Joel Slemrod é professor de Economia da Universidade do Michigan e um dos autores de “Rebellions, Rascals, and Revenue: Tax Follies and Wisdom Through the Ages“. Um livro que nos conta as maiores loucuras e mais engenhosas ideias nascidas da necessidade de tributar e da vontade de fugir aos impostos. A EXAME entrevistou-o por telefone e conversámos sobre as lições destes séculos de História fiscal e como elas se podem aplicar a alguns dos desafios que enfrentamos atualmente. Algumas delas podem ser lidas aqui. Slemrod acha que não devemos ser muito duros com os nossos antepassados e garante que, daqui a 50 anos, provavelmente vamos ser vistos como uns tolos na arte de cobrar impostos.
Uma das coisas que fica clara no vosso livro é que muitos dos desafios atuais já eram preocupações dos governos há séculos. Isso surpreendeu-vos?
Os desafios básicos dos impostos não mudam, não apenas há séculos, mas há milhares de anos. Os Estados tentam angariar receita junto dos cidadãos, que têm motivos para tentar escapar a isso. O Estado tenta aumentar impostos de forma suficientemente justa, porque se preocupa com isso ou porque sabe que, se não o fizer, ficará em apuros. Os desafios são os mesmos, o ambiente é que mudou.
Mas fomos aprendendo algumas lições, certo? Que erros sabemos hoje que devemos evitar?
Uma lição que os governos aprenderam é que devem antecipar que os contribuintes farão todos os esforços para evitar ou mesmo fugir aos impostos, o que significa que, quando desenha uma medida fiscal, deve considerar a capacidade de a fazer cumprir e não esperar até que ela esteja implementada para pensar “como é que eu agora vou fazer para cumprirem”. Outra lição é que os governos têm de considerar o que fazem outros países, porque eles interagem. Isso era verdade há séculos, mas muito mais agora, como se vê pelo debate sobre um imposto mínimo internacional.
Já vamos debater isso. Pode dar-me dois ou três exemplos de formas criativas através das quais os governos tentaram tributar os seus cidadãos?
Um dos nossos exemplos preferidos é o imposto sobre as janelas, que Inglaterra teve durante muito tempo. Quando ouve falar disso, a maior parte das pessoas pensa “que ideia louca, o que é que o governo tem contra janelas?” Mas, quando pensamos melhor, percebemos que não era uma ideia louca. Inglaterra procurava um imposto que fosse mais alto para os mais ricos. Quando começou a ser aplicado, em 1696, muita da riqueza das pessoas estava nas suas casas, portanto queria um imposto mais elevado para casas maiores ou mais luxuosas? Como é que isso se mede? Na altura, não havia um Zillow [portal de imobiliário]. A ideia era encontrar algo que se correlacionasse com riqueza. Optou-se pelo número de janelas: casas maiores têm mais janelas, indicando uma riqueza mais alta. É um excelente exemplo que pode parecer louco hoje, mas tinha a vantagem de ser algo fácil de ver e de contar.
Mas, ao mesmo tempo, trará consequências não totalmente desejáveis, certo? Por exemplo, pessoas que cubram as suas janelas só para não pagar esse imposto.
Sim, é verdade. Algumas pessoas taparam as suas janelas, outras posicionaram janelas de forma a que iluminassem duas divisões da casa, em vez de apenas uma. No livro, falamos deste tipo de respostas à tributação que os economistas hoje levam muito a sério. Preocupamo-nos com a forma como os impostos podem levar as pessoas a trabalhar ou a investir menos. São problemas comportamentais e tapar as janelas é um exemplo muito visível disso.
E outros exemplos?
Os impostos sobre solteiros. Existem desde a Antiguidade, desde Grécia e até ao século XX. Muitos países europeus ainda tinham no século XX impostos sobre homens de determinada idade que não fossem casados. Porquê? Pode justificá-lo por motivos de equidade, uma vez que um solteiro com certo rendimento tem mais capacidade de pagar impostos por não ter uma família para sustentar. Também pode argumentar que quer encorajar casamentos, porque isso seria bom para a sociedade.
Pode facilmente ser uma dupla penalização. Aquela pessoa pode simplesmente não conseguir formar uma família e ainda tem de pagar mais impostos.
Exatamente. Ocorreu a alguns responsáveis fiscais que é especialmente injusto tributar essa pessoa e foram criadas isenções em alguns países, desde que o solteiro conseguisse provar que pediu uma mulher em casamento, mas que ela o rejeitou. Isso levou a uma das nossas histórias preferidas. A Argentina era um dos países que tinha este sistema, o que deu origem ao nascimento de “mulheres rejeitadoras profissionais”. Mulheres que, em troca de um pagamento, assinavam um formulário a dizer que tinham sido pedidas em casamento, mas recusaram. O solteiro podia depois apresentar esse formulário e obter uma isenção.
E achamos nós que o Fisco tem hoje muita informação sobre as nossas vidas… Só mais um exemplo.
Falamos muito de fugas aos impostos. Dependendo de como tentar medir a base fiscal, obterá respostas diferentes. Em Inglaterra, tentaram introduzir um imposto sobre copos, baseado no seu peso. Então, a indústria começou a produzir novos copos ocos, muito finos e muito leves. Hoje, chamam-se “excise glasses” [vem de “excise tax”, impostos sobre consumo]. Por outro lado, também pode tentar usar unidades em vez de peso. Na Europa de Leste, era comum um imposto sobre cigarros. Qual foi a resposta? A indústria começou a fabricar cigarros gigantes que não eram suposto fumar assim. Era suposto serem abertos e voltados a enrolar em vários cigarros. Cada um, dava para 20 ou 50. O comportamento mudará conforme seja definida a base fiscal.
No livro referem várias vezes o IVA como uma inovação inteligente no nosso sistema fiscal. Que outras inovações dos últimos anos destacaria?
O IVA é a história de sucesso dos impostos do último século. Nos anos 50 não estava em lado nenhum e hoje está em todo o lado, com os EUA a serem a excepção. Daí para a frente, as inovações têm sido mais na forma como os impostos são arrecadados. Em muitos países os contribuintes já recebem o seu formulário pré-preenchido para pagar os impostos sobre o rendimento. O Estado já conhece de antemão quase toda a informação necessária. É uma inovação na coleta, usando a eficiência de recolha de informação. Nos Estados Unidos não temos isso. No caso do IVA, inovou-se também ao permitir o envio automático de informação. Todas as transações dos negócios são automaticamente registadas. E é interessante que nos EUA haja resistência, porque não gostam que o Governo tenha muita informação sobre eles, embora não pareçam ter problemas com isso se for o Facebook ou a Google.
Nas últimas décadas, temos sido excessivamente conservadores na política fiscal? Parecia uma área um pouco em piloto automático. As administrações fiscais foram perdendo terreno, em especial quando comparadas com a capacidade das grandes multinacionais?
Acho que é difícil caracterizar de forma tão simples. As taxas médias para as empresas têm recuado, mas não sei se é porque as administrações fiscais não têm capacidade ou porque as multinacionais cresceram muito e há mais competição fiscal, com cada país a tentar atrair empresas.
A OCDE conseguiu recentemente um acordo global para aplicar um imposto mínimo sobre multinacionais. É um desenvolvimento positivo? Há outros debates que se intensificaram, como a criação de impostos sobre a riqueza. A política fiscal está de volta?
Estamos num ponto de inflexão. Talvez vejamos uma inversão na tributação de empresas e dos contribuintes mais ricos. Digo talvez, porque não me parece que seja claro a forma como isto vai acabar. Há muitos obstáculos de implementação e há muitas formas de os países reduzirem a sua taxa efetiva [sobre as empresas], através de créditos ou isenções. Há milhões de formas de o fazer e será complicado ter um sistema totalmente eficaz. Mas não há dúvida que o debate se identificou em muitos países sobre como tributar os mais ricos. A proposta da Administração Biden concentra-se nisso, embora as perspetivas políticas sejam incertas. Mas concordo que podemos estar num ponto de inflexão, em que a descida dos impostos sobre as empresas pode mudar de trajetória, assim como a tributação dos mais ricos. Há certamente muito mais discussão do que havia há bastante tempo.
Lembra-se de algum exemplo histórico comparável a esta capacidade de coordenar 130 países num acordo fiscal? Provavelmente nunca nesta dimensão, mas que nos permita tirar algumas lições.
Existe uma rede de tratados muito extensa. Garantem que não há dupla tributação nas transações internacionais e que pelo menos um dos países cobra o imposto. São exemplos de cooperação, mas a maior parte deles são bilaterais. Não há precedente para um acordo de 130 países. É um desenvolvimento gigante.
Sabendo que a origem histórica dos impostos é violenta, nalguma altura eles deixarão de ser impopulares? Mesmo quando a maior parte da população não é afetada por eles, é muito fácil demonizar um imposto.
Não consigo imaginar o dia em que os impostos serão populares ou em que as pessoas gostem de os pagar. Quando vai a um restaurante, você e os seus amigos podem gostar do que comeram, mas quando o empregado chega com a conta ninguém gosta de pagar. O que os impostos financiam pode ser mais popular, o sistema não estou a ver como será. Vemos isso pelo esforço dos governos para dar nomes menos impopulares aos impostos.
Por exemplo, parecemos estar a voltar a debater impostos sobre heranças. É um caso de um imposto muito impopular, apesar de, na maior parte dos seus desenhos, apenas uma pequena minoria de contribuintes os pagar.
É um excelente exemplo. Nos EUA temos o “estate tax”, que tem um nível de isenção tão alto que 99% das pessoas nunca será sujeito a pagá-lo. Mas as sondagens dizem-nos que ele é muito impopular e os republicanos têm contribuído para isso, ao chamar-lhe “death tax”, o que o faz parecer ainda mais horrível.
O outro lado dessa moeda é que é muito fácil vender um corte de impostos que pode não beneficiar toda a gente. Um exemplo disso foi o corte de impostos que Donald Trump executou em 2018. Outro, mais extremo, é quando um país avança para uma flat tax.
Cada país tem políticas de tributação diferentes, mas é normal que o financiamento via défice acabe por ganhar o dia. Nos EUA, os republicanos baixaram os impostos e, agora, os democratas querem aumentá-los para os mais ricos, mas ambos agravam o défice. Com a Covid-19, não há dúvida que há justificação para mais despesa em apoios sociais, mas no longo prazo teremos de lidar com os défices. Como e quando? Não sei.
No livro, notam que a ficção científica não nos dá grandes pistas sobre o futuro dos impostos. O que devemos esperar, seja em inovações ou áreas específicas, como alterações climáticas?
Esse ponto é interessante. Começámos por olhar para a ficção científica e mesmo os autores mais criativos não o eram muito no tema da tributação. A sociedade do futuro quase não tem impostos. E a literatura utópica é parecida. Dizem apenas algo como “podemos não ter impostos”. No futuro, os governos terão de enfrentar desafios. Um deles é o das alterações climáticas. Os economistas concordam que um imposto sobre as emissões de dióxido de carbono é a forma mais fácil, mas será necessária uma grande coordenação entre países. Acho que ainda estamos longe de uma política global para a tributação do CO2. A desigualdade é outro tema que alguns países estão a discutir. Há propostas sérias de tributação dos mais ricos. Outra questão é saber como é que os governos irão usar a grande quantidade de informação que têm. Depende de quão confortáveis estejam os seus cidadãos com a ideia de que a sua informação pessoal esteja assim disponível.
Os nossos netos vão achar que éramos uns selvagens por termos umas folhas de papel onde escrevíamos o que ganhávamos num ano e depois uma pessoa olhava para aquilo e aprovava ou não o que lá estava?
Acho que sim. A própria ideia de um imposto com base no nosso rendimento anual [e não por vários anos] não fará sentido. Eu e o meu co-autor temos quase a certeza que, no futuro, as pessoas acharão muito estranha a forma como tributamos multinacionais. “Como é que eles achavam isto boa ideia?”, vão-se perguntar. O nosso livro fala de “tolices fiscais” ao longo da História. Daqui a 50 anos, vão ser identificadas algumas [dos nossos tempos].
De forma muito resumida, consegue dizer o que faz um imposto um bom imposto?
Gostava que houvesse uma resposta de uma só palavra. Tem de respeitar normas sociais de justiça e deve arrecadar receita com o mínimo dano para a economia.