O cenário mais temido confirmou-se. A Rússia lançou um ataque de larga escala à Ucrânia e não circunscreveu a sua intervenção militar à região de Donbass. Isso irá trazer mais sanções para Moscovo – a Comissão Europeia, por exemplo, já anunciou que iria anunciar mais um pacote de penalizações económicas – que isolarão cada vez mais a 11ª maior economia do mundo, com um PIB de 1,65 biliões de dólares. “Vamos congelar os ativos russos na União Europeia e parar o acesso dos bancos russos ao nosso sistema financeiro”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen esta quinta-feira.
A reação dos mercados financeiros permite perceber quais os potenciais impactos económicos deste conflito. Os investidores estão a querer abandonar ativos russos o mais rápido possível, o que levou a um crash na bolsa de Moscovo – com um dos principais índices a tombar 35% – e a uma queda de 9% do rublo. O risco de a Rússia se tornar um pária nos mercados financeiros é agora muito mais elevado. A economia desse país depende bastante do investimento dos países da União Europeia, que é o maior investidor estrangeiro no país liderado por Putin. Em 2014, aquando da anexação da Crimeia, Moscovo sofreu algumas sanções que deverão ter sido bem mais leves do que as que se prepara para enfrentar agora. Na altura, a economia russa entrou em recessão e sofreu uma crise financeira.
As bolsas europeias também reagiram com perdas pesadas. O índice que agrupa as 600 maiores cotadas do Velho Continente desvaloriza mais de 4% esta quinta-feira.
Relações comerciais mais frias
Esta escalada traz danos colaterais pesados para a economia europeia. As sanções que poderão ser aplicadas a Moscovo causam também perdas no resto do Velho Continente e terão contrassanções como resposta. A Rússia é o quinto parceiro comercial da UE, representando 4,8% do total de comércio de bens da UE com o mundo em 2020”, indicam os dados da Comissão Europeia. Um divórcio de um mercado dessa dimensão poderá causar mossa às exportações europeias. As maiores vendas à Rússia por parte das empresas europeias incidiram sobre maquinaria e equipamento de transportes, produtos químicos e bens industriais.
Já para Portugal, o peso da economia russa como mercado de destino é bem inferior. Esse mercado valeu 0,28% das exportações e 0,99% das exportações para fora da União Europeia em 2021, segundo os dados mais recentes do INE. As empresas nacionais vendem sobretudo cortiça, máquinas e produtos animais para a Rússia. Apesar de, desde a anexação da Crimeia, as exportações portuguesas para a Rússia terem descido, há setores – como o dos vinhos – que têm tido crescimentos relevantes nesse mercado.
Preços mais altos na energia e nos alimentos
Se a Europa estava já a passar por uma crise energética, esses problemas vão adensar-se já que a Rússia fornece 26% do petróleo e 40% do gás consumidos na UE. A agressão de Putin à Ucrânia já levou a que uma das principais armas para ajudar a mitigar os preços altos da energia – a entrada em funcionamento do novo gasoduto Nord Stream 2 – ficasse em suspenso. A Alemanha anunciou esta semana que não iria certificar essa infra-estrutura. Após essa decisão de Berlim, o antigo presidente russo e atual vice-presidente do conselho de segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, disse que os preços do gás natural iram duplicar.
A subida dos preços da energia acentuou-se esta quinta-feira, após o início da intervenção militar russa na Ucrânia. Nos Países Baixos, os contratos de futuros sobre gás natural que servem como referência para muitas empresas europeias dispararam entre 20% e 30% nos prazos mais curtos durante a manhã desta quinta-feira, para mais de 88 euros por Megawatt-hora. Já o petróleo superou pela primeira vez em oito anos a fasquia dos 100 dólares, com o brent a valorizar mais de 7% esta quinta-feira. Assim, se os preços da eletricidade e dos combustíveis já estão historicamente altos, esta tendência deverá agravar ainda mais esse problema.
Além dos preços da energia, a Rússia e a Ucrânia são dos maiores produtores mundiais de cereais. Os dois países foram responsáveis por 23% da exportação mundial de trigo, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos EUA. A Ucrânia tem uma quota de 16% nas exportações de milho. O efeito destrutivo de uma guerra na produção estão também a fazer disparar os preços destes bens. O trigo e o milho valorizam mais de 5% esta quinta-feira.
Antes de o conflito estalar, os preços dos cereais também estavam já perto de máximos históricos e a guerra na Ucrânia poderá acentuar esse problema, podendo originar crises em vários pontos do mundo por escassez de bens alimentares. Um dos fatores que tem levado a esses maiores custos tem sido a escalada dos preços dos fertilizantes. A Rússia é também a maior produtora mundial desses produtos.
Mais pressão nos bancos centrais
Este aumento dos preços das matérias-primas da energia e alimentares ocorre numa fase em que a inflação já tinha começado a dar muitas dores de cabeça aos bancos centrais. No passado mês de janeiro, o índice de preços no consumidor na Zona Euro teve uma subida de 5,1% o que reduz a margem ao BCE para manter as políticas ultraexpansionistas de apoio à economia. A presidente da instituição, Christina Lagarde, deixou mesmo de afirmar que não haveria subida de juros durante 2022. “A situação mudou”, tinha reconhecido a líder do BCE no início de fevereiro.
A guerra na Ucrânia vem deitar mais combustível à inflação, aumentando os problemas para o banco central. “Num cenário extremo, o impacto da crise da Ucrânia nos preços da energia pode levar a um acréscimo de dois pontos percentuais ao pico da inflação este ano e de 1,5 pontos para o ano inteiro”, perspetiva Jack Allen-Reynolds, economista da Capital Economics, num relatório a que a EXAME teve acesso.
Os preços mais altos na energia poderão tirar gás à economia da Zona Euro. E colocam o BCE num dilema, já que retirar o combustível das compras de ativos e começar a aumentar juros vai tirar vigor à economia. Por outro lado, não colocar um freio na inflação pode levar a cenários negativos para a Zona Euro e a incumprir a meta de 2% para a evolução dos preços.
A mensagem que tem vindo de Frankfurt é de que se vai defender o crescimento. “Tendo em conta os prováveis efeitos negativos da escalada da crise no crescimento e na confiança, incluindo através de potenciais sanções, é improvável na minha perspetiva de que iremos acelerar a normalização da política nessas circunstâncias”, disse Isabel Schnabel, da comissão executiva do BCE, numa entrevista ao Financial Times.
Desligar o sistema financeiro russo?
Putin decidiu avançar com a opção de atacar toda a Ucrânica, o cenário mais temido e que o Ocidente queria evitar. E isso deverá levar também a uma escalada das sanções. Já estão no terreno algumas penalizações a oligarcas e alguns bancos russos. Mas as maiores instituições financeiras do país – como o Sberbank, o VTB e o Gazprombank – ainda não foram visadas. Dada a dimensão do conflito, isso poderá mudar e coloca as instituições financeiras com presença na Rússia à beira de um ataque de nervos devido ao risco de uma crise bancária nesse mercado.
Segundo dados do Banco Internacional de Pagamentos, citados pela Reuters, os sistemas financeiros italiano, francês e austríaco são os mais expostos à Rússia, com ativos na ordem das dezenas de milhares de milhões de euros. O italiano Unicredit, o francês Societe Generale, o austríaco Raiffeisen Bank International e o neerlandês ING estão entre os bancos da UE com maior presença na Rússia, o que lhes tem valido um acompanhamento apertado por parte do BCE para avaliar o efeito de potenciais perdas nesse mercado.
Penalizar os maiores bancos russos poderia criar ondas de choque no sistema financeiro russo e nas instituições que tenham presença nesse mercado. Mas a UE e os EUA têm outra arma ainda mais poderosa no seu arsenal de sanções: a de desligar os bancos e as entidades russas da SWIFT. Esta rede é uma espécie de internet dos bancos e sair dela seria ficar desconectado da economia global, já que este sistema liga mais de 11 mil instituições financeiras de 200 países. E no passado esta arma nuclear das sanções económicas já foi usada – entre 2012 e 2016 – contra os bancos do Irão, impedindo-os de ficarem ligados ao sistema de pagamentos internacional.
- O que é a rede SWIFT?
É uma rede de mensagens financeiras essenciais para os bancos globais trocarem informações para realizarem transações e é indispensável no sistema de pagamentos global. Há cerca de 11 mil bancos de 200 países a usarem a SWIFT, que é gerida pela Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais. - Quem controla?
A SWIFT funciona como uma cooperativa de cerca de 3 500 bancos. Tem um conselho de 25 diretores que representam instituições financeiras, que atualmente inclui um representante russo. A sua atividade é supervisionada pelos maiores bancos centrais do mundo. - Influência dos EUA
A sociedade que gere a SWIFT é neutra em questões de geopolítica, mas opera sob a legislação belga. No caso do Irão, após a UE ter decidido desligar os bancos desse país, a Bélgica aprovou legislação que teve de ser seguida pela SWIFT. Apesar de não estar sujeita à lei norte-americana, os EUA têm uma influência importante na rede devido ao domínio global do dólar. Washington pode forçar decisões através da ameaça de sanções ou de retirada dos seus próprios bancos da rede.
Porém, desligar a Rússia desse sistema teria consequências bem mais danosas para o Ocidente – especialmente para a Europa – do que a exclusão dos bancos iranianos. Além disso, Moscovo – e também Pequim – têm desenvolvido desde a anexação da Crimeia um sistema alternativo à rede SWIFT para – pelo menos internamente e com alguns aliados – conseguirem fazer algumas transações financeiras.
No entanto, após o ataque em larga escala ordenado por Putin, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, exortou a que se retirasse a Rússia da rede SWIFT. Também o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, pressionou para que se avance com essa sanção.
Artigo atualizado às 16:15 com posição do ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e do primeiro-ministro britânico sobre a retirada da Rússia do SWIFT