No final do ano passado, a esmagadora maioria das perspetivas económicas apresentadas para 2023 antecipava uma recessão – mesmo que leve – nas principais economias avançadas. Apesar da continuação da guerra na Ucrânia, do colapso de bancos nos EUA e na Europa, da inflação elevada e da forte subida das taxas de juro pelos bancos centrais, essa recessão não chegou ainda. Mas se é verdade que as principais áreas económicas se têm mostrado resilientes, e que os índices acionistas apresentam ganhos no ano, também é certo que os receios de uma recessão e de uma reavaliação de ativos se mantêm elevados. A revista The Economist comparava recentemente a economia pós-pandemia à pintura da “Mona Lisa”, de Leonardo Da Vinci: cada vez que se olha para o quadro, vê-se algo diferente.
Por um lado, o choque energético gerado pela guerra na Ucrânia e o fim do boom da procura de bens observado na pandemia levaram a uma contração da atividade industrial nas principais economias. Neste contexto, entre o final de 2022 e o início de 2023, a economia da Zona Euro terá evoluído entre a estagnação e uma queda marginal da atividade. O arrefecimento da procura de bens, a normalização das cadeias globais de abastecimento e, mais recentemente, o recuo dos preços da energia e de outras commodities têm contribuído para uma desaceleração (ou queda) dos preços dos bens. A inflação exibe, neste momento, uma clara tendência decrescente na Europa e, sobretudo, nos EUA.
Por outro lado, os indicadores têm sugerido uma expansão relativamente forte do consumo privado; a inflação core (i.e. excluindo energia e alimentação) mantém-se acima das metas da “estabilidade de preços”; e as taxas de desemprego continuam a evoluir em níveis baixos, sinalizando uma economia ainda “aquecida” e a justificar a postura agressiva dos bancos centrais na subida dos juros de referência.
Como conciliar estas visões diferentes das mesmas economias?
A explicação passa por entendermos o que tem sido descrito como “a economia Taylor Swift”. Só nos EUA, a “Eras Tour” da cantora americana inclui 52 concertos em 20 cidades, tendo vendido 2.4 milhões de bilhetes no mercado primário, com a procura no site Ticketmaster a superar os 14 milhões. Para além dos concertos, a Tour estará a traduzir-se num estímulo relevante à procura de viagens, hotéis e restaurantes, vestuário, etc. Diversas cidades americanas estão a reportar máximos anuais em ocupação hoteleira e em outros indicadores de atividade turística. Na Suécia, os concertos da Beyoncé estimularam de tal forma a procura por hotéis e restaurantes, que se estima que a cantora poderá ter sido responsável por 0.3 pontos a mais na inflação mensal de Maio.
Estas referências não pretendem descrever a economia como um todo, obviamente. Elas são apenas uma forma de ilustrar uma tendência importante da atual conjuntura: na economia pós-Covid, armados com poupanças excedentárias acumuladas durante a pandemia (ainda não esgotadas) e protegidos por um mercado de trabalho “aquecido” (baixo desemprego) e por apoios orçamentais, muitos consumidores estarão a privilegiar a despesa em serviços e em experiências (e.g. viagens, restaurantes, concertos, lazer), apesar dos – ou até por causa dos – receios de recessão. Esta realidade é visível na persistência de uma atividade muito dinâmica no turismo que, em Portugal, levou o crescimento do PIB do 1º trimestre a superar largamente as expectativas. A forte procura por serviços segurou o crescimento da atividade económica, ajuda a justificar os níveis elevados de emprego, mantém em alta a pressão sobre os salários e alimentou o pricing power das empresas, permitindo-lhes defender ou até subir margens. Isto justificará a maior persistência da inflação core e a vontade dos principais bancos centrais em elevarem os juros de referência para “níveis suficientemente restritivos”.