Caríssimo/a leitor, acredite que este artigo lhe dará soluções como consumidor e como empresa que lidera o mercado: não queremos de todo ser paternalistas ou condescendentes, mas elucidar, informar e dotá-lo/a de ferramentas para que possa fazer as escolhas mais informadas e conscientes.
É que se antes as empresas podiam ignorar (apesar de não deverem!) os impactos negativos de ignorar os direitos humanos nas suas operações e/ou cadeia de valor, hoje a mitigação e prevenção de riscos de direitos humanos e trabalho escravo não são uma questão moral ou de moda: são uma questão de sobrevivência da própria empresa.
Violações de direitos humanos nas quais as mais graves formas de exploração humana são consideradas escravatura moderna, e issoinclui trabalho escravo e trabalho infantil, afetam não só 40.3 milhões de pessoas por todo o mundo – 4 vezes a população de Portugal – mas virtualmente todas as empresas da nossa atualidade.
Estima-se que, só nas cadeias de valor das grandes corporações, existam 16 milhões de vítimas de trabalho escravo. Estamos todos ligados através de fornecedores, por variados níveis de produção e serviços, cúmplices de violações que acontecem em cadeias de valor complexas, com pouca visibilidade e transparência em todos os sectores da economia global – energia, tecnologia, têxtil, café e madeira.
A título de exemplo, sabia que 20% de todo o algodão que é importado mundialmente e que nos chega através das mais conhecidas marcas de roupa como a H&M e a Nike tem origem nos campos de trabalho na China onde a população Uigur é explorada?
Mas no novo mundo em que vivemos, marcado por rápida mobilização social para o ativismo digital, marcas associadas ao caso de exploração Uigur foram alvos de boicotes através das redes sociais que resultaram numa queda de 23% das vendas da H&M na China. A capacidade de resposta das empresas foi determinante para salvaguardar a reputação das respectivas marcas e para parar os gritos públicos de alternativas ao fornecimento de algodão com melhores mecanismos de identificação e prevenção de violações de direitos humanos.
Ainda na indústria têxtil, uma investigação relevou, no início da pandemia, que os trabalhadores de fábricas no Reino Unido da marca de roupa Boohoo recebiam um salário muito abaixo do mínimo e que as condições de trabalho não eram apropriadas – não possuíam sequer equipamento de segurança e de higiene suficientes. Como resultado, a empresa perdeu o seu maior acionista e as suas ações imediatamente sofreram uma queda súbita. A empresa declarou não ter conhecimento destas condições e iniciou a sua própria investigação, comprometendo-se a monitorizar os seus fornecedores com maior cuidado e a oferecer soluções aos trabalhadores afetados.
Outro exemplo: uma das mais significativas empresas de fornecimento de EPIs durante a pandemia, Top Glove, com sede na Malásia, pagou em finais de 2020 a maior indemnização de sempre ao pagar as taxas de recrutamento ilegais impostas aos seus trabalhadores, apesar de declarar não estar consciente destas práticas.
Apesar das tentativas de ‘remediar o mal que já estava feito’, por parte destas grandes empresas, os danos reputacionais e financeiros destes incidentes continuarão a ter impacto a médio e longo prazo, e afetarão a capacidade de crescimento das organizações envolvidas, bem como a confiança do consumidor/a e investidores. Estes exemplos concretizam como a escravatura moderna e violações de direitos humanos representam risco ao sucesso do próprio negócio.
Mas os exemplos de violações de direitos humanos não acontecem apenas “lá” do outro lado do mundo. Para as empresas em Portugal, as violações de direitos humanos só não existem para quem ainda não as procura com diligência. Exemplos como a situação de exploração laboral detectada em Odemira através do uso de mão de obra barata imigrante sem condições apropriadas, que são normalizados um pouco por todo o nosso país – sobretudo nos setores de energia e agricultura, mostram que estamos ainda muito aquém do que podemos (e devemos) fazer para conduzir negócios de forma mais sustentada.
Mas por onde começar?
Porque acreditamos que a preocupação com os direitos humanos deve ser fundamentada, apostando na prevenção e mitigação de risco, rejeitando manobras de marketing que apenas enganam o/a consumidor/a e a si mesmos – o chamado social ou greenwashing – criámos um toolkit empresarial para ajudar as empresas a navegar o mundo complexo em que vivemos e trabalhamos. Esta ferramenta apresenta-se como um primeiro passo para maior literacia para a sustentabilidade social e humana na mitigação de violações de direitos humanos e de trabalho escravo, e recomenda um conjunto de ações que cada empresa pode começar a implementar de imediato para iniciar o seu trajeto neste admirável novo mundo.
Acreditamos que as empresas sem transparência, eloquência e consciência não sobreviverão. Mas nós, os cidadãos consumidores, também não sobreviveremos sem elas. A questão é quanto tempo tarda a fazermos de forma diferente? De quantas mais provas precisamos para agir?