Dizer que vivemos momentos de grande incerteza é cada vez mais um lugar-comum. Simplesmente, habituámo-nos à incerteza. Muitos de nós já passaram por diversas crises económicas e financeiras e parece-nos, pelo menos em Portugal, que vivemos saltando de crise em crise. Atravessamos agora um clima de grande inflação, após demasiados anos de juros negativos, provocados por políticas monetárias (necessárias) que fizeram com que Governos, Empresas e Famílias se tornassem fortemente dependentes dos Bancos Centrais.
Os Bancos Centrais passaram de garante da estabilidade financeira para um papel cada vez mais ativo e interventivo nas economias, condicionando a generalidade das decisões de famílias e estados sobreendividados. Não espanta que o esforço de combate à escalada da inflação, com a face mais visível a subida agressiva de taxas de juros, tenha provocado falências bancárias e um forte abrandamento económico (no caso dos EUA, mesmo uma recessão).
Para os Estados a inflação pode ser positiva, na medida em que provocou um grande aumento da coleta fiscal (em Portugal nunca esteve tão elevada, o que deveria ser surpreendente num Governo dito Socialista) e a redução do peso da dívida em percentagem da riqueza. Para as famílias, contudo, representa uma forte pressão no seu poder de compra, destacando-se a subida do custo de vida e o aumento do custo com créditos, em especial o crédito habitação, tipicamente contratado a taxa variável.
Infelizmente, é só em alturas de crise que nos vemos confrontados com a necessidade de ajuste nos nossos hábitos de consumo. A falta de literacia financeira é apontada por muitos como uma parte importante do problema, esquecendo-se que as decisões financeiras têm muito mais de comportamento do que de conhecimento. Mais de emoção do que de razão. Como tal, os argumentos racionais para a necessidade de cortar custos acabam por resvalar na inércia, tendo todos nós um grande enviesamento pelo curto prazo. Fazemos planos bonitos e bem estruturados para o longo prazo, mas quando o momento chega adiamos e procrastinamos. Mas como vencer esta inércia?
Talvez a pergunta deva ser colocada de outro modo. Como podemos ter a inércia a jogar a nosso favor? Algo que nos tem espantado nas formações que damos na Reorganiza é a quantidade de pessoas que subscreveu um PPR no momento da contratação do crédito habitação e que se esqueceu de que fazia essas entregas automáticas. O truque? Tornar o processo automático sem a intervenção humana. Esta estratégia pode ser usada por todas as pessoas, bastando para tal escolher uma aplicação financeira e definir uma transferência automática para uma conta bancária. E sim, vão encontrar espaço no orçamento familiar para esta transferência como o fazem milhares de outras famílias.
Por outro lado, de pouco vale cortar custos com a simples lógica de termos de poupar. Para ganharmos a motivação necessária para vencermos a inércia e fazermo-nos à estrada, temos de encontrar motivos pelos quais nos esforçar. Quem quer correr a maratona está na disposição de sofrer em treinos diários, porque sabe qual o seu objetivo. Quais são os seus objetivos? Por que está a cortar custos? Será para garantir a segurança da sua família? O cumprimento de algum sonho? Ou simplesmente para poder ter alguma paz de espírito?
As empresas também podem ajudar os seus colaboradores a poupar de forma automática. Por exemplo, ao subscrever um Fundo de Pensões e ao colocar como predefinição que o colaborador irá deduzir uma determinada percentagem do seu ordenado para este fundo, garantiremos que as pessoas poupam para a reforma. Aliás, são conhecidos os estudos que apontam para o sucesso desta medida noutros países. Ao obrigar a um esforço, por pequeno que seja, para mudar a predefinição das entregas, muitas pessoas simplesmente não mudam. Têm a inércia a jogar a seu favor.
Começámos por referir que já atravessámos diversas crises. Esta será apenas mais uma. Claro que pensamos sempre que a crise que vivemos atualmente é a mais grave de todas e acabamos por esquecer o passado. Somos rápidos a esquecer e inevitavelmente acabamos por cometer os mesmos erros, erros que jurávamos nunca mais viver. Mais uma vez, é tudo comportamental. A gestão do dinheiro é sinónimo de gestão de afetos. É sinónimo de gestão das nossas emoções, percebendo o que é essencial e o que é acessório. E lembrar-nos de que as melhores coisas na vida têm muito valor mas não têm preço.