam no mercado de escritórios. Enquanto as taxas de juro permanecerem elevadas, menos projetos serão iniciados em comparação com os últimos anos.
As cidades que têm planos de incentivos financeiros para a transição de edifícios obsoletos em edifícios que respondem aos novos requisitos de procura, estão melhor preparadas para transformar bairros mais antigos em centros de mixed-use com a relevância social e urbana que os ocupantes e os consumidores tanto desejam. O mundo mudou, é um facto, but I feel fine!