Os dados do Gallup Analytics, citados pelo Financial Times esta terça-feira, são bastante claros: metade dos inquiridos, todos eles cidadãos de nações da OCDE, estão insatisfeitos com a dificuldade de acesso à habitação. Em Portugal, o número dispara para os 80 por cento.
O valor é, aliás, significativamente mais elevado do que aqueles que mostram insatisfação em relação aos serviços de saúde, educação, transportes públicos, qualidade do ar e qualidade de vida. Tanto na OCDE como em Portugal.
Apesar de em praticamente todos os territórios se ter notado uma ligeira redução do preço da habitação, a verdade é que as casas continuam a um valor muito mais alto do que antes da pandemia – e isto ainda antes de serem aplicados os custos dos empréstimos bancários. Também estes sofreram um agravamento graças à subida das taxas de juro levada a cabo pelos Bancos Centrais para tentar mitigar os efeitos da inflação.
Nos EUA, onde quase 60% dos inquiridos se mostram insatisfeitos com o inventário da habitação, os preços das casas continuaram a subir, mesmo com a Reserva Federal a manter elevadas as taxas de juro para tentar mitigar os efeitos inflacionistas. No Reino Unido, o preço das casas supera oito vezes um salário médio anual. E em Portugal, o valor dos imóveis subiu 7% nos primeiros meses deste ano, enquanto as rendas dispararam 10,5%, mostram dados do INE revelados esta semana. Nunca a habitação foi tão cara no País. Em comparação com 2015, estamos a falar de uma subida na ordem dos 70 pontos.
Já os salários reais, como é sabido, continuam em níveis abaixo do registado antes da pandemia – como revelaram dados da OCDE libertados em julho deste ano.
O problema, dizem os especialistas, é o desequilíbrio entre oferta e procura. Em Portugal, insistem, passou-se praticamente duas décadas sem aumentar o parque habitacional, e as medidas de estímulo à vinda de estrangeiros e, mais recentemente, os incentivos à aquisição de habitação própria para os jovens está a pressionar ainda mais o mercado.
Em termos macro, na OCDE, o problema parece ser o mesmo. Willem Adema, economista sénior do departamento de políticas sociais da OCDE disse ao FT que “basicamente não construímos o suficiente”, e realçando que os construtores, quando o fizeram, privilegiaram os agregados com mais dinheiro, deixando a classe média e a classe média baixa sem opções.
E, numa altura em grande parte dos rendimentos das famílias foi consumido pelo aumento do preço dos bens essenciais – comida, combustíveis, eletricidade… – a verdade é que não deverá faltar muito para os outros indicadores também comecem a registar crescente insatisfação por parte dos cidadãos dos países considerados mais ricos.
O Gallup World Poll foi baseado nas respostas de 145 702 inquiridos em 142 países, e ponderadas de acordo com a população de cada um deles.