Escassas semanas após o início do seu segundo mandato na Casa Branca, Donald Trump anunciou que iria aplicar novas tarifas alfandegárias a produtos importados de países em relação aos quais os Estados Unidos da América (EUA) estão em desvantagem comercial. China, Canadá, México e União Europeia, os maiores parceiros comerciais, são os principais destinatários da estratégia de intimação do novo Presidente.
Nada de muito novo. No primeiro mandato, Trump já tinha rompido com a tradição de desregulamentação e de livre comércio que vinha desde o final da II Guerra Mundial. Não hesitou em impor tarifas de milhares de milhões de dólares aos bens importados da China e de outros países para combater supostas práticas comerciais desleais, reduzir o enorme défice comercial dos EUA e incentivar a produção em nome da segurança nacional e do crescimento económico. O sucessor, Joe Biden, manteve algumas dessas taxas em vigor e acrescentou outras, embora mais discretamente.

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Tanto o atual como o anterior Presidente não foram os únicos a erguer barreiras à importação de bens estrangeiros. O próprio conceito de tarifa é tão antigo como a Rota da Seda. No século III a.C., durante a Dinastia Han, a China usou o seu poder militar para expandir e manter o controlo do tráfego comercial através da Ásia Central. Gregos e romanos usavam as tarifas como um imposto cobrado à entrada de produtos estrangeiros nos seus mercados. Na Idade Média, as cidades-estado italianas aplicavam taxas sobre os bens que entravam por via marítima nos seus portos. As grandes nações europeias impunham pesadas tarifas para reduzir as importações e concediam subsídios generosos às exportações. Lutavam para garantir o acesso privilegiado a certos mercados e entregavam os monopólios a gigantes como a Companhia Britânica das Índias Orientais, a fim de protegerem o comércio com as colónias e aumentarem as suas receitas.
Não foi por acaso que muitas guerras comerciais evoluíram para conflitos armados. Em 1839-1842 e 1856-1860, a Grã-Bretanha e a China travaram as duas Guerras do Ópio. Com a Revolução Industrial, os britânicos tornaram-se grandes consumidores de produtos chineses como o chá, as sedas e as porcelanas. O comércio entre os dois países tornou-se altamente deficitário para a Grã-Bretanha, já que os chineses mantinham o mercado fechado e não mostravam apetência por produtos estrangeiros. A exceção era o ópio, uma droga extraída da papoila, abundante na vizinha Índia, que os britânicos começaram a exportar em grandes quantidades para a China, apesar de a sua comercialização ser proibida. Em 1839, o governo de Pequim destruiu cerca de 20 mil caixas de ópio confiscadas nos depósitos britânicos e expulsou os responsáveis, o que constituiu um pretexto para o início do conflito. A Primeira Guerra do Ópio terminou em 1842 com a derrota dos chineses, que foram forçados a abrir os seus portos a produtos estrangeiros – incluindo ao ópio – e a entregar Hong Kong aos vencedores. Em 1856, teve início a Segunda Guerra do Ópio, quando o governo chinês tentou proibir a entrada de navios ingleses. O conflito terminou quatro anos depois, com nova vitória dos britânicos. Nos Estados Unidos da América, a história das guerras comerciais é quase tão antiga como a independência do país, declarada a 4 de julho de 1776.
1789
O primeiro Tariff Act
Na data simbólica de 4 de julho, o Presidente George Washington assinou o Tariff Act de 1789, a primeira peça legislativa aprovada pelo Congresso após a ratificação da Constituição dos EUA. Tinha dois objetivos: proteger as indústrias emergentes e aumentar a receita do governo federal para pagar a dívida da guerra pela independência. Cobrava uma tarifa de 5% sobre o preço de um conjunto de produtos importados e impunha uma taxa de 50 cêntimos por tonelada de mercadoria transportada por navios estrangeiros, contra apenas 6 cêntimos por tonelada de mercadoria descarregada de navios norte-americanos. Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos EUA, foi um grande defensor da introdução de tarifas e subsídios para proteger as jovens indústrias nacionais da concorrência estrangeira. A sua teoria serviu de base à política comercial durante praticamente todo o século XIX, e as tarifas tornaram-se uma das maiores fontes de receitas do governo federal até à introdução do imposto sobre rendimentos, em 1913. Com o Underwood-Simmons Tariff Act, aprovado nesse ano, o governo começou a romper com a sua longa tradição de protecionismo, promulgando uma lei que reduziu as tarifas em cerca de um terço, de aproximadamente 40% para 27%. Mas a Primeira Guerra Mundial e a eleição do republicano Warren Harding para a presidência, em 1920, sinalizariam de novo o fim das tarifas baixas, a pretexto de proteger os agricultores norte-americanos.
O conceito de tarifa é tão antigo como a Rota da Seda. No século III a.C., a China usou o seu poder militar para expandir e manter o controlo do tráfego comercial através da Ásia Central
1930
As Tarifas Smoot-Hawley
Em outubro de 1929, o crash na Bolsa de Wall Street mergulhou os EUA na Grande Depressão, um período de turbulência económica que duraria praticamente até à Segunda Guerra Mundial. Meses depois, em junho 1930, o Presidente Herbert Hoover assinou o Smoot-Hawley Act, proposto pelo senador Reed Smoot, do Utah, e pelo congressista Willis Hawley, do Oregon, ambos republicanos. Apesar do lançamento de uma petição, subscrita por mais de mil economistas, a alertar para os riscos da medida protecionista, a lei avançou a pretexto de proteger os agricultores norte-americanos da concorrência estrangeira. As novas tarifas, no valor de 20%, em média, foram estendidas a milhares de produtos industriais. Quase de imediato, começaram as retaliações. O Canadá, por exemplo, aplicou taxas alfandegárias sobre dezena e meia de produtos que, à época, representavam cerca de um terço das exportações dos EUA. Grã-Bretanha, França e Espanha também responderam com novas tarifas. O resultado foi uma redução significativa das trocas internacionais, enfraquecendo ainda mais a economia norte-americana. Os especialistas estimam que as exportações dos EUA tenham recuado cerca de 61% em 1933. A lei Smoot-Hawley é ainda hoje frequentemente apontada como um dos fatores que mais contribuiu para agravar a Grande Depressão. Com a economia a afundar-se cada vez mais, a popularidade de Hoover caiu a pique e, nas eleições de 1932, foi derrotado pelo democrata Franklin D. Roosevelt. Em junho de 1934, o novo Presidente assinou o Reciprocal Trade Agreements Act, que previa uma redução das tarifas e a realização de acordos comerciais bilaterais com outros países para anular os efeitos da lei Smoot-Hawley. O texto do novo diploma afirmava que “uma recuperação económica completa e permanente depende em parte do comércio internacional renascido e fortalecido”. Nos cinco anos seguintes, o governo de Roosevelt negociou acordos comerciais com cerca de duas dezenas de países. Depois da lei Smoot-Hawley, o Congresso, até então soberano em assuntos de política comercial, começou a delegar cada vez mais as decisões no poder executivo. Presidentes democratas e republicanos usaram essa autoridade para aumentar tarifas, alegando que a concorrência estrangeira ameaçava o tecido industrial e punha em causa a segurança nacional, ou firmar novos acordos comerciais ‒ incluindo o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), precursor da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Década de 1960
“imposto do frango”
Durante a Segunda Guerra Mundial, a carne vermelha foi racionada nos EUA. O governo iniciou uma campanha para encorajar a população a consumir mais peixe e carne de aves. Como resultado, a produção industrial de frango aumentou e começou a ser feita a sua exportação para a Europa, a preços muito baixos. Até que, em 1962, os membros da então Comunidade Económica Europeia (CEE) ‒ França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo ‒ impuseram tarifas sobre o frango norte-americano. No ano seguinte, quando a exportação de carne de aves para a Europa caiu drasticamente, em cerca de 30%, o Presidente Lyndon B. Johnson retaliou com taxas de 25% sobre vários produtos europeus agrícolas e industriais. Ainda hoje, as carrinhas pick-up de fabrico europeu pagam o “imposto do frango” (“chicken tax”) à entrada nos EUA… Desde então, as pick-ups fabricadas localmente tornaram-se campeãs de vendas. Para contornar as restrições, os fabricantes europeus começaram a construir modelos comerciais com especificações de veículos de passageiros ou instalaram fábricas naquele país.
1987
Tarifas sobre carros japoneses
Uma das maiores guerras comerciais iniciou-se em 1987, quando o Presidente Ronald Reagan decretou tarifas de 100% sobre importações japonesas a partir de determinados montantes, afetando principalmente a compra de automóveis daquele país asiático. Com o intuito de conter o défice norte-americano, o governo exigia a abertura do mercado nipónico à entrada de semicondutores made in USA. As exportações japonesas levaram um rombo e, na década de 1990, o Japão entrou em recessão.

Durante o primeiro mandato na Casa Branca, Donald Trump aumentou as tarifas sobre a importação de painéis solares e máquinas de lavar, entre outros artigos
1993
Bananas vs. queijo brie
Durante 20 anos, a União Europeia (UE) e 11 países latino-americanos mantiveram uma guerra tarifária sobre o comércio de bananas, que só terminou com a assinatura de um acordo apadrinhado pela Organização Mundial do Comércio. Tudo começou em 1993, quando o bloco europeu levantou barreiras à importação de bananas de países latino-americanos para proteger os pequenos agricultores de antigas colónias caribenhas e africanas de países como a França, Grã-Bretanha e Holanda. Os EUA, cujas empresas detinham a maioria das plantações de banana na América Latina, envolveram-se no conflito e decretaram tarifas de 100% sobre produtos europeus, como a caxemira escocesa ou o queijo francês brie. Em 2012, a Europa começou a reduzir, de forma gradual, as tarifas sobre a importação da banana latino-americana, de 176 euros para 114 euros por tonelada, aceitando pôr fim ao conflito.
2002
Guerra do aço com a Europa
Para desenvolver a indústria siderúrgica, o Presidente George W. Bush aplicou tarifas de até 30% sobre o aço de países estrangeiros, visando especialmente a Europa. Como retaliação, a UE ameaçou levantar barreiras contra produtos norte-americanos, incluindo as laranjas da Flórida e as motos Harley-Davidson. Dias antes de a Europa começar a aplicar as tarifas, os EUA suspenderam as barreiras contra o aço europeu.
2005
Guerra do “suco” de laranja
O Brasil, maior exportador mundial de sumo de laranja, foi acusado pelos EUA de práticas de dumping que lhe permitiam vender para países terceiros a custos inferiores aos da produção. Durante o conflito, iniciado em 2005, os norte-americanos taxaram o produto em até 60%. O Brasil acabou por recorrer à OMC, que lhe deu razão. A acusação dos EUA baseou-se apenas nas marcas mais baratas de sumo de laranja do Brasil, quando a OMC estabelece que o método de cálculo do preço deve incluir todas as marcas exportadas por um país.
2018
Primeira guerra tarifária de Trump
Durante o primeiro mandato na Casa Branca, Donald Trump aumentou as tarifas sobre a importação de painéis solares e máquinas de lavar, entre outros artigos. Embora não diferenciasse esses produtos pela sua origem, o maior fabricante de painéis solares a nível mundial era então a China. Trump aplicou também uma tarifa de 25% sobre o aço e uma de 10% sobre o alumínio, afetando principalmente o Canadá, o México e os países da UE. O governo de Pequim respondeu, cobrando direitos alfandegários sobre mais de uma centena de produtos norte-americanos, incluindo soja e aviões. Os EUA condenavam a China por práticas comerciais desleais, roubo de propriedade intelectual e manipulação cambial. A China, por sua vez, acusava os EUA de protecionismo e violação dos princípios do livre comércio. As tréguas entre os dois países aconteceriam apenas em 2020, quando a China, embora mantendo o seu excedente comercial sobre a outra parte, já tinha sido substituída pelo México como principal parceiro comercial dos EUA.
Artigo publicado na Exame nº488 de março de 2025