Atravessamos uma fase desafiante da história de Portugal e do mundo. Sem avisos prévios, acordámos um dia para entrar num novo mundo. Todos sabemos que muitas coisas vão mudar, mas há hábitos culturais que vamos preservar porque são comportamentos que nos mantêm vivos e que podem dar mais força para enfrentar a turbulência dos tempos.
A história do mundo é cíclica e todos os acontecimentos são singulares para uma sociedade e para uma marca. Há inúmeras marcas que estão vivas há mais de cem anos, que superaram diversos períodos críticos e que, através das suas histórias, talvez nos possam ensinar um pouco sobre como poderemos superar crises.
Veja-se o caso da marca de aguardentes CR&F, que celebra 125 anos de existência precisamente no ano do COVID-19, passe a expressão. A história da CR&F atravessou inúmeros períodos mais conturbados, entre os quais podíamos apontar o fim da Monarquia e a Implantação da República, a Primeira e a Segunda Grande Guerra ou, para falar de um exemplo mais recente, a crise económica que em 2011 levou à chegada da Troika a Portugal.
As grandes crises são sempre um reflexo de desequilíbrios, seja ao nível do mercado como um todo, seja ao nível dos seus diferentes setores. Enquanto tal, obrigam a que as marcas, mais que nunca, façam uma profunda reflexão estratégica no que toca à sua identidade. Num contexto que se mantém a concorrência, mas a procura fica espartilhada, é fundamental que cada uma faça um exercício de autoanálise, veja o que tem de realmente único, mantendo o seu posicionamento credível e – mais importante que tudo o resto – saiba viver à altura da missão que promete, cada dia. Uma marca forte e coerente tende a aumentar a lealdade e o nível de relacionamento com os consumidores, criando laços difíceis de serem quebrados por uma oferta da concorrência. As empresas e marcas centenárias mantêm-se muitas vezes vivas através da ligação ao consumidor, vendendo tradição e saudosismo. Engana-se quem pensa que estas empresas são velhas ou paradas no tempo. O que acontece é exatamente o contrário. A capacidade de se adaptarem é o seu maior segredo, com o qual conseguem conjugar, sempre e em qualquer momento, as suas raízes. Ou seja, a adaptação depende de um enorme sentido de autoanálise; mas a preservação das raízes ou do ADN da marca são o que dá confiança aos consumidores, aos clientes e a todos os administradores. O conservadorismo em conjunto com a rápida adaptação às crises, funcionam nestas marcas centenárias como uma estratégia para manter o posicionamento das mesmas.
Vejo, nesse sentido, como uma oportunidade para as marcas encontrarem-se estrategicamente com elas próprias e evoluírem de mãos dadas com os consumidores na busca de uma nova normalidade. Se num ciclo de crescimento económico é importante investir em novos produtos e novos mercados, num ciclo recessivo o ideal é, repito, consolidar as conquistas das fases anteriores, mostrando o valor da marca.
Esta crise do Covid-19 é diferente de todas as outras porque alterou o sistema de valores de todos – não é uma crise financeira, cambial, de insuficiência de matérias primas, não é uma guerra com fronteira, não é terrorismo. É sim, um momento marcante para a nossa espécie humana, porque sem avisos prévios fomos mandados para casa para mudar totalmente o ritmo do nosso dia-a-dia e isso, alterando profundamente os valores de toda uma sociedade.
Por muito que falemos de alterações nos comportamentos, que poderão ser mais ou menos profundas, há traços que são nossos, que compõe a nossa essência como sociedade e que são indeléveis. Os portugueses são um povo apaixonado por povos. Temos um dom especial para fazer com que qualquer estrangeiro se sinta em casa no nosso país, giramos a nossa vida social em torno a uma mesa com comida reconfortante e com um copo. Sem ir mais longe, depois de uma vida a sonhar com viagens, carros e carreiras invejáveis, vemo-nos agora a chegar à conclusão de que o nosso maior sonho é, na realidade, estar juntos e partilhar momentos reais.
Nesse aspeto haverá sempre um espaço para os negócios e marcas que sejam pontes facilitadoras desses momentos com que tanto sonhamos agora. E é aqui que entram muitas marcas de bens não essenciais, centenárias, com o seu perfil de confiança, experiência e resiliência.